Por
Sheila Sacks
A
pequena Vila de Cuba, situada na região de Alentejo, no sul de Portugal,
pode guardar um segredo que ainda permanece submerso e parece estar longe de
ser desvendado. Em meio a muita polêmica e até pesquisas de DNA de possíveis
descendentes, passados mais de 500 anos da morte de Cristóvão Colombo, o
mistério de sua origem continua. Para inúmeros historiadores portugueses, este
pacato povoado de pouco mais de 3 mil habitantes, a 200 quilômetros de Lisboa, é o verdadeiro berço natal do descobridor das
Américas.
O
engenheiro Carlos Calado, presidente do Núcleo dos Amigos da Cuba (NAC) e da
Associação Cristóvan Colon (ACC), defende a tese de que o navegante que ficou conhecido na história
pelo nome de Colombo, era na realidade o português Salvador Fernandes Zarco,
natural da Vila de Cuba – povoado cujas
origens remontam ao século 13 - e que usava o pseudônimo de Cristóvão Colon.
Essa certeza é tamanha que a câmara municipal local já registrou o navegador no seu panteão de notáveis e
inaugurou, em 28 de outubro de 2006, o primeiro monumento em território
português homenageando o grande almirante.
A
estátua de bronze pesando mais de uma tonelada e com 2 metros e meio de altura
foi instalada na praça principal, em frente ao Palácio da Justiça. Com a
concordância de inúmeros historiadores portugueses que há anos se dedicam às
pesquisas sobre Colombo dito e consagrado como genovês pela história oficial. A
data confere com a descoberta da ilha de Cuba, em 1492, depois de sua chegada
às Antilhas. Assim não seria por mero acaso o fato das primeiras ilhas em
continente americano serem batizadas por Colombo de San Salvador (o verdadeiro
nome do descobridor) e Cuba, sua terra natal.
Uma história não oficial
Dois anos antes da inauguração do monumento, atendendo ao convite
do centro cultural da cidade, uma dupla de ilustres pesquisadores visitou a
pequena Vila de Cuba, que abriu seu único teatro para um sarau muito
especial. Lá estavam o médico e historiador português radicado nos
Estados Unidos, dr. Manuel Luciano da Silva (fundador da Federação
Luso-Americana e membro da Sociedade de Geografia de Lisboa), e o pesquisador
Mascarenhas Barreto, autor do
best-seller Cristóvão Colombo, Agente Secreto do Rei Dom João I (1988).
Eles apresentaram um resumo de seus trabalhos sobre o que é hoje popularmente
noticiado como o Enigma Colombo. Em comum, a convicção da origem
luso-judaica do descobridor do continente americano.
De acordo com Mascarenhas Barreto, Colombo
trabalhava secretamente a favor do rei de Portugal, D.João II, quando foi a
Castela no intuito de convencer a rainha da Espanha, dona Isabel, a financiar a
sua expedição rumo às Índias, seguindo na direção do oeste ou pelo lado ocidental do Atlântico. O plano do
soberano português era afastar os espanhóis das
caravelas portuguesas e das rotas descobertas por Portugal que
procuravam alcançar a Ásia através do Atlântico, pelo litoral africano. Tempos depois, já no reinado de D. Manuel I,
essa alternativa se mostrou vitoriosa com Vasco da Gama que em 1498 alcançou o
porto indiano de Calecute, estabelecendo pela primeira vez o caminho marítimo
para as Índias.
Autor de “Columbus was 100% Portuguese” (1987), escrito originalmente
em inglês e traduzido para a língua portuguesa somente 20 anos depois, o historiador Manuel da Silva conta que quando realizou a sua pesquisa na Biblioteca
do Vaticano, em Roma, encontrou documentos relacionados com a descoberta da
América em que aparece o nome de Colombo grafado em português antigo: Cristofõm
Colon. “Devemos esclarecer”, alerta o pesquisador, “que o navegador
fabricou o nome de Cristóvão Colon porque o seu nome verdadeiro era Salvador
Fernandes Zarco.”
A família Zarco
Mas, nacionalidades à
parte, de onde viria o sobrenome Zarco, indaga o historiador, para responder em
seguida: “Da mãe, Isabel Gonçalves Zarco, filha do navegador João Gonçalves
Zarco, descobridor da Ilha da Madeira
(1418), judeu sefaradita (originário da Península Ibérica), nascido na cidade
de Tomar, onde ainda existe a sinagoga d’Arco ou do Zarco.” Fruto de um amor
proibido, já que o pai de Colombo era o Infante D. Fernando, Duque de Beja,
irmão do rei D. Afonso V, Isabel Zarco
foi dar à luz na Vila de Cuba (Colba, em português antigo e que significa
‘torre’), uma aldeia que ficava a 18 quilômetros ao norte do distrito de
Beja. Alguns anos depois, Colombo foi levado pela mãe para a Ilha da Madeira, onde esta se casou com um nobre
português. Quanto a Colombo, sua primeira esposa, Filipa Moniz de Perestrelo,
filha do governador da ilha, também era de ascendência sefaradita.
Abrindo um pequeno parêntese,
observamos que cinco séculos depois deste intrincado enredo familiar, onde se
misturam nobres e os chamados cristãos-novos (judeus convertidos à força pela
Inquisição), um outro Zarco, igualmente judeu e português, surge em cena, agora
como o personagem do festejado livro “O Último Cabalista de Lisboa”(1996). O
autor Richard Zimler, norte-americano naturalizado português e radicado na
cidade do Porto, revive os horrores de uma Lisboa de 1506 – data da morte de
Colombo – assolada pela peste e pelo terrível pogrom (palavra russa para
designar um ataque violento a pessoas, casas e lojas) que levou centenas
de judeus às fogueiras. No centro da trama, o jovem Berequias Zarco, a cujo
manuscrito datado de 1507 Zimler teve acesso quando de sua estadia em Istambul.
Anos depois, Zymler retoma a saga da família Zarco nos livros “Meia-Noite ou o
Princípio do Mundo” (2003), contando a história de John Zarco Stewart e “Goa
ou o Guardião da Aurora” (2005), onde o protagonista é Tiago Zarco.
Uma outra observação diz
respeito à cidade de Tomar (no centro do país, a 140 quilômetros ao norte de
Lisboa), onde nasceu o avô materno de Colombo, João Gonçalves Zarco. Conhecida
como a Cidade dos Templários - porque as suas terras foram doadas à Ordem do
Templo em 1159, que ali ergueram a sua sede - , especulações não faltam sobre o
possível envolvimento de familiares de Colombo com os seguidores da Ordem e a
participação de seus integrantes nos Descobrimentos. Em uma das cartas enviadas
por Colombo à rainha Isabel, ele demonstra essa visão templária e profética ao
anunciar que através das explorações marítimas seria possível libertar a cidade
santa de Jerusalém do domínio do Islã, restaurar o Templo de Salomão e combater
os muçulmanos na África e no Oriente.
Um detalhe que também aguça a
curiosidade dos pesquisadores é a assinatura criptografada adotada por Colombo.
Mascarenhas Barreto chegou a estudar por mais de 10 anos a Cabalá hebraica
(tradição mística do Judaísmo) no intuito de decifrá-la.
Curiosamente, um descendente da
família Zarco se fez presente na solenidade de inauguração do monumento a
Colombo, na Vila de Cuba, alegando ser parente do navegador. Residindo em
Lisboa, Henrique Zarco, acompanhado da esposa e filha, revelou que Cristóvão Colon era neto de seu 20° avô, João
Gonçalves. “Somos parentes do lado da família de minha mãe”, afirmou orgulhoso.
Ao jornal português Correio da Manhã, que reportou o evento, Zarco
conclamou Portugal a lutar por esta verdade e mudar o curso da história.
Letras hebraicas
Mas, voltando às pesquisas do
dr. Manuel da Silva, outro fato importante sobre a origem de Colombo apontado
pelo historiador está contido nas 12 últimas cartas que o navegador escreveu
para o filho Diogo Colon, em 1504. No
alto das páginas, as duas letras iniciais da frase hebraica Baruch
Hashem,(B”H), Bendito seja D-us, não deixam dúvidas quanto a sua
ascendência judaica. A descoberta foi feita por Simon Wiesenthal, em 1973,
assinala dr. Silva. Conhecido como o caçador de nazistas pela sua busca
incansável pelos genocidas remanescentes do III Reich, Wiesenthal também chama
a atenção em seu livro “A missão secreta de Cristóvão Colombo:Velas da
Esperança” sobre a data da partida da frota para as Índias: 03 de agosto. Na
véspera expirava o prazo de expulsão dos judeus do território espanhol ,
segundo o decreto dos reis Fernando e Isabel. E, coincidentemente, Colombo
exigiu que a tripulação estivesse a bordo antes da meia-noite do fatídico 02 de
agosto de 1492. Entre os convocados estavam 40 “genoveses”, uma expressão que
designava os judeus clandestinos que se refugiaram na Península Ibérica, um
século antes, após sofrerem perseguições em Gênova.
Todas essas revelações surgidas
nos últimos anos em decorrência de exaustivas investigações históricas têm
provocado controvérsias apaixonadas e estimulado a aparição de textos
considerados fantasiosos, apesar de muitos deles serem fruto de um profundo
trabalho de pesquisa. No livro “Cólon, El Almirante sin Rostro” (2005), o
escritor espanhol Mariano Fernandez Urresti reafirma que Colombo ainda é um perfeito
enigma histórico. “Não se conhece o lugar onde ele nasceu, nem tampouco o
lugar em que foi enterrado. Em 2003, quando uma equipe de pesquisadores abriu a
sua suposta tumba na Catedral de Sevilha para realizar estudos de DNA dos
restos mortais que deveriam estar lá, deparou-se com apenas 20% de um cadáver.
Onde estaria o restante de seus ossos?” pergunta Urresti. Para Manuel Silva os
restos mortais de Colombo podem estar em Santo Domingo, na República
Dominicana, a ilha do Caribe citada no testamento de Colombo. Já o italiano
Gianni Granzotto, autor de “Cristobal Colon”, assegura que os restos mortais de
Colombo jamais saíram da Espanha. Estão no Convento de São Francisco, em
Valadolid.
Mais indícios judaicos
Ainda em 2005, uma nova versão
da vida do navegador, misturando ficção e história, foi apresentada pelo
jornalista José Rodrigues dos Santos, da Rádio Televisão Portuguesa (RTP). O
romance Codex 632 segue a receita vitoriosa do Código da Vinci,
onde uma mensagem codificada é o ponto de partida para um enredo de mistério e
aventura em cenários de cidades emblemáticas como Gênova, Sevilha, Tomar,
Jerusalém e Rio de Janeiro. Baseado nas teorias que dão conta de que Colombo
era judeu e tinha sangue nobre português, o livro sai em busca da verdadeira
identidade e da real missão de Cristóvão Colombo, que o autor define como “os
mais bem guardados segredos dos Descobrimentos”.
Outros indícios da origem
luso-judaica de Colombo são as tábuas de declinação do sol, escritas em
hebraico, utilizadas por Colombo na travessia do Atlântico. A relíquia, de
autoria do matemático judeu Abraão Zacuto, pode ser vista no Museu Judaico de
Nova Iorque e foi dada a Colombo pelo
rei D.João II .
Igreja
conhecia a origem de Colombo
O pesquisador
dr.Manuel da Silva lembra que em dezembro de 1999, no último “Te Deum”
solene na Basílica de São Pedro, no limiar do novo século, o Papa João Paulo II
revelou que a descoberta da América foi para ele o principal acontecimento dos
últimos mil anos, porque abriu uma nova era para a história da humanidade.
Porém, estranhamente, o Papa não mencionou o nome do descobridor daquilo que
considerou “o acontecimento que marcou o milênio”. Um evento que está
registrado em quatro Bulas Papais editadas pelo Papa Alexandre VI, em 1493,
sendo que em duas delas destacando o nome do navegador, conforme é possível
conferir na Biblioteca do Vaticano.
Este relacionamento nebuloso entre a Igreja
Católica e Colombo resultou em mais uma polêmica, desta vez empurrada pela declaração bombástica do
doutor em Ciências Náuticas e capitão do Comando Marítimo da província
espanhola de Torrevieja, Oscar Villar Serrano. Autor de inúmeros livros sobre
navegação, clima e geografia, Villar Serrano publicou, em 2005, uma obra
intitulada "Cristóbal Colón: el
secreto mejor guardado", onde assegura que a Igreja não canonizou Colombo
(o processo de beatificação foi proposto em 1866) por saber que ele era judeu.
Por ocasião do lançamento do livro, Villar
assegurou que o mistério que envolve a origem de Colombo se deve basicamente à
sua filiação judaica que ele procurou ocultar na busca de apoio dos reis
católicos da Espanha ao seu empreendimento. Isso embora seus principais
patrocinadores fossem judeus, desde o banqueiro da Coroa de Aragão, Luis
Santángel, até a própria tripulação, majoritariamente judaica. Em entrevista à
agência espanhola EFE, o autor cita as cartas de Colombo ao seu filho Fernando,
onde o navegador recomenda comportamentos diferenciados, em público e na
intimidade do lar (onde diz textualmente que entre nós, temos que conservar
os nossos costumes). Villar também destacou que o irmão de Colombo morreu
na fogueira em Valência (1493), justamente por ter ascendência judaica.
Novo
mundo
Diante de tais pontos de vista,
o que o nosso continente tem a dizer? Bem... aqui na América do Sul, a
Venezuela já se adiantou e deu o seu recado: em 2004, um grupo ligado ao
presidente Hugo Chavez destruiu a centenária estátua de Colombo, instalada em
uma das principais praças de Caracas, e a arrastou pelas ruas da capital. O que
sobrou do monumento – uma escultura de bronze de 1904, do venezuelano Rafael de
la Cova – foi posteriormente recolhido pelas autoridades. Manifestantes
justificaram a depredação como sendo um protesto bolivariano contra o
colonialismo e a imposição histórica de uma farsa chamada Colombo. Outros
monumentos que homenageavam Colombo e os descobrimentos também foram varridos
do território venezuelano em anos posteriores.
Farsa ou ocultação de um segredo, a
polêmica deve continuar. As continuadas investigações históricas sobre o
navegante têm projetado um perfil surpreendente e diverso daquele disseminado
pela história oficial. Assim, o descobridor do novo mundo teria nascido
Salvador Gonçalves Zarco, natural da Portugal, judeu sefaradita, nobre e
templário.
Mas, apesar de todo o mistério
que cerca a identidade do grande almirante e a missão dos Descobrimentos,
Colombo parece ter tentado enviar uma mensagem pessoal para a posteridade. Um
ano antes de morrer, ele escreve “O Livro das Profecias”, um manuscrito que só
foi dado a conhecer em 1984. Escondido até então na Biblioteca da Catedral de
Sevilha, o documento foi apresentado com 14 páginas arrancadas. As profecias
(que muitos julgam versar sobre o resgate de Jerusalém do controle muçulmano)
sumiram com as páginas desaparecidas, permanecendo, porém, textos copiados do
Velho Testamento, como os Salmos de David
e as palavras de Isaías.