Em um artigo de SHAKED (1999), com o sugestivo título de “Existe algo como amor judaico ou israelense? ”, ele começa citando Bialik:“Dizem que há amor no mundo, o que é amor? ”, e prossegue levantando a hipótese se a grande questão não seria se o amor judaico difere dos outros.[2]
DAVIDSON (1985) escreveu que a civilização ocidental se rebelou contra a doutrina imperante que as expressões físicas do amor são “profanas” e defendeu, em seu lugar, o “amor livre”. A ideologia da Torá, que é radicalmente distinta de ambos os extremos revela a espiritualidade do amor físico.
SCHALLMAN (1963) questiona se no Antigo Testamento há amor propriamente dito, entendido como paixão, desejo e atração. E responde, conforme PITTALUGA (1946), que há, sim, um Eros distinto do grego, um Eros metafísico que sopra como um furacão sobre a alma humana e arrasta no vendaval as pessoas, embora, no seu entender, não é o amor o inspirador do povo judeu e da mulher judia, mas a sua fortaleza: mulher forte, jardim trancado, torre de marfim, alta muralha, como é referida no texto bíblico. Para ele, o amor constituiu poderosa força moral entre os judeus, por exemplo, na transcendência do “Cântico dos Cânticos”, onde vê a exaltação do homem e da mulher num mesmo plano de igualdade social e espiritual, da igualdade de ambos os sexos ante a majestade do amor.
De uma maneira geral, os judeus de tempos antigos eram puritanos, mas não pudicos. Tinham uma aceitação realística do sexo, mas não no sentido hedonístico dos gregos e dos romanos, que o tinham como um fim prazenteiro em si mesmo.
Os judeus desenvolveram uma filosofia de vida que tinha um caráter unificado como parte de um sistema moral completo. Não criaram um dualismo entre os mistérios do céu e as realidades da terra; acreditavam que uma grandiosa unidade cósmica reinava no universo. No tradicional credo judaico (excetuando o dos místicos) não existia uma separação real entre o corpo e a alma. “A alma é Tua, e o corpo também é Tua criação”, entoavam os devotos em orações.[3] Portanto, o poder da procriação era venerado como o instrumento sagrado com que Deus havia dotado todas as suas criaturas com o propósito único de continuar e “colaborar” com ele em seu trabalho de infindável Criação (GLASMAN, 2001).
No texto místico medieval Igeret HaKodesh, da autoria de Nachmânides[4], a perspectiva judaica está claramente expressa: “Nós que somos descendentes daqueles que receberam a Torá, cremos que Deus criou tudo que Sua sabedoria ditou, e Ele não criou nada que contivesse obscenidade ou fealdade. Se disséssemos que as relações sexuais são obscenas, deduzir-se-ia que os próprios órgãos sexuais são obscenos. E como poderia Deus ter criado algo impuro e imoral?”
Uma aceitação menos repressiva da natureza psicossexual do ser humano levou os rabinos do Talmud a instituírem regulamentos que não só alargaram como modificaram os bíblicos – que esclareciam o que era permitido na intimidade, os direitos e deveres de marido e esposa, como orientação para maior compatibilidade e felicidade doméstica.
Para AUSUBEL (1967), uma determinante da origem da moralidade sexual entre os judeus dos tempos antigos, indicada na Torá, era a necessidade de isolar a vida judaica da imoralidade dos povos vizinhos representada primeiramente pelos cultos orgíacos de Baal e Astarté entre os canaanitas, e mais tarde pelas obscenidades dos mistérios gregos e da Saturnália romana. Por isso, as relações entre os sexos eram sancionadas pelo judaísmo de forma a alcançarem uma relativa “santidade”, um alto grau de responsabilidade social. Esse padrão de moralidade sexual ficou fixado, em seus traços essenciais, para as gerações posteriores; houve, naturalmente, as influências do ambiente não judaico às quais os judeus dispersos estiveram expostos em várias regiões e em períodos culturais.
que receberam a Torá, cremos que Deus criou tudo que Sua sabedoria ditou, e Ele não criou nada que contivesse obscenidade ou fealdade. Se disséssemos que as relações sexuais são obscenas, deduzir-se-ia que os próprios órgãos sexuais são obscenos. E como poderia Deus ter criado algo impuro e imoral?”
Uma aceitação menos repressiva da natureza psicossexual do ser humano levou os rabinos do Talmud a instituírem regulamentos que não só alargaram como modificaram os bíblicos – que esclareciam o que era permitido na intimidade, os direitos e deveres de marido e esposa, como orientação para maior compatibilidade e felicidade doméstica.
Para AUSUBEL (1967), uma determinante da origem da moralidade sexual entre os judeus dos tempos antigos, indicada na Torá, era a necessidade de isolar a vida judaica da imoralidade dos povos vizinhos representada primeiramente pelos cultos orgíacos de Baal e Astarté entre os canaanitas, e mais tarde pelas obscenidades dos mistérios gregos e da Saturnália romana. Por isso, as relações entre os sexos eram sancionadas pelo judaísmo de forma a alcançarem uma relativa “santidade”, um alto grau de responsabilidade social. Esse padrão de moralidade sexual ficou fixado, em seus traços essenciais, para as gerações posteriores; houve, naturalmente, as influências do ambiente não judaico às quais os judeus dispersos estiveram expostos em várias regiões e em períodos culturais.
Autora: Jane Bichmacher de Glasman
Doutora em Língua Hebraica, Literaturas e Cultura Judaica (USP), Professora Adjunta, fundou e coordenou o Setor de Hebraico e o Programa de Estudos Judaicos da UERJ, Professora e Coordenadora do Setor de Hebraico da UFRJ (aposentada).
[1] O Material completo está disponível em PDF na Web.
[2] Como uma introdução a uma série de artigos sobre amor na literatura Israelense.
[3] Ao acordar, um judeu deve pronunciar duas bênçãos: Mode Ani (agradecendo a Deus por nos ter devolvido nossa alma ao despertar) e Asher Iatsár (agradecendo pelo corpo humano): “Bendito sejas tu, Eterno, nosso Deus, Rei do Universo, que formaste o homem com sabedoria e criaste nele órgãos com orifícios. Revelado e sabido é perante o Teu glorioso trono que, se um órgão aberto se fechar ou um órgão fechado se abrir, o ser humano não sobreviverá nem uma hora”.
[4]Um dos principais autores da literatura talmúdica da Idade Média, cabalista, filósofo e escritor renomado. Mais conhecido por seus comentários místicos do Pentateuco, destacou-se no campo da lei rabínica além de