Os judeus da montanha

Os judeus da montanha

magal53
0

 

Os judeus da montanha

Na longa histĆ³ria de nosso povo, membros das Dez Tribos de Israel instalaram-se na cordilheira do CĆ”ucaso. Os “judeus da montanha”, como passaram a ser chamados no sĆ©culo 19, viveram muitos sĆ©culos isolados dos demais Filhos de Israel, mas mantiveram nossa fĆ© e desenvolveram suas prĆ³prias tradiƧƵes religiosas. 

Atualmente, estima-se que totalizem 250 mil pessoas, das quais apenas sete mil permanecem naquela regiĆ£o.

Ɓrea da Europa Oriental e da Ɓsia Ocidental, o CĆ”ucaso estĆ” estrategicamente localizado entre os mares Negro e CĆ”spio. Inclui a cordilheira do mesmo nome, que o divide em duas partes. Ao norte, fica a CiscaucĆ”sia, que compreende diversas repĆŗblicas da FederaĆ§Ć£o da RĆŗssia1, entre elas a OssĆ©tia do Norte e o DaguestĆ£o, alĆ©m de porƧƵes da GeĆ³rgia e do AzerbaijĆ£o. Ao sul, a TranscaucĆ”sia ou CĆ”ucaso do Sul compreende trechos do territĆ³rio da GeĆ³rgia e do AzerbaijĆ£o, bem como a ArmĆŖnia.

Os judeus da montanha, um dos grupos Ć©tnicos mais antigos da regiĆ£o, estabeleceram-se em ambas as vertentes da cordilheira do Grande CĆ”ucaso. Ɖ importante ressaltar que se distinguem dos judeus georgianos, que tambĆ©m viveram naquela localidade. Ambas as populaƧƵes, cultural e etnicamente diferentes, tĆŖm trajetĆ³rias histĆ³ricas, idiomas e tradiƧƵes distintas.

O termo “judeus da montanha” (em russo gorskie evrei) foi cunhado no sĆ©culo 19, apĆ³s a anexaĆ§Ć£o do CĆ”ucaso ao ImpĆ©rio Russo, pela administraĆ§Ć£o militar desse paĆ­s. AtĆ© entĆ£o, o grupo se autodenominava juhuro imuni (judeus da nossa regiĆ£o), juvuroivri ou yehudi. JĆ” os descendentes de judeus originĆ”rios do Sacro ImpĆ©rio GermĆ¢nico, que se estabeleceram na regiĆ£o no sĆ©culo 10, referiam-se a si mesmos como juhuro esghenezini.

Desde o sĆ©culo 19, os juhuro adotaram o termo “judeus da montanha”. Mesmo aqueles que abandonaram os vilarejos de origem e se fixaram nas cidades das planĆ­cies ou migraram para outros paĆ­ses mantiveram a denominaĆ§Ć£o.

Os primĆ³rdios

NĆ£o hĆ” textos ou achados arqueolĆ³gicos que permitam datar o inĆ­cio da presenƧa dos juhuro imuni no CĆ”ucaso, mas existem tradiƧƵes orais. De acordo com uma delas, sĆ£o descendentes de membrosdas Dez Tribos expulsas do Reino de Israel pelos assĆ­rios em 722 antes da Era Comum (a.E.C.). Entretanto, vĆ”rias crĆ“nicas nĆ£o judaicas contam que os primeiros sĆ³ chegaram Ć  TranscaucĆ”sia no sĆ©culo 6 a.E.C. Muitos eram escravos enviados a aliados por Nabucodonosor II, monarca do Segundo ImpĆ©rio BabilĆ“nico que, em 586 a.E.C., derrotou o Reino de JudĆ”, conquistou JerusalĆ©m e arrasou o Templo Sagrado, alĆ©m de massacrar milhares de judeus e levar outros 40 mil cativos.

Em 538 a.E.C., Ciro II, o Grande, rei da PĆ©rsia, derrotou os babilĆ“nios e, no ano seguinte, permitiu o retorno dos exilados de JudĆ” a JerusalĆ©m, porĆ©m nem todos voltaram para Eretz Israel. Com o passar do tempo, boa parte dos que permaneceram na regiĆ£o que corresponde ao atual IrĆ£, migrou para leste, estabelecendo-se nas montanhas do CĆ”ucaso.

As evidĆŖncias histĆ³ricas e linguĆ­sticas confirmam que as comunidades juhuro imuni foram formadas por um fluxo migratĆ³rio constante do norte da PĆ©rsia para a TranscaucĆ”sia. De fato, o Talmud menciona a presenƧa judaica na cidade de Derbente no sĆ©culo 3 da Era Comum (E.C).

A chegada do IslĆ£

Com a conquista islĆ¢mica do CĆ”ucaso, entre 639-643, cresceu a afluĆŖncia de judeus Ć  regiĆ£o. No sĆ©culo 10, como vimos acima, tambĆ©m se fixaram ali os juhuro esghenezini, de origem alemĆ£, que, com o tempo, se integraram aos da montanha. NĆ£o havia, ainda, uma comunidade ashquenazita, que sĆ³ surgiria no inĆ­cio do sĆ©culo 20.

As migraƧƵes prosseguiram atĆ© as invasƵes mongĆ³is, no sĆ©culo 13, porĆ©m com menor intensidade a partir do inĆ­cio do sĆ©culo 11, quando a TranscaucĆ”sia foi invadida por tribos nĆ“mades turcas. Muitos juhuro que lĆ” viviam foram expulsos pelos novos conquistadores e acabaram por estabelecer-se mais ao norte. De fato, a existĆŖncia de “um grande nĆŗmero de judeus” em todo o leste do CĆ”ucaso, nos atuais DaguestĆ£o e AzerbaijĆ£o, foi observada por Wilhelm Rubruquis, monge franciscano e explorador flamengo conhecido pelo relato de suas viagens Ć  Ɓsia Central (1248–1255).

Apesar do isolamento em que viviam os judeus da montanha, hĆ” registros de alguns contatos entre eles e as comunidades do MediterrĆ¢neo. No sĆ©culo 15, Tagriberdi (1409-1470), historiador islĆ¢mico egĆ­pcio, relatou a visita ao Cairo de mercadores judeus de “CircassiĆ”” (do CĆ”ucaso).

NĆ£o hĆ” relatos da presenƧa no CĆ”ucaso de viajantes oriundos da Europa entre os sĆ©culos 14 e 17, porĆ©m, nesse continente nos sĆ©culos 16 e 17, surgiram especulaƧƵes sobre a presenƧa de “tribos judaicas” alĆ©m da montanha do CĆ”spio. Acredita-se que essas suposiƧƵes tenham surgido apĆ³s a chegada Ć  ItĆ”lia de mercadores judeus do CĆ”ucaso Oriental. AtĆ© o inĆ­cio do sĆ©culo 20 preservaram-se, em Quba, livros religiosos judaicos impressos em Veneza em fins do sĆ©culo 16.

Durante o domĆ­nio muƧulmano, do sĆ©culo 7 atĆ© a anexaĆ§Ć£o do territĆ³rio pelo ImpĆ©rio Russo, os judeus do CĆ”ucaso viveram na condiĆ§Ć£o de dhimmis. A lei islĆ¢mica permitia a judeus e cristĆ£os – “os Povos do Livro” – viverem em Dar al-Islam(territĆ³rio islĆ¢mico) mediante a observĆ¢ncia de uma clĆ”usula legal, a al-Adhimma, que impunha a aceitaĆ§Ć£o da supremacia nĆ£o sĆ³ do IslĆ£, mas tambĆ©m do Estado muƧulmano, em troca da garantia de vida e tambĆ©m dos direitos de propriedade e religiĆ£o. Em contrapartida, os dhimmis tinham uma sĆ©rie de obrigaƧƵes cujo rigor dependia da vontade de cada governante.

Na regiĆ£o do CĆ”ucaso, os judeus da montanha sofriam constantes humilhaƧƵes. Entre outras, tinham que pagar uma “taxa extra de proteĆ§Ć£o” aos governantes muƧulmanos, bem como entregar parte da produĆ§Ć£o agrĆ­cola e do couro curtido. AlĆ©m de exercerem tarefas consideradas degradantes, eram obrigados a trabalhar sem remuneraĆ§Ć£o nas propriedades agrĆ­colas e casas de muƧulmanos. Esse tratamento perdurou atĆ© o sĆ©culo 18, como relata o viajante alemĆ£o I. Gerber em seu diĆ”rio de viagem. HĆ” registros de que, em certos vilarejos, a “taxa de proteĆ§Ć£o” foi cobrada atĆ© o fim do sĆ©culo 19.

Os judeus da montanha eram conhecidos por sua coragem e habilidade como cavaleiros e guerreiros. Costumavam andar armados, sempre prontos a se defender. Suas habitaƧƵes, vestimentas e ocupaƧƵes nĆ£o diferiam daquelas das populaƧƵes entre as quais viviam. Moravam em casas feitas de barro em cujas paredes internas penduravam armas. Os homens usavam os trajes tradicionais masculinos dos povos do CĆ”ucaso: chokhas (casacos de lĆ£ com gola alta), papakhas (chapĆ©us de lĆ£) e armas na cintura. As mulheres usavam vestidos longos de seda, brocado, veludo e lĆ£, bordados com miƧangas ou outros enfeites. Ao sair de casa, tanto as casadas quanto as solteiras, cobriam os cabelos com lenƧos. Cultivavam a rĆŗbia (planta de cujas raĆ­zes se extraĆ­a um corante vermelho) e uvas; produziam vinho; criavam gado; curtiam couro e fabricavam armas de qualidade. Os judeus da montanha falavam o judeo-tat, um dialeto originĆ”rio do idioma tat3, que integra termos do hebraico bĆ­blico, e nĆ£o diferia muito do tati persa utilizado por seus vizinhos.

Mesmo isolados do restante do mundo judaico, os judeus da montanha mantiveram nossas Leis e a maioria das tradiƧƵes. As sinagogas, cujo exterior se assemelhava ao das mesquitas, serviam tambĆ©m como Talmud TorĆ”, onde os meninos sentados no chĆ£o aprendiam de cor a TorĆ”. LĆ” tambĆ©m se realizavam circuncisƵes. As crianƧas de ambos os sexos recebiam nomes bĆ­blicos, ao nascer. Observavam o Shabat, celebravam as festas judaicas e seguiam as leis alimentares, a cashrut. Desenvolveram-se algumas tradiƧƵes diferentes em Pessach e Purim, e, na noite de HoshanĆ” RabĆ”, as jovens solteiras costumavam danƧar de acordo com a tradiĆ§Ć£o tat.

SĆ©culos 17 e 18

No inĆ­cio do sĆ©culo 17 havia judeus da montanha em aldeias espalhadas por toda a cordilheira do CĆ”ucaso. Nicolaes Witsen, estadista holandĆŖs e cartĆ³grafo que visitou o DaguestĆ£o em 1690, relatou ter encontrado muitos deles sobretudo em Buynak, onde chegavam a 15 mil. Em uma localidade 10 km ao sul de Derbente (no DaguestĆ£o), sĆ³ habitavam juhuro, tanto que os muƧulmanos a chamavam Juhud-Kata (“Vale dos Judeus”). LĆ” viveu Elisha ben-Samuel, autor de vĆ”rios piyyutim (poemas litĆŗrgicos) escritos em hebraico e que foram preservados. Aba-Sava, o maior assentamento do lugar, era o centro religioso da comunidade.

Perduraram atĆ© as primeiras dĆ©cadas do sĆ©culo 18 a paz e a prosperidade dos juhuro.A situaĆ§Ć£o piorou quando a regiĆ£o se tornou palco de intensas lutas entre RĆŗssia, PĆ©rsia, Turquia e vĆ”rios governantes locais. Foi um perĆ­odo terrĆ­vel. No inĆ­cio dos anos 1730, o comandante persa Nader XĆ” Afshar expulsou os turcos do AzerbaijĆ£o e barrou a invasĆ£o russa do DaguestĆ£o. Suas tropas atacaram as comunidades de judeus da montanha e destruĆ­ram vĆ”rios vilarejos. Os sobreviventes fugiram para Quba e, em 1742, o Khan local permitiu que se estabelecessem em Qirmizi Qesebe, distrito na margem esquerda do Rio Kudialchay. A comunidade floresceu e o local passou a ser denominado Yevreskaya Sloboda. Durante a Ć©poca soviĆ©tica, o nome mudou para Krasnaya Sloboda4 (“Vilarejo Vermelho”). Atualmente, a cidade Ć© cognominada JerusalĆ©m do CĆ”ucaso por ser o Ćŗnico lugar sĆ³ habitado por judeus fora de Israel.

No final do sĆ©culo 18, o conflito entre Ali-Khan, aliado do ImpĆ©rio Russo, e Surkhai-Khan de Kumukh, no DaguestĆ£o, resultou na destruiĆ§Ć£o dos assentamentos do Vale dos Judeus. Em 1797 (ou 1799), tropas daquele lĆ­der militar atacaram e arrasaram Aba-Sava. Cerca de 157 judeus pereceram em combate contra os invasores. Vitoriosas, as forƧas muƧulmanas destruĆ­ram o vilarejo, dizimaram os homens e levaram, em cativeiro, mulheres e crianƧas. Os poucos judeus sobreviventes refugiaram-se em Derbente.

Entre os sĆ©culos 18 e 19, os juhuro comeƧaram a deixar as aldeias na cordilheira do CĆ”ucaso para se fixar em cidades das planĆ­cies costeiras.

RĆŗssia Imperial

A Guerra Russo-Persa (1804-1813), uma das muitas entre as duas potĆŖncias, terminou com a vitĆ³ria do ImpĆ©rio Russo e a cessĆ£o, a este Ćŗltimo, dos territĆ³rios ao norte do Rio Aras, incluindo-se o DaguestĆ£o, Derbente, Baku e Quba. ApĆ³s a anexaĆ§Ć£o daquela regiĆ£o e do AzerbaijĆ£o, o governo czarista concedeu os mesmos direitos civis da populaĆ§Ć£o local aos judeus da montanha, seus aliados no conflito.

Em 1835, dos cerca de oito mil judeus que viviam sob domĆ­nio russo, 42% habitavam em centros urbanos, onde eram comerciantes, empresĆ”rios e artesĆ£os, e 58% estavam envolvidos na agropecuĆ”ria, em especial no cultivo de cereais, tabaco e uvas. A comercializaĆ§Ć£o dessas Ćŗltimas, bem como de vinho, era uma atividade altamente lucrativa, sobretudo em Quba e Derbente. TambĆ©m produziam seda e couro. JĆ” em outros lugares da Europa, os judeus eram proibidos por lei de possuir ou cultivar terras.

No fim do sĆ©culo 19, aumentou a populaĆ§Ć£o urbana dos judeus da montanha, principalmente em Baku e Derbente. Muitos se instalaram em cidades apĆ³s abandonarem o cultivo da rĆŗbia, que, apĆ³s o desenvolvimento e uso de corantes de anilina, deixara de ser lucrativo.

Em 1830, tem inĆ­cio um perĆ­odo marcado pela violĆŖncia no DaguestĆ£o. Os muƧulmanos iniciaram uma rebeliĆ£o contra a RĆŗssia – uma Guerra Santa, uma Jihad contra os “infiĆ©is” – que sĆ³ em 1859 foi sufocada pelo governo czarista. Durante o conflito, os judeus da montanha foram alvo de graves ataques, e muitos que viviam em aldeiasforam forƧados a se converter ao IslĆ£ para nĆ£o serem mortos.

Devido Ć  violĆŖncia, lĆ­deres da comunidade de Derbente solicitaram ao czar Nicolau I, em 1840, que “reunisse os judeus dispersos nas pequenas aldeias da montanha, sofrendo sob o domĆ­nio dos tĆ”rtaros” (em referĆŖncia aos muƧulmanos rebeldes) e os estabelecesse em Ć”reas controladas pelos russos.

Vida judaica sob a RĆŗssia Imperial

Entre 1820 e 1830, comeƧaram os contatos entre juhuro ashquenazim, que se tornaram mais frequentes depois que os judeus russos enclausurados na Zona de ResidĆŖncia5 obtiveram autorizaĆ§Ć£o para viver em outras regiƵes, entre as quais o DaguestĆ£o e AzerbaijĆ£o.

Em seu livro de viagens, Sefer ha-Massa’ot be-Erez Kavkaz, Joseph Judab Chorny, que esteve no CĆ”ucaso entre 1867 e 1875, anotou informaƧƵes minuciosas sobre os juhuro. Entre aqueles que viviam em vilarejos nas montanhas, a principal estrutura social era “a grande unidade familiar”, composta por trĆŖs ou quatro geraƧƵes. Um conjunto deles, com laƧos consanguĆ­neos, formavam uma comunidade ou tukhum (literalmente, “semente”). A poligamia era difundida e perdurou atĆ© o perĆ­odo soviĆ©tico.

JĆ” aqueles que habitavam em centros urbanos, viviam em subĆŗrbios nos quais constituĆ­am a totalidade da populaĆ§Ć£o, como em Quba, ou em bairros judaicos, como em Derbente. A partir da dĆ©cada de 1860, comeƧaram a se instalar em Baku, Temir-Khan-Sbura e em cidades fundadas pelos russos: Petrovsk Port, Nalchik e Grozny.

De modo geral, as comunidades eram lideradas por trĆŖs membros eleitos. Estes eram os responsĆ”veis tanto pelas relaƧƵes com as autoridades russas quanto pelos assuntos da coletividade.

A estrutura rabĆ­nica tinha dois nĆ­veis: os rabbis e os dayyans. AlĆ©m de atuar nas sinagogas (naaz), os rabbis tambĆ©m exerciam as funƧƵes de chazanshochet e, como talmid-khunas, ensinavam aos meninos o Talmud TorĆ”. Os dayyans eram os rabinos-chefes, que tambĆ©m presidiam a corte rabĆ­nica (Bet Din) e cuja autoridade se estendia a vĆ”rias sinagogas.

A partir da metade do sĆ©culo19, alguns jovens passaram a estudar nas ieshivot ashquenazim da LituĆ¢nia. A maioria, porĆ©m, recebia apenas a qualificaĆ§Ć£o de shochet, mas, apĆ³s o retorno ao CĆ”ucaso, atuavam como rabinos. Nas cidades, as famĆ­lias mais abastadas passaram a contratar professores particulares para ensinar hebraico, iĆ­diche e russo aos filhos. Somente no inĆ­cio do sĆ©c. 20 foram abertas escolas em que se ministravam disciplinas religiosas e seculares em russo em Baku, Derbente e Quba.

Os principais centros de judeus da montanha localizavam-se no AzerbaijĆ£o e no DaguestĆ£o. A maioria vivia em Baku (a capital do AzerbaijĆ£o) e em Quba, no subĆŗrbio de Yevreskaya Sloboda, e em Derbente, Makhachkala e Buinaksk, no DaguestĆ£o (chamadas, respectivamente, Petrovsk-Port e Temir-Khan-Shura atĆ© 1922). TambĆ©m havia uma populaĆ§Ć£o considerĆ”vel de judeus da montanhaem outros locais, como Nalchik, no subĆŗrbio de Yevreyskaya Kolonka, e na cidade de Grozny.

O domƭnio soviƩtico

No inĆ­cio do sĆ©culo 20, a RĆŗssia enfrentava uma grave crise polĆ­tico-social. Com a ascensĆ£o ao trono de Nicolau II (1895-1918), conhecido em nossa histĆ³ria como o Czar dos Pogroms, iniciou-se um perĆ­odo de extremo sofrimento para os judeus do ImpĆ©rio. O governo passou a culpĆ”-los abertamente pelos males nacionais e, com isso, reacendeu o endĆŖmico e violento antissemitismo russo. Entre 1903 e 1907, a violĆŖncia espalhou-se: centenas de comunidades, incluindo os judeus da montanha, foram alvo de violentos pogroms.

Com a eclosĆ£o da 1a Guerra Mundial, a RĆŗssia Imperial lutou ao lado de Reino Unido e FranƧa contra Alemanha e Ɓustria-Hungria. A misĆ©ria e as derrotas nos campos de batalha levaram a uma revolta popular contra o regime czarista. Em 15 de fevereiro de 1917, as forƧas de oposiĆ§Ć£o (liberais, burguesas e socialistas) depuseram Nicolau II, dando inĆ­cio Ć  RevoluĆ§Ć£o de Fevereiro ou RevoluĆ§Ć£o Branca.

No entanto, o novo governo foi derrubado poucos meses depois pelos bolcheviques. A RevoluĆ§Ć£o de Outubro, tambĆ©m chamada Bolchevique ou Vermelha, impĆ“s o governo socialista e desencadeou uma guerra civil. Durante o conflito, o ExĆ©rcito Vermelho (bolchevique) lutou contra o Movimento Branco, formado por ex-generais czaristas, republicanos liberais, milĆ­cias do ExĆ©rcito Negro e grupos separatistas. A situaĆ§Ć£o dos judeus da montanha se agravou e o seu empobrecimento aumentou sensivelmente nesse perĆ­odo.

Em novembro de 1917, os bolcheviques tomaram o poder em Baku, capital do AzerbaijĆ£o; as provĆ­ncias do CĆ”ucaso se uniram e criaram a FederaĆ§Ć£o Transcaucasiana. No entanto, os muƧulmanos, que se consideravam parte do mundo islĆ¢mico, proclamaram a RepĆŗblica Independente do AzerbaijĆ£o em setembro do ano seguinte.

Palco de lutas intensas nos anos que se seguiram, a regiĆ£o foi invadida, entre 1918 e 1920, pelo ExĆ©rcito Branco, que, juntamente com separatistas muƧulmanos e forƧas turcas, atacou as populaƧƵes judaicas. No sul do DaguestĆ£o, os judeus foram alvo de violentos pogroms. VĆ”rios povoados foram destruĆ­dos e saqueados, e seus sobreviventes se refugiaram em cidades ao longo da costa do Mar CĆ”spio, principalmente Derbente, Makhachkalah e Buynaksk.

Os judeus da montanha entraram no conflito e tiveram uma participaĆ§Ć£o significativa na vitĆ³ria dos bolcheviques. No DaguestĆ£o, por exemplo, cerca de 70% dos membros da Guarda Vermelha eram juhuro.

No CĆ”ucaso, os combates cessaram, em grande parte, em 1921, com a vitĆ³ria dos bolcheviques. No DaguestĆ£o, mesmo apĆ³s a consolidaĆ§Ć£o do poder soviĆ©tico, o antissemitismo nĆ£o desapareceu. Em 1926, os judeus enfrentaram uma acusaĆ§Ć£o de libelo de sangue, Ć  qual se seguiu, logo depois, um pogrom. DenĆŗncias do mesmo tipo voltaram a surgir em 1929.

Cerca de 300 famĆ­lias de judeus da montanha do AzerbaijĆ£o e do DaguestĆ£o fizeram aliĆ” e se estabeleceram em Eretz Israel.

Poder soviƩtico

Em 1922, foi criada a UniĆ£o das RepĆŗblicas Socialistas SoviĆ©ticas (URSS) a partir da unificaĆ§Ć£o da RĆŗssia, UcrĆ¢nia, BielorrĆŗssia e TranscaucĆ”sia. AtĆ© o fim da dĆ©cada de 1920, houve, por parte de Moscou, um reconhecimento da diversidade nacional, linguĆ­stica e cultural dos povos do paĆ­s.

No entanto, essa “tolerĆ¢ncia” nĆ£o se estendia Ć s religiƵes, de forma que foram adotadas medidas para suprimir todas elas – cristĆ£, muƧulmana e judaica. Nas repĆŗblicas orientais, em consonĆ¢ncia com sua polĆ­tica para a regiĆ£o, o governo central optou por nĆ£o destruir imediatamente as crenƧas religiosas, mas minar, de maneira gradual, suas tradiƧƵes e incentivar a secularizaĆ§Ć£o. Para atingir seus objetivos, foi estabelecida uma ampla rede de escolas seculares, com especial atenĆ§Ć£o Ć  doutrinaĆ§Ć£o de jovens e adultos em clubes.

A mesma atitude foi adotada em relaĆ§Ć£o aos judeus. Em locais em que havia comunidades de judeus da montanhaforam abertos estabelecimentos de ensino seculares que usavam o judeo-tat. Em 1922, foi lanƧado, em Baku, o primeiro jornal soviĆ©tico nesse idioma, Karsokh (Trabalhador), patrocinado pelo ComitĆŖ Regional Caucasiano do Partido Comunista Judaico e seu Departamento de Juventude.

Paralelamente, as autoridades soviĆ©ticas tomaram medidas para acelerar a erradicaĆ§Ć£o da “particularidade” dos judeus. Em 1921 e 1922, interromperam-se as atividades sionistas organizadas, e passou-se a desestimular a emigraĆ§Ć£o para Eretz Israel. AlĆ©m disso, as sinagogas foram fechadas. Por exemplo, havia 11 delas mantidas por judeus da montanha em Krasnaya Sloboda, em 1920. Nos anos 1930, as autoridades soviĆ©ticas encerraram as atividades de dez delas, de forma que apenas uma continuou em operaĆ§Ć£o. Em 1930, o judeo-tat passou a ser escrito no alfabeto latino em vez do hebraico e, em 1938, no cirĆ­lico. No fim da dĆ©cada, todas as escolas foram obrigadas a utilizar o russo, a lĆ­ngua oficial da URSS, como idioma de ensino. Ademais, os judeus da montanha que se transferissem de vilarejos na cordilheira do CĆ”ucaso para centros urbanos ou fazendas coletivas recebiam uma ajuda econĆ“mica do governo central. No fim dos anos 1930, a maioria deles jĆ” vivia em cidades e falava o russo. No norte do CĆ”ucaso, concentravam-se principalmente em Makhachkala, Buynaksk, Derbente, Nalchik e Grozny; e, no AzerbaijĆ£o, em Quba e Baku.

ApĆ³s a ascensĆ£o de Josef Stalin ao poder, todas as atividades econĆ“micas, a agrĆ­cola inclusive, foram estatizadas e passaram a ser planificadas. Entre outros, efetuou-se a coletivizaĆ§Ć£o forƧada da agricultura, com a criaĆ§Ć£o de dois tipos de fazendas: sovcozes (estatais) e colcozes (coletivas controladas pelo governo central). Em 1929, o governo estabeleceu fazendas coletivas judaicas em Bagdanovka, Ganshtakovka e, em 1931, no DaguestĆ£o e no AzerbaijĆ£o. No entanto, no fim dos anos 1930, os juhuro comeƧaram a abandonar as fazendas coletivas. Em 1926, mais de 85% daqueles fixados no DaguestĆ£o jĆ” eram classificados como urbanos.

2a Guerra Mundial

Durante a 2Guerra Mundial, os alemĆ£es ocuparam as regiƵes do norte do CĆ”ucaso com populaƧƵes judaicas, tanto de juhuro quanto de ashquenazitas, que foram sistematicamente perseguidas pelos nazistas. De agosto a outubro de 1942, a Wehrmacht avanƧou em direĆ§Ć£o aos distritos de Mozdok (OssĆ©tia do Norte) e Nalchik (Kabardino-Balkaria), nos quais havia uma grande quantidade dejudeus da montanha. Em novembro, os alemĆ£es atingiram a mĆ”xima extensĆ£o de sua incursĆ£o no territĆ³rio soviĆ©tico.

A comunidade de judeus da montanha de Nalchik foi aquela em que a presenƧa nazista foi mais intensa. Apesar disso, o rabino Nachamil ben-Hizkiyahu demonstrou grande coragem e, por meio da simulaĆ§Ć£o de um enterro, escondeu os Sefarim da comunidade. Com a ajuda de vizinhos, os juhuro da cidade convenceram as autoridades alemĆ£s de que eram tats, povo nativo da montanha do CĆ”ucaso sem relaĆ§Ć£o com a “etnia judaica”. Foi entĆ£o suspensa temporariamente a aniquilaĆ§Ć£o da comunidade, que passou a depender de uma “investigaĆ§Ć£o racial”. Os debates prolongaram-se atĆ© maio de 1943 sem que os “especialistas nazistas” da PolĆ­tica Racial Judaica chegassem a uma conclusĆ£o. Com o avanƧo das tropas soviĆ©ticas, os alemĆ£es bateram em retirada e os judeus da montanha sesalvaram. No entanto, dos 5.000 que viviam na Ć”rea sob ocupaĆ§Ć£o nazista, entre 1.000 e 1.500 foram assassinados.

PĆ³s-Guerra

ApĆ³s a 2a Guerra Mundial, a URSS intensificou as campanhas antirreligiosas. Durante as comemoraƧƵes pela criaĆ§Ć£o do Estado de Israel, em 1948, os judeus da montanha sofreram fortes repressƵes, e muitos foram presos sob acusaĆ§Ć£o de “propaganda antissoviĆ©tica”.

O Kremlin tentou reprimir o uso e o ensino do judeu-tat, bem como de todas as atividades literĆ”rias nesse idioma, que passou a ser utilizado apenas no lar e no cĆ­rculo familiar, atĆ© mesmo pelas geraƧƵes mais velhas. A principal lĆ­ngua da juventude – e muitas vezes a Ćŗnica – era o russo.

As comunidades de judeus da montanha mantiveram as tradiƧƵes religiosas, ainda que em parte, sobretudo em comparaĆ§Ć£o com a grande maioria dos ashquenazim da URSS. Eram muito raros os casamentos com muƧulmanos, pois nenhum dos dois grupos via com bons olhos o matrimĆ“nio com adeptos de outras religiƵes.

Apesar de todos os esforƧos contrĆ”rios do governo soviĆ©tico, mesmo os juhuro que se registravam formalmente como tats preservaram, ao menos, sua identidade judaica. A maioria manteve as leis relacionadas Ć  circuncisĆ£o, ao casamento e ao enterro. Em muitas casas, a cashrut era adotada. No entanto, a observĆ¢ncia do Shabat foi abandonada com o tempo, assim como a comemoraĆ§Ć£o das festas, com exceĆ§Ć£o de Rosh HashanĆ”, Yom Kipur e Pessach.

A Guerra dos Seis Dias fortaleceu a ligaĆ§Ć£o dos judeus da montanha com Israel embora o amplo renascimento do Sionismo sĆ³ tenha ocorrido no inĆ­cio dos anos 1970. No fim dessa dĆ©cada, os juhuro foram vĆ­tima de violentos ataques em vĆ”rias cidades, em particular Nalchik, em decorrĆŖncia de sua luta para deixar a URSS. A emigraĆ§Ć£o em massa para Israel aconteceu entre o fim de 1973 e o inĆ­cio de 1974, depois da Guerra de Yom Kipur. Cerca de 12 mil chegaram ao Estado Judeu em meados da dĆ©cada de 1980, e mais de cinco mil, entre 1989 e 1992.

SituaĆ§Ć£o atual

Depois da queda da UniĆ£o SoviĆ©tica, em 1991, os judeus da montanha vivenciaram um renascimento religioso, principalmente entre as geraƧƵes mais jovens. Por causa das profundas mudanƧas dessa dĆ©cada, seguidas da dissoluĆ§Ć£o da URSS e da ascensĆ£o do nacionalismo islĆ¢mico no CĆ”ucaso, muitos abandonaram definitivamente a regiĆ£o para instalar-se em outros paĆ­ses.

Israel foi um dos primeiros Estados a reconhecer a independĆŖncia do AzerbaijĆ£o, em 1991, e, no ano seguinte, abriu uma embaixada em Baku. Desde entĆ£o, os dois paĆ­ses mantĆŖm fortes relaƧƵes bilaterais, de forma que a naĆ§Ć£o caucasiana Ć© uma das poucas de maioria islĆ¢mica a ter relaƧƵes diplomĆ”ticas com Israel. O AzerbaijĆ£o construiu um relacionamento frutĆ­fero com Israel, apesar das crĆ­ticas dos vizinhos muƧulmanos, como IrĆ£ e Turquia. A parceria estratĆ©gica inclui cooperaĆ§Ć£o nas Ć”reas de comĆ©rcio e seguranƧa, bem como intercĆ¢mbio cultural e educacional.

Em 1996, o governo do AzerbaijĆ£o devolveu duas antigas sinagogas, restauradas graƧas a doaƧƵes, Ć  comunidade do vilarejo de Krasnaya Sloboda. AlĆ©m disso, o MinistĆ©rio da EducaĆ§Ć£o liberou o ensino do hebraico na escola pĆŗblica secundĆ”ria local, e o grande centro urbano mais prĆ³ximo, Quba, passou a contar com uma escola judaica. Caracterizada por um estilo arquitetĆ“nico sem igual no paĆ­s, Krasnaya Sloboda abriga 3.500 judeus, o que, segundo se estima, faz dela a Ćŗnica “cidade judaica” do mundo fora de Israel.

Em agosto de 1997, a visita do entĆ£o (e atual) primeiro-ministro Binyamin Netanyahu a Baku inaugurou uma nova fase das relaƧƵes entre AzerbaijĆ£o e Israel. Desde entĆ£o, o Estado de Israel tem fortalecido os laƧos bilaterais e auxiliado na modernizaĆ§Ć£o das ForƧas Armadas do parceiro.

Atualmente, estima-se em 250 mil o total de judeus da montanhaem todo o mundo, mas apenas sete mil permanecem no AzerbaijĆ£o. Cerca de 150 mil vivem em Israel, e os 100 mil restantes estĆ£o assim distribuĆ­dos: 40 mil nos EUA, 30 mil na RĆŗssia e o restante na Alemanha, AustrĆ”lia e no CanadĆ”.

1     A FederaĆ§Ć£o da RĆŗssia Ć© reconhecida pelo direito internacional como o Estado sucessor da UniĆ£o SoviĆ©tica.

2     Dar al-Islam Ć© um termo Ć”rabe que significa “territĆ³rio islĆ¢mico”. Ɖ utilizado no IslĆ£ para classificar territĆ³rios sob controle muƧulmano e onde se aplica a lei islĆ¢mica (Sharia).

3     A lĆ­ngua tat, tati persa ou yati, oriunda do Sudoeste do IrĆ£, Ć© uma variante do farsi falado pelo povo Tat do CĆ”ucaso, no AzerbaijĆ£o e na RĆŗssia (DaguestĆ£o).

4     O vilarejo teve outros nomes em Ć©pocas diferentes – Zidkovskaya Sloboda, Krasnoselsk e Fatali Khan.

5     Os judeus que viviam no ImpĆ©rio Russo foram confinados, no final do sĆ©culo 18, na chamada “Zona de ResidĆŖncia” ou “TerritĆ³rio do Acordo” (Cherta Osedlosti, em russo).

Bibliografia

Mountain Jews, Encyclopedia Judaica, Keter Publishing House, 2010

Mikdash-Shamailov, Liya, Mountain Jews: Customs and Daily Life in the Caucasus

Mountain Jews, https://www.worldjewishcongress.org/en/about/communities/AZ

Mountain Jews, https://www.encyclopedia.com/humanities/encyclopedias-almanacs

Original: https://www.morasha.com.br/comunidades-da-diaspora/os-judeus-da-montanha.html

Postar um comentƔrio

0ComentƔrios
* Please Don't Spam Here. All the Comments are Reviewed by Admin.

Os comentĆ”rios sĆ£o de responsabilidade exclusiva de seus autores e nĆ£o do Blog. Se achar algo que viole os termos de uso, denuncie.NĆ£o publicamos comentĆ”rios anĆ“nimos. Coloque teu URL que divulgamos

Os comentĆ”rios sĆ£o de responsabilidade exclusiva de seus autores e nĆ£o do Blog. Se achar algo que viole os termos de uso, denuncie.NĆ£o publicamos comentĆ”rios anĆ“nimos. Coloque teu URL que divulgamos

Postar um comentƔrio (0)

#buttons=(Accept !) #days=(20)

Our website uses cookies to enhance your experience. Learn More
Accept !