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Estado laico nas mãos de um império ortodoxo- Reprodução

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Estado laico nas mãos de um império ortodoxo
Renata MalkesEspecial para O GLOBO

TEL AVIV. Oito anos de estudos do judaísmo com o auxílio de um rabino conservador, uma conversão à religião perante uma corte rabínica, um banho ritual e uma cirurgia de circuncisão conforme os preceitos da fé judaica não foram suficientes para tornar o colombiano Carlos Kamcho, de 35 anos, um judeu legítimo. Vivendo em Israel desde 1998 com a esposa israelense e os dois filhos, Kamcho faz parte de um grupo de sete convertidos que há duas semanas apelaram à Suprema Corte israelense para que o Estado reconheça sua conversão e lhes conceda cidadania.
A ação, movida com auxílio do Movimento para o Judaísmo Progressivo de Israel, é mais uma tentativa de combater o monopólio ortodoxo do rigoroso Rabinato-Chefe sobre a vida religiosa do país. Israel é o único país do mundo que não reconhece conversões feitas pelas correntes reformistas e conservadoras do judaísmo. Quem não se converte de acordo com o ritual ortodoxo não pode ser considerado judeu, casar-se ou mesmo ser enterrado, tendo que buscar casamentos alternativos no exterior ou, em caso de morte, ser sepultado em cemitérios seculares no interior.
— Quando decidi me casar resolvi me converter para que nossos filhos tivessem uma educação única. Minha esposa é judia. Passei anos estudando, dediquei-me, fiz todo o processo de conversão, enfrentei o medo de ser circuncidado e me converti segundo o ritual conservador, mas nada adiantou. O Ministério do Interior não me reconhece como judeu. Aqui sou um cidadão de classe B. Sinto-me humilhado e discriminado pois nem me casar pude. Casei-me na Colômbia, pois em Israel não há casamentos civis, só quem é considerado genuinamente judeu pode se casar. Esqueceram os direitos humanos neste país. Os rabinos também esqueceram que acreditamos no mesmo Deus — diz Kamcho.
Temor de que haja uma onda de conversões
De acordo com a advogada Nikole Maor, responsável pela ação, as conversões em Israel são dificultadas por um impasse entre o governo secular e o Rabinato-Chefe, ortodoxo. Enquanto os ortodoxos usam razões filosóficas e ideológicas para ser contra qualquer modernização da halacha (a lei judaica), temendo pela manutenção da secular História do povo judeu, os governos israelenses se vêem de mãos atadas devido a pressões de partidos ortodoxos que sempre têm alguma representatividade em governos de coalizão. O medo de uma onda de conversões motivadas apenas pelo interesse em receber a cidadania israelense e uma série de benefícios financeiros que ela dá aos novos imigrantes também atinge o governo.
— Falta em Israel uma lei que regulamente as conversões. O governo tem medo de decidir e deixa a questão nas mãos de órgãos religiosos que chegam a fazer exigências fundamentalistas aos candidatos à conversão. A Justiça tenta decidir, mas cai na ineficiência do governo. Há um vácuo que nos impede de resolver a situação de milhares de convertidos. Já foram propostos comitês especiais para analisar esses casos, mas estes nunca funcionaram. Acredito que temos boa chance de ganhar a ação, pois alguém precisa parar de brincar com a religião e os sentimentos dessas pessoas. Espero que a Justiça decida e o Ministério do Interior acate a decisão — declarou a advogada.
A briga pelo reconhecimento das conversões liberais em Israel se arrasta há anos, mas pressões políticas dos partidos de minoria religiosa não permitem o fim do império ortodoxo. Em 2002, a batalha ganhou as manchetes dos jornais quando um grupo de convertidos recebeu na Suprema Corte o direito de ser reconhecido como judeu e de receber cidadania. Indignado com o que considera uma “ameaça ao povo”, poucos dias após a decisão do tribunal o deputado e então ministro do Interior Eli Yishai, do partido religioso sefaradita Shas, mandou abolir da carteira de identidade israelense o campo “povo”, onde se registrava a ascendência dos diversos grupos étnicos que vivem no país, como judeus, árabes e druzos. Hoje, em vez da antiga classificação, há apenas asteriscos.
— O registro foi abolido somente na identificação, mas no Ministério do Interior sabe-se quem é judeu e quem não é — diz Yishai ao GLOBO. — Eu não podia deixar que não-judeus levassem em sua carteira de identidade o título de judeu. Nosso povo tem milênios de História e tradição. Quem quiser se converter será bem-vindo, mas terá de passar por uma conversão ortodoxa, de acordo com as leis religiosas, descansar no sábado, seguir as leis de alimentação. Não há judaísmo liberal ou conservador, apenas um judaísmo, o verdadeiro. As falsas conversões são uma ameaça à História e à continuação do judaísmo e vou lutar contra isso até o fim.
Erro que compromete demograficamente o Estado
O mais recente boletim do Comitê Central de Estatística de Israel mostra que pelo menos 291 mil pessoas vivem no país como cidadãos israelenses sem serem reconhecidas como judias pelo Ministério do Interior. A maioria recebeu a cidadania após imigrar sob a Lei do Retorno, que dá a judeus ou descendentes de judeus até a terceira geração o direito de imigrar para Israel. Nesses casos, apesar de outorgar a cidadania, o Estado reconhece como judeus somente os filhos de uma judia ou os convertidos pela corrente ortodoxa. Segundo Roni Brizon, deputado do partido secular Shinui, o problema das conversões é um erro absurdo que compromete demograficamente o Estado. Ex-ortodoxo, há mais de 30 anos Brizon deixou de lado suas raízes religiosas para entrar na política defendendo o pluralismo religioso e a separação entre Estado e religião.
— O judaísmo deve ser tratado como um tema social, cultural e étnico. Muitos vieram, estudaram História, religião, sabem falar o idioma hebraico, optaram por se unir ao povo judeu. É inaceitável que não sejam considerados judeus — diz Brizon. — O governo sabe que está perdendo, mas não tem coragem de se rebelar contra o império ortodoxo. Enquanto a população árabe cresce devido à alta taxa de natalidade, o número de cidadãos oficialmente judeus diminui a cada ano e compromete o ideal sionista de um país judaico de maioria judaica. Os rabinos exigem absurdos dos candidatos à conversão. Imagine se o governo decide também controlar qual muçulmano reza cinco vezes por dia ou cumpre o Ramadã?

http://oglobo.globo.com/jornal/mundo/189805709.asp
Decepções e alternativasTEL AVIV. Apesar de apenas aproximadamente 20% da população israelense ser composta de judeus ortodoxos, o Rabinato-Chefe é o único órgão com poderes para autorizar a realização de casamentos em Israel. O ritual de casamento segue à risca os preceitos da lei judaica. Os noivos têm de ser comprovadamente judeus, a noiva tem de se declarar virgem, assistir a aulas de pureza familiar e tomar um banho ritual antes da cerimônia. No dia do casamento, ela não pode assinar seu contrato de casamento e deve ouvir as bênçãos do rabino em silêncio.
A inexistência do casamento civil em Israel faz com que muitos casais comecem e terminem a saga rumo à chupa (a tenda sob a qual acontece o rito do casamento judaico) no escritório do Rabinato-Chefe. A estudante Rivka, de 27 anos, desistiu da cerimônia religiosa quando foi informada pelo rabinato de que precisava apresentar provas de que era mesmo judia. Rivka emigrou para Israel com a família da extinta União Soviética aos 3 anos. Devido ao regime comunista, sua família não tinha guardadas em casa as certidões das bodas dos pais e dos avós, temendo perseguições aos judeus. Rivka e o marido, Alexei, de 31 anos, fazem parte dos pelo menos 12 mil casais que escolheram se casar fora do país para escapar da ortodoxia.
— Fui humilhada. Exigiram documentos que não tenho. Minha mãe, minha avó e minha bisavó são judias, mas não temos como comprovar isso. Perguntaram se eu falava ídiche, queriam que eu trouxesse um rabino da Rússia que conhecesse minha família para que ele comprovasse que somos judeus. Depois de idas, vindas e muita decepção, conversei com meu noivo e decidimos não nos submeter a toda essa desconfiança. Levamos um estilo de vida laico e não gosto da cerimônia machista. Viajamos para Chipre, nos casamos no civil e só registramos nossa união no Ministério do Interior na volta. É triste, mas foi a decisão certa. Pelo menos escolhemos o casamento que queríamos e não o que os ortodoxos queriam fazer — conta a estudante.
A ilha de Chipre é o destino mais comum para os casais que tentam driblar as exigências do rabinato israelense. Não é preciso ser cidadão do país para ter um casamento registrado e são necessários apenas dois dias — entre o procedimento na Justiça e a realização da cerimônia em cartório — para concretizar o sonho do casório. Nos últimos anos, o aumento da procura de informações sobre casamentos civis na ilha foi tão grande que já se encontram pacotes turísticos de bodas em anúncios de jornais e revistas do país.
— Pelo menos dez casais nos procuram por mês. Oferecemos aos noivos um pacote de quatro dias com hotel e refeições incluídas, além de um acompanhante que resolve toda a parte burocrática por cerca de US$ 1.400. Os noivos podem escolher se casar e depois fazer um passeio de barco, de jipe ou apenas aproveitar sua lua-de-mel num bom hotel antes de voltar a Israel. É cômodo e barato — explica Dani Horovitz, gerente de marketing de uma agência de turismo em Tel Aviv. (Renata Malkes)

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