Telaviv não tem dúvidas que Damasco está a armar o Hezbollah até aos dentes. A ideia é transformar o Partido de Deus num exército convencional.
Shimon Peres, o presidente israelita, acusa a Síria de estar a passar mísseis Scud através da fronteira com o Líbano, com o objectivo de armar o Hezbollah. As tropas israelitas avançam para a fronteira e chegam até à cidade de Abbassiyeh, retirando-se depois de um aviso do exercito libanês.
A Síria nega todas as acusações do vizinho sionista enquanto o movimento paramilitar xiita libanês admite que o assunto não diz respeito a ninguém, muito menos aos israelitas. Porém, o xeque Naim Qassem, o número dois do Partido de Deus, sempre vai dizendo que o Hezbollah está preparado para retaliar qualquer ataque israelita.
Em menos de uma semana, e a avaliar pela sucessão de eventos, muita coisa pode acontecer no Médio Oriente.
As últimas informações veiculadas por fontes próximas das agências de segurança israelitas, dão como certo o tráfico de armas iranianas e sírias - através do regime de Bashar Al-Assad - com o propósito de transformar o Hezbollah, uma milícia de 25 mil homens alegadamente treinada pelos Guardas da Revolução iraniana, num verdadeiro exército.
Mísseis Scud, Fajr-5, M-600 e SS-26 farão parte das últimas doações feitas ao arsenal do Hezbollah. Estas armas, capazes de transportar cargas explosivas, químicas ou biológicas, permitem não apenas ter todo o território israelita debaixo de fogo mas também combater unidades de blindados e o poder aéreo e naval de Telavive.
"Na Europa e nos Estados Unidos a história militar mostra que os mísseis balísticos não fazem sentido sem ogivas nucleares. Mas a história e a prática do Médio Oriente é muito diferente. Embora a sua utilidade do ponto de vista estritamente militar seja duvidosa, o seu impacto psicológico e político é brutal" explica ao i Miguel Monjardino. "É uma arma que tem um enorme efeito multiplicador e é por isso que o Irão tende a alimentar os seus aliados com este tipo de armamento", conclui o professor de Geopolítica e Geoestratégia do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica.
Este episódio, contudo, não pode ser lido isoladamente. No Médio Oriente, as peças do puzzle vão encaixando umas nas outras. "Estão a passar-se várias coisas. A primeira é a retirada das tropas americanas do Iraque que mexe profundamente na geopolítica da região. Temos o Irã e os seus aliados - Síria, Hezzbollah e Hamas - por um lado, e Israel e os países árabes sunitas (com a Arábia Saudita à cabeça) por outro, na disputa pelo domínio regional", explica Monjardino.
E na leitura do mapa regional há uma peça que explica a subida de tom na retórica dos actores políticos: o desenvolvimento do programa nuclear iraniano e a fragilidade doméstica do regime dos aiatolas. "Há uma tensão interna no regime iraniano que, sem certezas quanto ao futuro, cavalga o nuclear.
Não sabemos se o Irão quer ou não ter uma arma nuclear. Mas o que sabemos é que o Irão quer e precisa de manter essa opção em aberto. Assim como precisa que os seus aliados tenham capacidade de retaliar se Israel atacar preventivamente." E não é só o Irão que está na mira israelita.
Numa carta dirigida ao presidente sírio divulgada pelo "Times", um ministro israelita promete fazer regressar Damasco "à idade da pedra" se o Hezbollah se "atrever a lançar mísseis balísticos" contra Israel. A tentar fechar a retirada do Iraque e a procurar uma solução definitiva para o Afeganistão, uma terceira frente é tudo o que a administração americana não precisa. "Enquanto Washington tenta ganhar tempo, o governo israelita, nervoso com estes sinais, sente que começa a ficar sem ele e pressiona em várias direcções", sublinha Monjardino.
Depois da guerra entre Israel e o Líbano, em 2006, adivinha-se mais um Verão quente no Médio Oriente sustentado nos dilemas de segurança das potências regionais: seja porque Telavive sente que a janela de oportunidade em relação ao programa nuclear iraniano se fechou; ou porque o Irão decidir soltar, preventivamente, o seu ponta de lança sobre Israel.