Por Jerusalém
Era inevitável: Jerusalém encontra-se novamente no centro dos debates políticos e das tempestades internacionais. Novas e antigas tensões vêm à superfície num ritmo perturbante. Dezessete vezes destruída e dezessete vezes reconstruída, ela se acha em meio a confrontações que podem levar a um conflito armado. Nem Roma nem Atenas despertaram tantas paixões.
Para mim, como judeu que sou, Jerusalém está acima da política. Ela é mencionada mais de seiscentas vezes na Sagrada Escritura – e nem uma vez sequer no Alcorão. Sua presença na história judaica é irresistível.
Não existe uma oração mais comovente na história judaica do que a que expressa o nosso anseio pelo retorno a Jerusalém. Para muitos teólogos, ela é a história judaica; para muitos poetas, uma fonte de inspiração.
Ela pertence ao povo judeu e é muito mais do que uma cidade: ela é o que une um judeu ao outro de uma maneira difícil de explicar. Quando um judeu visita Jerusalém pela primeira vez, nunca é pela primeira vez: é um retorno à casa. A primeira melodia que ouvi foi a canção de ninar de minha mãe sobre e por Jerusalém. Sua tristeza e sua alegria são parte da nossa memória coletiva.
Desde que o Rei Davi fez de Jerusalém a sua capital, os judeus tem residido no interior das suas muralhas, com apenas duas interrupções: quando os invasores romanos proibiram-lhes o acesso à cidade e, outra vez, quando durante a ocupação jordaniana, os judeus, independentemente da sua nacionalidade, foram proibidos de entrar no antigo bairro judeu para meditar e rezar no Muro - o último vestígio do Templo de Salomão. É importante lembrar: se a Jordânia não houvesse se juntado ao Egito e à Síria na guerra de 1967 contra Israel, a cidade velha de Jerusalém ainda estaria sob controle árabe, porque os judeus estavam prontos a morrer por Jerusalém, mas não a matar por Jerusalém.
Hoje, pela primeira vez na História, judeus, cristãos e muçulmanos podem orar livremente nos seus lugares santos. E, contrariamente a certas informações da mídia, aos judeus, cristãos e muçulmanos é permitido construir suas casas em qualquer parte da cidade. A aflição por Jerusalém não é sobre propriedade imobiliária e sim sobre memória.
Qual é a solução? A pressão não produzirá a solução. Existe uma solução? Tem de existir, e haverá de existir. Por que enfrentar o problema mais complexo e sensível prematuramente? Por que não tomar os primeiros passos que permitirão às comunidades israelenses e palestinas encontrar meios de viverem juntas numa atmosfera de segurança? Por que não deixar a questão mais difícil, a mais sensível, para uma outra ocasião?
Jerusalém deve permanecer a capital espiritual judaica do mundo, não um símbolo de aflição e amargura, e sim um símbolo de confiança e esperança. Como disse o Rabino Nahmand de Bratslav, “tudo nesse mundo tem um coração; até mesmo o coração tem o seu próprio coração”.
Jerusalém é o coração do nosso coração, a alma da nossa alma.
— Elie Wiesel
(Tradução: J.M.)
Elie Wiesel-é sobrevivente do Holocausto e Premio Nobel da Paz.