Há algo de podre
Marcos Wasserman é presidente do
Centro Cultural Israel-Brasil, em Tel-Aviv
Aconteceu o inesperado e inexplicável. No dia em que Israel homenageava a memória do primeiro-ministro Yitzhak Rabin, assassinado há 12 anos, o público que lotava o estádio de futebol onde jogava o Beitar de Jerusalém foi solicitado a ficar de pé e fazer um minuto de silencio. Para surpresa de todos, o que acabou virando um escândalo nacional foi a resposta da torcida: uma vaia vergonhosa, com aplausos a Igal Amir, seu assassino! O jornal Haaretz, em seu artigo de fundo, comenta que 38% do público israelense considera o assassino um herói. Não será demais ressaltar: até conheço pessoalmente gente que continua acreditando que o assassinato não passou de um complô muito bem-estruturado. Acreditam que o pretenso verdadeiro assassino jamais foi descoberto, apesar da confissão do próprio Igal Amir, que se vangloria até hoje de ter, com o assassinato, interrompido o processo de paz que, pela vontade de Yitzhak Rabin, chegaria a uma solução. Antecedeu o assassinato uma terrível campanha pessoal contra o primeiro-ministro, que começou com grupos que vinham amaldiçoá-lo frente ao prédio onde residia, no bairro de Ramat Aviv, em Tel-Aviv. Paralelamente, seguiu-se uma vasta distribuição de posters, especialmente na cidade de Jerusalém, mostrando Rabin vestido com uniforme nazista.
"Qual será o futuro do filho de Igal Amir,
assassino de Yitzhak Rabin: terá que carregar
a pecha do crime ou quiçá também venha
a ser considerado filho do "herói"?"
O assassino conseguiu se casar e obteve do Tribunal permissão para ter relações conjugais com a sua esposa, na própria prisão, e ela acabou dando à luz aquela criança, batizada segundo as leis judaicas. A imprensa comenta com detalhes os direitos do prisioneiro, devidamente regulamentados por lei, e pergunta onde estaria o direito da família do Rabin e o direito do povo, quando já existem vozes que proclamam que mais cedo ou mais tarde o assassino terá que ser solto, pois jamais cumpriria a integralidade de sua condenação, de prisão perpétua. Há também comentários muito humanos, perguntando qual será o futuro dessa criança que nasceu agora, como será ele recebido na escola primária, como filho do assassino? Qual será o seu futuro, ainda que os filhos não sejam responsáveis pelos atos de seus pais? Terá ele que carregar a pecha do crime ou quiçá também venha a ser considerado filho do "herói"?
A campanha contra Rabin não terminou. Ela segue agora contra outros líderes israelenses. Recentemente apareceu em Jerusalém um pôster com a figura do presidente de Israel, Shimon Peres, transvestido com uma kafia, como se fora ele presidente dos palestinos. O Tribunal da Confederação Esportiva decidiu castigar o time de futebol do Beitar, "face aos berros satânicos do público, que, assim sendo, rompeu todos os limites" , condenando aquele time de futebol a dois jogos sem a presença de platéia, pela atitude pouco esportiva de seus simpatizantes. Houve quem comentasse, com certo cinismo, que foi um erro dos organizadores do jogo de futebol querer obrigar o público, que veio simplesmente assistir ao jogo, a participar do que se passou a chamar um "ato político". Mas marcar o aniversário do assassinato de um primeiro-ministro é mais do que um simples ato de protesto, pois se trata do assassinato da primeira figura, a que representa a totalidade dos habitantes do Estado de Israel. Difícil acreditar no que aconteceu.
Publicado na Tribuna Judaica
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