Texto de Marcos Gomes
Martin Buber (1878-1965) foi um respeitado jornalista e teólogo. Defensor da coexistência entre árabes e judeus, foi um crítico do modelo adotado na construção do Estado de Israel e, como filósofo, publicou um livro de menos de 100 páginas que é considerado um dos mais densos e belos da área: Eu e Tu, de 1923.
A base de seu pensamento é o diálogo, como única saída para o mundo em que viveu, dividido e marcado pela intolerância e pela violência – um pouco como os dias atuais.
Martin Buber aplicou à Pedagogia os conceitos que usava em sua defesa da paz. Ele explica como, a seu ver, o processo educativo deve privilegiar a conversa e a cooperação entre as crianças. Para ele, saber se relacionar é mais importante do que ser individualmente bem-sucedido. “A relação eu-tu é um ato essencial do homem, atitude de encontro entre dois parceiros na confirmação mútua”, destaca Newton Aquiles von Zuben, professor de Filosofia da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas e tradutor de Buber para o português. Essa união tem como pressuposto o nós e só existe se houver diálogo.
Os conceitos da obra-prima seriam retomados em toda a sua produção, inclusive em ensaios pedagógicos escritos ao longo da vida. A professora Maria Betânia do Nascimento Santiago, da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), ressalta, numa tese que resume toda a obra do pensador, como ele vê o processo do aprendizado no ser humano. No começo da vida, segundo Buber, a criança vivencia o mundo admirando o outro, o tu. Esse tu, mais tarde, vai ajudar na constituição do eu, na medida em que a criança for percebendo seus próprios limites em relação ao que ela imaginava sobre as pessoas que a cercam.
Bem no começo da infância, o eu tem a ilusão de ser onipotente e vive num mundo de fantasias. Com o tempo, o sujeito percebe que não é perfeito e, mais ainda, que vai sempre depender das relações – mentais ou sociais – que estabelece com o tu. “O tu inato expressa-se na ternura e na reciprocidade. O homem se torna eu na relação com o tu”, cita Maria Betânia.
Além disso, assim que percebe a distância entre o eu e o tu, surge o chamado impulso de criação, pelo qual o ser humano, ao se encontrar vivendo com outros, passa a ter a necessidade de criar – coisas e a si próprio. “Tudo o que aparece e acontece com o homem se transforma em algo motor, num poder fazer ou num querer fazer”, escreveu ele.
Qual o papel do professor na gestação do eu?
O impulso de criação, segundo Buber, nunca deve gerar uma produção vazia, já que não deve ter como finalidade um ter, mas um fazer – e bem pensado. Como a criação é unilateral, no entanto, a criança que não reflete sobre o que faz corre o risco de se tornar egoísta e de não se constituir plenamente. Caberia ao educador ensinar que a criatividade e o sucesso não são nada se não vierem juntos da consciência da participação nas coisas e da necessidade da reciprocidade.
Essa espécie de desvio do impulso de criação é contrabalançada por outra: o impulso da interligação. Segundo o filósofo, é com essa força que “desejamos que o mundo se torne a pessoa presente que nos acolhe e reconhece, assim como nós a ela, que se confirma em nós, assim como nós nela”. Saber orientar essa construção é uma das grandes responsabilidades do professor, adverte Maria Betânia. “O caminho para a Educação é deixar-se guiar pela própria realidade, tendo um posicionamento que, mesmo suave, deve ser firme, pelo compromisso de revelar o que é certo e o que é errado.”
O que Martin Buber critica?
Martin Buber critica muitas posturas da Pedagogia Ativa, movimento educacional de vanguarda de meados do século 20. Ele é contra, por exemplo, a ênfase dada ao aprendizado por meio de fórmulas mecânicas, como exercícios. Ele se opõe aos pedagogos que definem o ensino unicamente em termos de desenvolvimento intelectual. Para Martin Buber, a prioridade é o desenvolvimento da habilidade de se relacionar com os outros. Ele atenta para a existência de toda uma multiplicidade de inclinações e instintos, diferentes em cada criança, que não podem ser canalizados e apagados em nome da imposição de um modelo único de ensino. “Buber admite a existência de disposições prévias, relacionadas às capacidades de perceber, imaginar, de dar sentido ao mundo, e que fazem parte da nossa singularidade”, explica a pedagoga. As ideias de Buber, disseminadas em simpósios e conferências, deram novos rumos à Filosofia, ao estabelecer relações entre a Metafísica (saber que questiona o que é a existência) e o humanismo (que tem como centro a preocupação com o homem e não com uma verdade absoluta que o excluiria das indagações). Von Zuben, da PUC, destaca o caráter contra-a-corrente do filósofo. “Vivemos no mundo de relações virtuais, da tecnologia, dos desencontros como padrão de vida.” Para o especialista, as pessoas teriam muito a ganhar se dessem mais ouvidos a Buber.
Quem foi Martim Buber?
Sionista na Alemanha, conciliador em Israel, Martin Buber nasceu em Viena, Áustria, no dia 8 de fevereiro de 1878. Editor do semanário Die Welt, principal órgão de imprensa dos sionistas, e da revista Der Jude, publicação mensal dedicada à comunidade judaica alemã, foi professor da Universidade de Frankfurt am Main. Renunciou ao cargo logo depois da ascensão de Adolf Hitler (1889-1945) ao poder, em 1933. Proibido de dar palestras, ainda fundou um centro de ensino judaico em plena Alemanha nazista.
Abandonou o país um ano antes do começo da Segunda Guerra, em 1938. Mudou-se para Jerusalém, onde foi um dos expoentes do movimento pelo binacionalismo, a defesa de um país habitado tanto por judeus como por árabes. Em 1946, publicou o livro Caminhos da Utopia, em que detalha sua visão de uma Terra Santa compartilhada pelos dois povos dentro das mesmas fronteiras. Traduziu a Bíblia do hebraico para o alemão de 1922 a 1961. Morreu aos 87 anos, em 13 de junho de 1965.
Qual o caminho do pensamento de Buber?
Enraizado na consciência da importância do diálogo para o estabelecimento da verdade, o pensamento de Martin Buber retoma o espírito do diálogo socrático. Quase 2,4 mil anos depois de Sócrates (470-399 a. C.), Buber revive o diálogo como base da Filosofia.
Ainda adolescente, leu os filósofos alemães Immanuel Kant (1724-1804) e Friedrich Nietzsche (1844-1900), que influenciariam toda sua obra. De Kant, ele herda a consciência de que não existe verdade absoluta para a condição humana e que o próprio espaço e o tempo são maneiras de perceber o mundo. De Nietzsche, ele recupera o raciocínio por flashes, por frases poéticas que funcionam como aforismos – aproximações de uma verdade que o homem só percebe fragmentada.
A tônica humanista de Buber, que prega que a consideração pelo outro é fundamental no próprio fazer da Filosofia, inspiraria outros pensadores.
[ - Publicado no site http://educarparacrescer.abril.com.br
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