Escrito no Holocausto, romance esquecido vira best-seller na Europa

Escrito no Holocausto, romance esquecido vira best-seller na Europa

magal53
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Ignorado quando publicado pela primeira vez, em 1939, livro que conta a histĆ³ria de um judeu em fuga dos nazistas entra na lista dos mais vendidos no Reino Unido, 82 anos depois.

A ediĆ§Ć£o em alemĆ£o de “O viajante”

A ediĆ§Ć£o em alemĆ£o de “O viajante”

Der Reisende ("o viajante”, em traduĆ§Ć£o livre), um romance de 1938 escrito por Ulrich Alexander Boschwitz, conta a histĆ³ria do empresĆ”rio Otto Silbermann, que foge de Berlim logo apĆ³s a Noite dos Cristais, evento de perseguiĆ§Ć£o aos judeus que marcou o inĆ­cio do Holocausto.

Muitos de seus amigos judeus haviam sido levados pelos nazistas. E Silbermann decidiu pegar uma sƩrie de trens atravƩs da Alemanha, na tentativa, sem sucesso, de deixar o paƭs.

O autor do romance, cujo pai era judeu e a mĆ£e protestante, na verdade fugiu da Alemanha nazista em 1935. Foi primeiro para a SuĆ©cia, depois para a Noruega e, em seguida, para a Inglaterra. Isso foi logo apĆ³s a promulgaĆ§Ć£o das leis antissemitas e racistas de Nurembergue, em 15 de setembro de 1935. O pai de Boschwitz havia morrido durante a Primeira Guerra Mundial, e sua irmĆ£, emigrado para os territĆ³rios palestinos em 1933. 

Boschwitz escreveu o romance no exĆ­lio. Publicado pela primeira vez no Reino Unido em 1939 sob o tĆ­tulo The Man Who Took Trains (o homem que pegava trens), o livro nĆ£o teve muito impacto na Ć©poca e saiu de circulaĆ§Ć£o. Ulrich Boschwitz morreu em 1942, aos 27 anos, quando o navio em que viajava foi torpedeado por um submarino alemĆ£o no AtlĆ¢ntico Norte.

Mas quando a primeira ediĆ§Ć£o em lĆ­ngua alemĆ£ saiu, em 2018, foi aclamada como uma descoberta literĆ”ria.

Com base no manuscrito original em alemĆ£o e nas prĆ³prias notas do autor, uma nova traduĆ§Ć£o foi publicada em inglĆŖs e em cerca de 20 idiomas (uma versĆ£o em portuguĆŖs ainda nĆ£o estĆ” disponĆ­vel).

The Pessenger (o passageiro), como foi titulado em inglĆŖs, estĆ” na lista de mais vendidos do jornal Sunday Times do Reino Unido.

O renascimento dos romances esquecidos

O editor alemĆ£o Peter Graf tem contribuĆ­do para este ressurgimento literĆ”rio. Nos Ćŗltimos anos, ele especializou-se em desenvolver novas ediƧƵes de livros esquecidos ou negligenciados em seu tempo.

Uma das publicaƧƵes mais destacadas Ć© BlutsbrĆ¼der (irmĆ£os de sangue, em traduĆ§Ć£o livre), de Ernst Haffner. O romance, publicado pela primeira vez em 1932, mostra um grupo de jovens sem-teto, durante a RepĆŗblica de Weimar, que vivem de roubos, trĆ”fico de mercadorias roubadas e prostituiĆ§Ć£o em Berlim.

A notĆ”vel reportagem social contemporĆ¢nea foi republicada em 2013, e Ć© graƧas a esse livro que O viajante tambĆ©m obteve nova vida.

ApĆ³s a publicaĆ§Ć£o de IrmĆ£os de sangue em hebraico, Reuella Sachaf, sobrinha de Boschwitz que vive em Israel, leu uma entrevista com Graf em um jornal e entrou em contato com ele. Ela contou sobre o romance de seu tio e o manuscrito, que foi mantido no Arquivo do ExĆ­lio AlemĆ£o da Biblioteca Nacional em Frankfurt.

Graf diz ter passado dois dias lendo o livro na prĆ³pria biblioteca e que rapidamente soube que o romance tinha grande potencial.

Com sua agĆŖncia (Walde + Graf), ele projeta livros para clientes. Ele tambĆ©m Ć© editor de romances como O viajante, publicado em cooperaĆ§Ć£o com outras editoras, e Ć© diretor administrativo de uma pequena editora berlinense, "Das kulturelle GedƤchtnis”, especializada em redescobrir obras de diferentes Ć©pocas.

AlĆ©m de Berliner Briefe (cartas de Berlim), de Susanne Kerckhoff, de 1948, seu catĆ”logo tambĆ©m inclui obras de Dante e Voltaire. Sua seleĆ§Ć£o anual de publicaƧƵes Ć© restrita a oito livros. Um trabalho de nicho, admite Graf - sua seleĆ§Ć£o curatorial foi premiada na Alemanha em 2020.

Graf rapidamente percebeu que O viajante seria grande demais para sua prĆ³pria editora, razĆ£o pela qual a publicaĆ§Ć£o foi administrada pela editora Stuttgart Klett-Cotta, que tambĆ©m publicou o romance de estreia de Boschwitz, Menschen neben dem Leben (pessoas em paralelo Ć  vida, em traduĆ§Ć£o livre), um ano mais tarde.

Junto com sua linguagem poderosa, diz Graf, O viajante Ć© "o mais antigo confronto literĆ”rio com os pogroms de novembro".

AlĆ©m de ampliar o conhecimento histĆ³rico sobre o que aconteceu na era nazista, o romance oferece uma descriĆ§Ć£o concreta que ajuda os leitores a visualizar o passado. Atrocidades envolvendo vĆ”rios milhƵes de vĆ­timas sĆ£o frequentemente abstratas demais, diz Graf, mas "a histĆ³ria de Boschwitz, embora fictĆ­cia, permite ao leitor desenvolver um sentimento mais forte de empatia" com as vĆ­timas do nazismo.

Como os romances perdidos sĆ£o encontrados

Carlos Ruiz ZafĆ³n criou um monumento para livros esquecidos ou negligenciados com seu sucesso mundial, A sombra do vento, e o cemitĆ©rio de livros esquecidos descrito nele. Mas por que os livros sĆ£o esquecidos?

O mercado jĆ” estava inundado de novas publicaƧƵes no final do sĆ©culo 19 e durante a RepĆŗblica de Weimar, o que tornava impossĆ­vel o sucesso de todos os tĆ­tulos, explica Graf.

O homem que pegava trens, por exemplo, nĆ£o surgiu como um livro de interesse quando foi publicado pela primeira vez no Reino Unido no final dos anos 30; o valor documental do romance se desenvolveu ao longo do tempo.

Ɖ crucial publicar o "livro certo no momento certo", diz Peter Graf, que descobriu que Heinrich Bƶll jĆ” havia tentado publicar o romance de Boschwitz nos anos 60. "Talvez este confronto com o Holocausto tenha chegado muito cedo na jovem RepĆŗblica Federal da Alemanha", comenta.

A histĆ³ria por trĆ”s da redescoberta de O viajante, com a sobrinha do autor contatando ativamente a editora, foi um golpe de sorte para Graf - mas tambĆ©m um caso excepcional.

Para encontrar livros esquecidos que merecem ser reeditados, Graf pesquisa arquivos literĆ”rios, Ć s vezes encontrando referĆŖncias em bibliografias, e lĆŖ resenhas dos anos 20.

Para contribuir para sua relevĆ¢ncia, novas ediƧƵes precisam de links com o presente, diz Peter Graf. O viajante, por exemplo, apresenta paralelos com o atual problema de migraĆ§Ć£o do mundo. A pandemia, por sua vez, leva a questƵes existenciais. "Vivemos em tempos difĆ­ceis e temos que deixar nossa zona de conforto", aponta o editor.

Em perĆ­odos de incerteza, muitos leitores recorrem a material histĆ³rico, talvez na tentativa de melhor compreender as dificuldades da experiĆŖncia humana.

"NĆ£o creio que a literatura mude o mundo", diz Graf, "mas ela pode sensibilizar os leitores por um momento".




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