Em 2010, o governo de Israel empreendeu esforços para mudar a imagem do país na comunidade internacional.
A campanha de imagem queria mostrar que Israel era um país socialmente moderno, tecnologicamente avançado, com iniciativas inovadoras nas áreas de educação, ciência, medicina e saúde.
O esforço de propaganda ficou conhecido como “hasbara” (“explicação”, em Hebreu), e fez parte dele a distribuição de panfletos sobre o país no aeroporto de Ben Gurion, em Tel-Aviv. Foi em um desses panfletos que a cientista Anna Wexler leu, em 2010, que Israel reivindicava para si a invenção do tomate-cereja.
De tão repetido, o boato se tornou verdade em Israel - e também em outras partes do mundo. Ninguém questionava que a origem do tomate-cereja teria se dado em laboratórios de geneticistas botânicos em Israel. Mas a afirmação intrigou a cientista: várias culturas reivindicam para si a invenção e o cultivo pioneiro da fruta. Wexler decidiu investigar otema - teria Israel realmente inventado o tomate-cereja ou seria só propaganda?
O mérito de Israel#
As primeiras menções israelenses que assumiam o crédito pela invenção são de 2003. Jornais de Israel creditavam dois professores da faculdade de agricultura da Universidade de Jerusalém como os criadores do tomate-cereja nos anos 1970.
No entanto, menções ao tomate-cereja em jornais norte-americanos são anteriores a essa data. Nos anos 1960, um jornal da cidade de Phoenix, no Arizona, fala sobre a variedade da fruta.
Na pesquisa de Wexler, ela descreve que há menções históricas do tomate-cereja em documentos de 1840. Além disso, em sua forma selvagem, cultivado por Aztecas nos Andes, o tomate era descrito como fruta amarelada e de tamanho menor - de acordo com historiadores, próximo ao de uma cereja.
É em razão da cor amarelada na origem que o tomate ganha o nome “pomodoro” em italiano, palavra que é junção dos termos “pomo”, “fruta”, e “d’oro”, “de ouro”
A conclusão é que não foram, definitivamente, os israelenses que inventaram o tomate-cereja. Wexler conversou com os pesquisadores aos quais a criação foi atribuída por jornais locais e descobriu que eles nunca afirmaram terem inventado essa variedade da fruta: seu trabalho, na verdade, possibilitou a criação de um tomate-cereja que durasse mais na prateleira.
Antes da invenção israelense, esse tipo de tomate crescia por acidente em pomares nos quintais e jamais poderia ser comercializado em larga-escala porque não durava o suficiente. Isso mudou depois dos anos 1970. Israel não criou o tomate-cereja, mas desenvolveu uma versão que podia ser comercializada.
Mais recentemente, o tomate-cereja ganhou versões diferentes, mais duráveis. Nos supermercados brasileiros, as duas versões mais comuns são a original, levemente achatada, e uma outra, ovalada - também chamada por nós de tomate-cereja, mas que em inglês ganha o nome de “grape tomato”, ou “tomate-uva”. Em alguns lugares do Brasil, esse tomate é comercializado como “sweetgrape”.
A versão ovalada, com formato semelhante a uma uva, faz mais sucesso no mercado: sua casca é mais dura e resistente, o que aumenta o tempo de prateleira da fruta.
Propaganda israelense ajuda na construção da identidade nacional#
Wexler, que viveu por anos em Israel, sugere em sua pesquisa que a história da invenção do tomate-cereja exerce um efeito poderoso sobre a construção da autoimagem dos israelenses. Simboliza o progresso e a modernidade que a “hasbara” quer transmitir.
As medidas da “hasbara” são, muitas vezes, vistas por analistas como uma tentativa de Israel de melhorar sua imagem no exterior e de oferecer uma narrativa sobre o país que não envolva os problemas com a Palestina.
Mas Wexler lembra que a propaganda israelense parece ter tido muito mais efeito localmente, na maneira como os próprios israelenses se enxergam: despertou orgulho e autoestima contra as críticas vindas de fora.