Sefaradis e Marranos os verdadeiros colonizadores do Brasil

Sefaradis e Marranos os verdadeiros colonizadores do Brasil

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Sefaradis e Marranos os verdadeiros colonizadores do Brasil


A verdade sobre a colonizaĆ§Ć£o do Brasil


Foi a falta de liberdade religiosa em Portugal e a perseguiĆ§Ć£o a Judeus, que provocou a colonizaĆ§Ć£o do Brasil, veja os Processos inquisitĆ³rios contra Judeus de Minas gerais encontrados na torre de tombo em Portugal,

Ser marrano em Minas Colonial Anita Novinsky

RESUMO

Baseado em 57 Processos inĆ©ditos de marranos (cristĆ£os-novos, conversos) presos em Minas Gerais no sĆ©culo XVIII, este artigo procura mostrar seu papel na Idade de Ouro do Brasil. 64% deles eram mercadores e 23% eram mineiros. Pertenciam Ć  classe mĆ©dia e raros eram os magnatas. Nenhum dele esteve envolvido no trĆ”fico negreiro. Acusados do crime de judaĆ­smo e de pertencerem a sociedades secretas, representaram 42% dos brasileiros condenados Ć  morte. Ser marrano entre os portugueses no Brasil mais um sentimento e uma visĆ£o de mundo do que uma prĆ”tica religiosa. Palavras-chave: marranos; InquisiĆ§Ć£o; cripojudaĆ­smo.

ABSTRACT Based on 57 unknown trials of marranos (new christians, conversos) arrested by the Inquisition in Minas Gerais in the XVIII the century, this article shows their role in shapping the history of Minas Gerais. 64% of them were merchants na 23% were miners. Most of them belonged to a middle class and rare were those whit great fortunes. No one of them were engaged in slave trade. Acused of judaism and of participating in secret society the marranos of Minas represented 42% of the Brazilian burned at the stake. Being a marrano in Minas Gerais was not always being a crypto-new. Marranism in Brasil was a feeling and a approach to life.

Keywords: marranos; Inquisition; cryptojudaism.

Ser marrano em Minas Colonial Anita Novinsky Universidade de SĆ£o Paulo Revista Brasileira de HistĆ³ria. SĆ£o Paulo, v. 21, nĀŗ 40, p. 161-176. 2001

Minas Gerais foi no sĆ©culo XVIII uma das regiƵes mais procuradas pelos cristĆ£os-novos portugueses. Cada nau que saĆ­a do Tejo trazia refugiados ou aventureiros cristĆ£os-novos para o Brasil. Tomando conhecimento da prosperidade da regiĆ£o, do afluxo do ouro e das possibilidades confiscatĆ³rias, a InquisiĆ§Ć£o ordenou uma persistente fiscalizaĆ§Ć£o e algumas dezenas de portugueses foram presos, acusados de praticar a religiĆ£o proibida: o judaĆ­smo. Alguns jĆ” estavam estabelecidos nas regiƵes aurĆ­feras desde o inĆ­cio do sĆ©culo.
Este artigo Ć© o extrato de um livro em elaboraĆ§Ć£o sobre os marranos em Minas Gerais. Procuro aqui dar algumas pinceladas a esse quadro multicolor que foi a sociedade marrana mineira. Os dados que apresento baseiam-se todos em pesquisas colhidas em manuscritos ainda inĆ©ditos, principalmente nos processos de 57 prisioneiros, 11 dos quais jĆ” tinham nascido no Brasil. Atualmente desenvolvo uma nova histĆ³ria sobre Minas, procurando analisar a sociedade nas suas dobras ocultas e dar a conhecer a origem judaica dos mineiros e seu comportamento, que fugia aos padrƵes obrigados pela Igreja. Quem foram os primeiros povoadores marranos de Minas, os fundadores das primeiras vilas do ouro, os construtores dos primeiros arraiais e principalmente o que pensavam? Que imagens do mundo transmitiam, como se explica de um lado a forte resistĆŖncia ao catolicismo e de outro seu completo desaparecimento? Somente a anĆ”lise minuciosa da documentaĆ§Ć£o manuscrita permitirĆ” desvendar o lado oculto da sociedade marrana brasileira, e corrigir mal entendidos e erros interpretativos. Ɖ lamentĆ”vel que a experiĆŖncia marrana no Brasil nĆ£o faƧa parte ainda dos livros de histĆ³ria e que continue totalmente ignorada pelos historiadores estrangeiros. Os cristĆ£os-novos ou marranos que desbravaram as selvas, cultivaram a terra, apresaram Ć­ndios, guerrearam os jesuĆ­tas, foram homens totalmente diferentes dos judeus de origem ashkenazi, assim como dos conversos sefaradins que se dispersaram pela ItĆ”lia, Holanda, FranƧa ,norte da Ɓfrica, Levante e outros lugares do mundo. Falar dos cristĆ£os-novos generalizando sua atuaĆ§Ć£o e sua mentalidade tem levado a uma concepĆ§Ć£o errĆ“nea do que foi o fenĆ“meno marrano, especificamente o brasileiro. Na primeira metade do sĆ©culo XVIII foram presos algumas dezenas de cristĆ£os- novos de Minas Gerais acusados de judaĆ­smo.1 Com exceĆ§Ć£o das profundas e exaustivas pesquisas genealĆ³gicas feitas por JosĆ© GonƧalves Salvador, a historiografia brasileira nada praticamente apresenta de cientĆ­fico sobre as atividades econĆ“micas e a vida cotidiana e social dos marranos em Minas Gerais.2 Eminentes historiadores brasileiros, por nĆ£o utilizarem as fontes inquisitoriais minimizaram ou ignoraram o papel que representaram os descendentes dos judeus na colonizaĆ§Ć£o do Brasil, tanto do ponto de vista econĆ“mico, como social e cultural.

A afirmaĆ§Ć£o de eminente historiador de que “raramente se encontravam em Minas Gerais processos contra cristĆ£os-novos por prĆ”ticas judaizantes,” precisa hoje ser reconsiderada.3 Existe uma numerosa documentaĆ§Ć£o sobre Minas Gerais nos arquivos do extinto Tribunal da InquisiĆ§Ć£o em Portugal, que revela uma presenƧa considerĆ”vel de colonos de origens judaicas, condenados por praticas religiosas ou por suas idĆ©ias. Afastados hĆ” mais de um sĆ©culo da cultura judaica e altamente assimilados, o estilo de vida aventureiro e violento dos marranos brasileiros diferencia-se fundamentalmente daquele vivido pelos judeus em outras regiƵes. Para dar um exemplo da atuaĆ§Ć£o dos cristĆ£os-novos ou marranos no contexto polĆ­tico e social mineiro, quero lembrar trĆŖs personagens de origens judaicas que se destacaram na vida polĆ­tica e administrativa: Garcia Rodrigues Pais, Miguel Telles da Costa e Manuel Nunes Viana. Garcia Rodrigues Pais era filho de FernĆ£o Dias Pais, o “caƧador de esmeraldas” ,e foi responsĆ”vel pela organizaĆ§Ć£o da primeira expediĆ§Ć£o desbravadora e fundadora de Minas Gerais, constrindo o chamado “Caminho Novo”, conhecido tambĆ©m como “Caminho do ComĆ©rcio”. Esse caminho abreviava consideravelmente a distĆ¢ncia do Rio de Janeiro, porto de onde afluĆ­am as principais mercadorias de Portugal para Ouro Preto. Em 1702, Garcia Rodrigues Pais Leme, em recompensa aos serviƧos prestados a Coroa foi nomeado “Guarda Mor Geral das Minas”, e obteve o tĆ­tulo de fidalgo da Casa Real, o que lhe conferiu tĆ£o grande prestigio que o levou a solicitar em 1710 sua admissĆ£o Ć  prestigiosa Ordem de Cristo. O ingresso lhe foi recusado por ser infamado de “cristĆ£o-novo por parte de sua avĆ³ materna”.4 A legislaĆ§Ć£o discriminatĆ³ria e o preconceito contra os descendentes de judeus chegou a atingir os portugueses e brasileiros atĆ© a 5ĀŖ e 6ĀŖ geraĆ§Ć£o. Temos poucas noticias sobre os sentimentos judaicos de Garcia Rodrigues Pais Leme, pois nunca foi preso pela InquisiĆ§Ć£o. Apesar de no Brasil a luta pela sobrevivĆŖncia ter abrandado as barreiras que separavam cristĆ£os-velhos dos cristĆ£os-novos, estes, devido Ć s suas crĆ­ticas Ć s imposiƧƵes econĆ“micas e ideolĆ³gicas da MetrĆ³pole eram vistos com desconfianƧa pela governanƧa portuguesa. Mas havia um fator decisivo que facilitava o ingresso dos cristĆ£os-novos nas elites locais: o volume de seus bens.

No Brasil podia-se, atravĆ©s da riqueza, “branquear a pele” e “apagar a mancha” do sangue judeu. O segundo personagem que nos primĆ³rdios da histĆ³ria de Minas exerceu importante cargo administrativo foi o capitĆ£o-mĆ³r Miguel Teles da Costa, sobre o qual temos numerosas notĆ­cias, pois foi preso pela InquisiĆ§Ć£o em 1713 e acusado de judaĆ­smo.5 O monarca portuguĆŖs o havia nomeado capitĆ£o-mor das vilas de Itanhaen, Ilha Grande e Parati. Era proprietĆ”rio de terras em Nossa Senhora do Carmo, sendo um dos primeiros povoadores da regiĆ£o. Fazia parte da socie-dade secreta de cristĆ£os-novos, constituĆ­da por um grupo de comerciantes e mineradores residentes no Rio das Mortes, entre os quais tambĆ©m encontramos o cristĆ£o-novo Francisco Matheus Rondon, guarda mor do Rio das Mortes. Miguel Teles da Costa foi preso no Rio de Janeiro juntamente com outros cristĆ£os-novos, acusados todos de serem adeptos da Lei de MoisĆ©s. Mercador de posses enviava produtos coloniais para seus sĆ³cios em Lisboa, sendo um deles seu irmĆ£o Francisco Mendes de Castro. Do Rio de Janeiro tambĆ©m mandava “carregaƧƵes” para as Minas Gerais, auxiliado por seu sobrinho Diogo Lopes Flores.

Em 1704 enviou 20 ou mais cargas de fazendas para o Rio das Mortes, regiĆ£o de onde se extraĆ­a grande quantidade de ouro. Tinha plantaƧƵes de milho e feijĆ£o, possuĆ­a escravos negros e cavalos, armas e diversos bens mĆ³veis, conforme consta de seu inventĆ”rio.6 Construiu sua residĆŖncia fixa em Rio das Mortes que depois transformou em estalagem, onde se abrigavam seus companheiros que vinham negociar nas Minas. Miguel Teles da Costa foi a principal autoridade da regiĆ£o, cuidava da defesa e supervisionava a entrada nas Minas, onde sĆ³ era permitida a penetraĆ§Ć£o com “licenƧa especial”. Em certa ocasiĆ£o foi “recriminado” por ter favorecido a entrada de “certas pessoas”, provavelmente cristĆ£os-novos ,”sem licenƧa”. Apesar de todo seu prestĆ­gio e de ter sob sua jurisdiĆ§Ć£o as terras mineiras, nĆ£o conseguiu fugir dos agentes da InquisiĆ§Ć£o que rondavam a regiĆ£o. Preso, levado aos cĆ”rceres inquisitĆ³rias, torturado, teve toda sua fortuna confiscada. Saiu em auto-de-fĆ© em Lisboa e morreu louco e indigente.

Um terceiro personagem, dos mais curiosos da histĆ³ria colonial, foi o cristĆ£o- novo Manuel Nunes Viana.7 Sobre sua personalidade violenta, estranha, paradoxal e seu envolvimento numa guerra civil com os paulistas pela posse das terras mineiras temos notĆ­cias detalhadas. Mas sobre suas crenƧas sabemos muito pouco .De origens judaicas, era amigo Ć­ntimo de Miguel de MendonƧa Valladolid, homem de negĆ³cios que percorria as rotas do comĆ©rcio SĆ£o Paulo, Rio de Janeiro, Minas, Bahia, ColĆ“nia do Sacramento, e que lhe ensinou as oraƧƵes judaicas. Nasceu em Viana do Castelo e fez fortuna na Bahia e Minas Gerais comerciando escravos e ouro. Em 1710 era proprietĆ”rio de vĆ”rias e lucrativas minas de ouro em CaetĆ© e outras regiƵes e tinha o monopĆ³lio do abastecimento de carne para as Minas Gerais. Foi lĆ­der, em 1708, da facĆ§Ć£o mineira na sangrenta “guerra dos Emboabas”. Participou em um verdadeiro massacre no CapĆ£o da TraiĆ§Ć£o, quando numerosos paulistas, cristĆ£os-novos e velhos, foram mortos.

Ficou conhecido na histĆ³ria do Brasil como o “Rei dos Emboabas”, e foi aclamado governador interino de toda regiĆ£o mineira. Apesar de suas desavenƧas com o Vice-Rei, recebeu Carta de MercĆŖ do Rei de Portugal pelos seus “relevantes serviƧos”. Excepcionalmente foi aceito na prestigiosa e elitista Ordem de Cristo nĆ£o obstante sua origem judaica, o que mostra a arbitrariedade com que se aplicavam as “leis de limpeza”. Manuel Nunes Viana, mal era alfabetizado mas tinha algumas ambiƧƵes culturais. Depois de vitorioso financiou, em 1728, a publicaĆ§Ć£o de um livro de Nuno Marques Pereira “CompĆŖndio do Peregrino da AmĆ©rica, obra que teve enorme sucesso. Consta que tinha uma biblioteca e tambĆ©m chegou a financiar a impressĆ£o de 3Āŗ volume das DĆ©cadas de Diogo do Couto. Manuel Nunes Viana vivia como muitos cristĆ£os-novos, dividido entre dois mundos. Num deles pronunciava as preces judaicas, no outro levava suas duas filhas para serem freiras em um convento de Lisboa.
A ocupaĆ§Ć£o do territĆ³rio em terras mineiras se processou diferentemente de outras regiƵes da AmĆ©rica. As oportunidades de enriquecer e ascender nas Minas eram muitas, mais fĆ”ceis e mais rĆ”pidas que na sociedade aƧucareira. Os cristĆ£os-novos espalhados por todo territĆ³rio brasileiro mantinham entre si uma ampla rede de comunicaƧƵes, e o fato de estarem dispersos pela AmĆ©rica e pelo mundo abriu-lhes uma frente para as transaƧƵes econĆ“micas com a qual os cristĆ£os- velhos dificilmente podiam competir. Portugal exercia um controle rigoroso sobre a regiĆ£o, principalmente devido ao intenso contrabando nos portos brasileiros e a massa de aventureiros estrangeiros que procurava chegar ao territĆ³rio sem licenƧa. Parece que os cristĆ£os-novos conheciam algumas facilidades para se chegar Ć s Minas.8 Nas regiƵes mineiras da Bahia, do Rio de Janeiro e de GoiĆ”s, cristĆ£os-novos estavam envolvidos nas mais diversas atividades. Compravam e vendiam escravos e gĆŖneros necessĆ”rios para os moradores, eram pecuaristas e abasteciam de carne toda a regiĆ£o. Trabalhavam na extraĆ§Ć£o do ouro, eram artesĆ£os, e havia entre eles alguns mĆ©dicos e advogados. Adquiriam livros e escreviam poemas.

9 Examinando os documentos referentes Ć s profissƵes e Ć  declaraĆ§Ć£o dos bens confiscados pela InquisiĆ§Ć£o aos cristĆ£os-novos em Minas Gerais, encontramos 23% dos condenados dedicando-se Ć  mineraĆ§Ć£o, sendo que 64% aparecem como comerciantes e 6% como agricultores.14 Os mais prĆ³speros cristĆ£os-novos do ponto de vista econĆ“mico, eram aqueles cujas atividades combinavam a mineraĆ§Ć£o, lavoura e o comĆ©rcio de escravos e mercadorias diversas. Em Ouro Preto por exemplo, no ano de 1740, as maiores fortunas se concentravam nas mĆ£os de cristĆ£os-novos que combinavam simultaneamente diversas ocupaƧƵes. Assim Ignacio Dias Cardoso vem mencionado como agricultor, negociante, mineiro e dono de plantaƧƵes de milho e feijĆ£o.

Era proprietĆ”rio de 2 engenhos possuindo extensƵes de terras nas quais explorava o mineral, chegando a acumular uma fortuna de 26;295$311 rĆ©is. Contudo, de um modo geral, sĆ£o poucos os cristĆ£os-novos que aparecem com fortuna comparĆ”vel Ć  do magnata Francisco Ferreira Izidro, que chegava a 10;709$000 rĆ©is ou de Manuel de Albuquerque e Aguilar, talvez o mais rico dos cristĆ£os-novos, com 57;330$000 rĆ©is.10 Uma avaliaĆ§Ć£o inicial e aproximada dos bens que foram confiscados aos cristĆ£os-novos condenados em diversas regiƵes do Brasil, baseada em 130 inventĆ”rios que publiquei, foi feita pelo infatigĆ”vel pesquisador sobre marranos, tragicamente desaparecido, FlĆ”vio Mendes de Carvalho.11 Os resultados que apresenta podem trazer alguma luz sobre as condiƧƵes financeiras de um certo nĆŗmero de marranos brasileiros: 78% dos 129 condenados que analisou, pertenciam Ć  classe media e apenas 5,4% eram grandes magnatas que contribuĆ­ram com 52% dos bens que foram confiscados, sendo que quase a metade do total proveio dos senhores de engenho. Parece, segundo essa avaliaĆ§Ć£o, que os mais ricos eram os cristĆ£os-novos que viviam na Bahia, seguidos pelos do Rio de Janeiro e em terceiro lugar vem os de Minas Gerais. Analisando apenas 129 casos, o patrimĆ“nio mĆ©dio, avaliado em ouro, que foi confiscado entre 1704 e 1761 por Capitania foi: Bahia – 48.846 gramas de ouro Rio de Janeiro – 44.927 gramas de ouro Minas Gerais – 35.850 gramas de ouro GoiĆ”s – 17.119 gramas de ouro Pernambuco – 5.484 gramas de ouro ParaĆ­ba – 2.646 gramas de ouro SĆ£o Paulo – 2.106 gramas de ouro12 O rei D. JoĆ£o V, durante seu reinado, recebeu uma renda de 379 toneladas de ouro provenientes do Brasil.13 O sistema que impulsionou a estrutura econĆ“mica na AmĆ©rica Lusitana foi, como sabemos, a escravidĆ£o.

O trĆ”fico de escravos tornou-se a atividade comercial mais rentĆ”vel na colĆ“nia e contratadores, autorizados pela Coroa portuguesa, traziam negros que jĆ” eram esperados por mercadores cristĆ£os-novos nos portos do Rio de Janeiro e Bahia. Nesses portos faziam seus carregamentos e os levavam para as Minas onde os revendiam, em geral a crĆ©dito. JosĆ© GonƧalves Salvador, que publicou um trabalho sobre os “magnatas do trĆ”fico negreiro” afirma que esses traficantes eram principalmente cristĆ£os-novos, mas nĆ£o apresenta nenhuma documentaĆ§Ć£o que prove essa constataĆ§Ć£o. Suas conclusƵes se apoiam apenas na evidĆŖncia dos nomes mais comuns entre os cristĆ£os-novos.14 Ɖ totalmente impossĆ­vel tirarmos qualquer conclusĆ£o sobre a origem cristĆ£-velha ou cristĆ£-nova dos luso-brasileiros baseando-nos em evidĆŖncia onomĆ”stica, uma vez que todos nomes dentre os cristĆ£os-novos encontram-se tambĆ©m entre os cristĆ£os velhos. Tomando ainda como fonte, dentre centenas de cristĆ£os-novos que foram presos no Brasil, apenas os bens declarados por cento e trinta cristĆ£os-novos, encontrei na primeira metade do sĆ©culo XVIII, vinte e cinco cristĆ£os-novos residentes ou assistentes nas Minas Gerais.15 Nenhum destes vinte e cinco cristĆ£osnovos declarou ser traficante de escravos. Constam como compradores , vendedores e transportadores de “carregaƧƵes” de uma regiĆ£o para outra do Brasil.

NĆ£o devemos confundir comerciantes de escravos com os “contratadores”, grandes capitalistas que faziam as viagens para a Ɓfrica em busca de negros, muitas vezes em barcos prĆ³prios ou atravĆ©s de agentes. Interessante que, tambĆ©m no Rio de Janeiro, entre os 71 cristĆ£os-novos por mim inventariados, nĆ£o encontrei nenhum que trouxesse carregaĆ§Ć£o de escravos de ultra mar. Apenas a Bahia aparece como exceĆ§Ć£o: entre vinte e um presos inventariados, trĆŖs traficavam negros da Ɓfrica: JosĆ© da Costa que ia buscĆ”-los em Angola e na Costa da Mina, AntĆ“nio Cardoso Porto, tambĆ©m chamado Belchior Mendes CorrĆŖa, que os trazia da Costa da Mina e TomĆ”s Pinto CorrĆŖa ,que trazia “carregaƧƵes” de negros de Angola mas que pertenciam a “vĆ”rias pessoas”.16 Os laƧos familiares eram condiĆ§Ć£o fundamental nas transaƧƵes comerciais realizadas pelos cristĆ£os-novos nas Minas. Os conhecidos mercadores Davi de Miranda, DamiĆ£o Rodrigues Moeda, Francisco Nunes de Miranda, JoĆ£o de Moraes Montesinhos, entre muitos outros, negociavam sempre ligados aos seus parentes.
A mobilidade dos cristĆ£os-novos na colĆ“nia brasileira foi freqĆ¼ente e ininterrupta. Apesar de encontrarmos famĆ­lias radicadas durante geraƧƵes nas mesmas regiƵes, de um modo geral a populaĆ§Ć£o cristĆ£-nova apresentava uma grande instabilidade. A vigilĆ¢ncia constante a que estavam expostos por parte dos agentes inquisitoriais, muitas vezes impedia a sua radicaĆ§Ć£o, mas foram tambĆ©m interesses econĆ“micos que os levavam a residir temporariamente em vĆ”rios lugares. Francisco Nunes de Miranda, por exemplo, tinha casa na Bahia, Rio de Janeiro e Rio das Mortes e fazia negĆ³cios com o magnata Francisco Pinheiro e com seu parente JosĆ© da Costa que trazia escravos da Costa de Marfim e Angola para o Brasil. Contrabando, fraudes, roubos era o cotidiano das Minas, mas no ano de 1725 seu grau foi alarmante. O prĆ³prio governador, D. LourenƧo de Almeida foi um infatigĆ”vel contrabandista de diamantes. Tanto cristĆ£os velhos como cristĆ£osnovos realizavam o trĆ”fico ilegal, que no tempo nĆ£o era visto como uma grave contravenĆ§Ć£o moral, mas comumente aceito nas prĆ”ticas comerciais e encarado como parte inerente das atividades metropolitanas e coloniais.

17 Na corte, nos mares, nos mercados, padres da Igreja, homens de Estado, mercadores, mineiros, senhores de engenho, lojistas, profissionais e artesĆ£os aceitavam a prĆ”tica do contrabando como algo inevitĆ”vel.18 A MetrĆ³pole procurou continuamente, sem 167 sucesso, controlar essas fraudes. As denĆŗncias eram graves, principalmente sobre uma “casa da Moeda” ilegal, clandestina, na qual aparece tambĆ©m envolvido o rico cristĆ£o-novo Manuel de Albuquerque Aguilar . Apesar do estĆ”gio inicial em que se encontram as investigaƧƵes sobre a populaĆ§Ć£o cristĆ£-nova em Minas Gerais, podemos dizer que seu nĆŗmero foi relativamente alto, uma vez que incluĆ­a tambĆ©m os “assistentes” que residiam no Rio de Janeiro e na Bahia, mas que passavam longos perĆ­odos em Minas Gerais. No “Livro dos Culpados”, que Ć© a principal fonte para o conhecimento da populaĆ§Ć£o cristĆ£-nova no Brasil, encontramos anotados os nome de todos os cristĆ£osnovos suspeitos, denunciados ou que foram presos. Nele estĆ£o registrados 150 cristĆ£os-novos residentes ou assistentes em Minas Gerais.19 O nĆŗmero de cristĆ£os- novos em algumas cidades do Brasil ultrapassou o nĆŗmero de judeus que viviam em AmsterdĆ£ no perĆ­odo de sua maior efervescĆŖncia econĆ“mica e cultural. Mas devemos ter em mente, que somente Ć© possĆ­vel obter dados demogrĆ”ficos sobre cristĆ£os-novos em determinadas regiƵes do Brasil, atravĆ©s da contagem daqueles que foram presos pela InquisiĆ§Ć£o ou a ela denunciados como judaizantes. O nĆŗmero total serĆ” portanto sempre impreciso, pois a maior parte dos cristĆ£os-novos que vieram para o Brasil nĆ£o foram presos, e diluĆ­ram-se em meio a populaĆ§Ć£o brasileira. Em Minas Gerais arrolamos, atĆ© o presente, aproximadamente 500 cristĆ£os-novos entre denunciados e presos.

Analisando apenas 57 condenados de Minas Gerais temos o seguinte quadro: O maior nĆŗmero de prisƵes de cristĆ£os-novos foram feitas nos anos de grande produĆ§Ć£o aurĆ­fera 1728, 1729, 1730, 1732 e 1734, sendo seu nĆŗmero mais alto em 1728 e 1729 ,com 8 prisioneiros cada ano. No Brasil foram queimados 21 cristĆ£os-novos (2 em estĆ”tua e 19 em carne) .Entre os queimados em carne, 8 residiam ou “assistiam” em Minas Gerais, isto Ć© aproximadamente 42%. Dos prisioneiros do Brasil somente os acusados de judaĆ­smo receberam como sentenƧa a pena de morte. Foram queimados “em carne” em Minas Gerais :
1. Miguel MendonƧa Valadolid 1731 2. Diogo CorrĆŖa do Valle 1732 3. LuĆ­s Miguel CorrĆŖa 1732 4. Domingos Nunes 1732 5. Manoel da Costa Ribeiro 1737 6. LuĆ­s Mendes de SĆ” 1739 7. Martinho da Cunha Oliveira 1747 8. JoĆ£o Henriques 1748 168 Entre os 57 cristĆ£os-novos mencionados, nĆ£o incluĆ­ o judaizante cabalista Pedro Rates Henequim, queimado em 1748, que havia vivido 20 anos em Minas Gerais, porque as “investigaƧƵes de genere” o deram como cristĆ£o-velho, mas nĆ£o temos sobre sua origem, muita certeza.20 A histĆ³ria dos marranos de Minas Gerais, como de todo o Brasil, revela, como jĆ” escrevi, grande diversidade de comportamento, uma rebeldia frente a Igreja e uma Ć¢nsia de liberdade que se expressa tanto entre os que judaizavam como entre os laicos.

Examinando os processos de Diogo CorrĆŖa do Vale e seu filho Luiz CorrĆŖa, ambos presos em Minas Gerais, temos confirmada a opiniĆ£o do padre AntĆ“nio Vieira, sobre o funcionamento do Tribunal e a inocĆŖncia dos rĆ©us. Diogo nasceu em Sevilha e residia no Porto. Doutor em medicina pela Universidade de Coimbra, jĆ” viĆŗvo e devido Ć  prisĆ£o de vĆ”rios membros de sua famĆ­lia pela InquisiĆ§Ć£o, fugiu com o filho para o Brasil, onde se estabeleceu em Vila Rica de Ouro Preto. Foi preso em 12 de setembro de 1730, junto com seu filho Luiz Miguel CorrĆŖa.21 Numa carta enviada pelo familiar do Santo OfĆ­cio, Dr. LourenƧo de Valadares Freire aos senhores Inquisidores, datada de Vila Rica no ano de 1730, ficamos conhecendo os sentimentos de Luiz Miguel CorrĆŖa.
Quando o Tenente Martinho Alvarez o prendeu, murmurou: “dizem que o Santo OfĆ­cio Ć© reto, agora vejo que nĆ£o, porque prende aos homens inocentes.”22 Tanto Diogo CorrĆŖa do Vale como seu filho Luiz Miguel CorrĆŖa foram acusados de “judaizar”hĆ” mais de 20 anos , quando ainda viviam no Porto. Os Inquisidores nĆ£o conseguiram juntar nenhuma prova de judaĆ­smo contra ambos, durante os anos em que viveram em Minas.

A prisĆ£o de Diogo se deve a intrigas e antigas rivalidades de seus colegas do Porto e sobre divergĆŖncias que tinham quanto ao tratamento que devia ser dado aos doentes. Alguns amigos tentaram interceder a seu favor, confirmando sua reta conduta e sua caridade como cristĆ£o e como mĆ©dico, que “atendia doentes pobres sem cobrar”.

Diogo tambĆ©m tentou se defender afirmando, atĆ© o fim, serem falsas todas as acusaƧƵes, mas os Inquisidores nĆ£o alteraram sua sentenƧa de morte. Diogo insistiu ter sempre vivido na Lei de Cristo nela querendo morrer, mas o que foi decisivo na sua sorte foi sua origem judaica.23 O destino de Luiz Miguel CorrĆŖa foi tĆ£o triste quanto de seu pai. Com fortes inclinaƧƵes para a vida religiosa, seu apego a fĆ© cristĆ£ transparece em todo seu julgamento. Querendo tornar-se sacerdote, procurou o Bispo do Rio de Janeiro pedindo que o ajudasse.

O Bispo logo o desiludiu, mostrando-lhe quĆ£o inĆŗteis eram seus sonhos de entrar para a Igreja, uma vez que era cristĆ£o-novo e tinha tantos membros de sua famĆ­lia presos pelo Santo OfĆ­cio. Numa desesperada e Ćŗltima tentativa Luiz disse ao Bispo que estava disposto a vender todos seus escravos e bens para pagar a compra do “exame de limpeza de sangue”, “como tantos faziam”. Foi inĆŗtil. Na Ćŗltima sessĆ£o de seu julgamento rogou aos Inquisidores que, mesmo se acreditassem na sua inocĆŖncia e o declarassem, o condenassem a cĆ”rcere perpĆ©tuo, para que assim pudesse tratar de sua salvaĆ§Ć£o “jĆ” que nĆ£o podia ser frade pela impureza de seu sangue”.

Dizia ainda que o medo da morte o pusera em tal “desesperaĆ§Ć£o” que o levou a confessar de si e denunciar outras pessoas “falsamente”, afirmando que eram praticantes da Lei de MoisĆ©s. AtĆ© o Ćŗltimo momento LuĆ­s declarou-se inocente do crime que o acusavam, ser judeu. Foi queimado na mesma tarde que seu pai.24 Ɖ importante ressaltar que em Minas Gerais como no restante do Brasil, ser acusado de judaĆ­smo nĆ£o se resumia apenas em seguir algumas leis dietĆ©ticas, observar os jejuns, abster-se do trabalho aos sĆ”bados, ou obedecer alguns outros preceitos ordenados pela religiĆ£o judaica.

O marranismo entre os portugueses no Brasil foi em grande parte uma atitude mental, um sentimento, uma postura frente a vida.25 Se a maioria dos cristĆ£os-novos no Brasil conseguiu ultrapassar as barreiras discriminatĆ³rias legais impostas pela sua origem e sangue, ou a discriminaĆ§Ć£o social, e se diluir na sociedade ampla, houve uma parte que permaneceu marginal e se manteve fiel a tradiƧƵes, mesmo que apagadas, herdadas dos seus antepassados.

A transmissĆ£o da memĆ³ria de uma histĆ³ria vivida e sofrida durante sĆ©culos, juntamente com a exclusĆ£o legal e social a que estavam sujeitos, reforƧou entre os cristĆ£os-novos a resistĆŖncia na adoĆ§Ć£o dos preceitos da Igreja, e criou entre eles uma postura crĆ­tica frente Ć  religiĆ£o catĆ³lica. A crĆ­tica religiosa foi a grande contribuiĆ§Ć£o que os cristĆ£os-novos no Brasil deram ao pensamento ilustrado do sĆ©culo XVIII. Outro exemplo de um mineiro dissidente Ć© o caso de Diogo Nunes Henriques, rico homem de negĆ³cios, preso nas Minas em 1728.26 Cometeu o crime de afirmar que “cada um podia viver ou morrer na Lei que melhor lhe parecesse”. Levou-o aos cĆ”rceres de Lisboa sua afirmaĆ§Ć£o sobre a liberdade de consciĆŖncia, impensĆ”vel entre a maioria de seus contemporĆ¢neos portugueses.
Os Inquisidores ao receberem essa denĆŗncia imediatamente mandaram investigar “de que terra era natural”, seu “modo” de vida, “em que parte” de Minas morava, e sua “reputaĆ§Ć£o de sangue”. Novas “informaƧƵes” se acumularam, inclusive a de que sua casa em Ouro Preto era sede da sociedade secreta de cristĆ£os-novos, onde se reunia uma verdadeira elite mineira: David Mendes, Domingos Nunes (sobrinho de Diogo Nunes Henriques), o senhor de engenho Domingos Rodrigues Ramires que tinha residido no Rio de Janeiro, JoĆ£o da Cruz, o mercador de panos David de Miranda, Francisco Nunes, Duarte Rodrigues, Manuel Nunes de Paz (filho de Diogo Henriques), Manuel Nunes Sanches e muitos outros, todos vizinhos.

170 O retrato que nos ficou de Diogo Nunes Henriques Ć© o de um homem letrado que se tornou suspeito pelo fato de ser “dado a ler alguns livros”. CristĆ£os- velhos, que testemunharam contra ele, afirmaram nunca tĆŖ-lo visto rezar, nem ensinar aos seus escravos a doutrina cristĆ£, como era costume na roƧa. Um alfaiate afirmou aos agentes investigadores que “nunca viu Diogo com um rosĆ”rio de contas, e que se desobrigava do preceito da quaresma, ensinando essas heresias aos seus escravos”. Diogo tambĆ©m chamava a atenĆ§Ć£o de seus vizinhos cristĆ£os velhos, pois, quando cansado, suspirava, Ai! Deus! e nunca pronunciava o nome de Jesus. O crime ainda mais grave: reunia seus amigos, entre eles vĆ”rios membros da famĆ­lia Miranda, “para lerem livros”.27 No processo de Domingos Nunes, um sobrinho de Diogo Nunes Henriques, tambĆ©m encontramos interessantes informaƧƵes sobre o cotidiano dessa sociedade secreta mineira.

28 Foi emitida contra ele uma ordem de prisĆ£o, datada do ano de 1728, mas a InquisiĆ§Ć£o jĆ” estava Ć  sua procura desde o anos de 1726. SĆ³ foi encontrado 2 anos e 7 meses depois da ordem de prisĆ£o e entregue a InquisiĆ§Ć£o de Lisboa em 12 de outubro de 1730. Denunciaram-no 17 companheiros de negĆ³cios, que comerciavam com o Brasil e que foram todos presos: Gaspar Fernandes Ferreira, (ou Pereira), homem de negĆ³cios de Ouro Preto; Miguel da Cruz, homem de negĆ³cios que residia simultaneamente no Rio de Janeiro; Manuel Nunes da Paz, homem de negĆ³cios morador em Minas; Gaspar Henriques, mineiro da Bahia; Manoel Nunes Bernal, capitĆ£o de navio morador no Rio de Janeiro; JerĆ“nimo Rodrigues, tratante morador na Bahia; Joseph da Cruz Henriques, dizimeiro- mor, morador no RibeirĆ£o do Carmo; Joseph Rodrigues Cardoso, sem oficio, natural da Bahia e morador em RibeirĆ£o do Carmo; Diogo Nunes Henriques, homem de negĆ³cios, morador em Ouro Preto e tio de Domingos Nunes; AntĆ“nio da Fonseca Rego, lavrador de cana, natural de Pernambuco, morador em Paracatu; AntĆ“nio Rodrigues Campos, lavrador de mandioca, morador na Bahia; Diogo Dias CorrĆŖa, sem oficio, morador em Santos; Luiz Vaz de Oliveira, natural da Espanha e morador em RibeirĆ£o do Carmo; David Mendes da Silva, morador em Ouro Preto; Miguel Henriques, mercador em RibeirĆ£o do Carmo.

29 Os negĆ³cios internos que os cristĆ£os-novos faziam no Brasil obrigavamnos a viajar pelas mais distantes regiƵes, o que levou Ć  criaĆ§Ć£o de verdadeiras redes comerciais. Para isso precisavam de apoio e confianƧa, o que lhes vinha dos seus secretos amigos cristĆ£os-novos, mesmo sabendo que, se presos, todos se denunciariam, uns aos outros. O “judaĆ­smo” de que foi acusado Domingos Nunes deixa o historiador com enormes dĆŗvidas, mas parece que desde sua infĆ¢ncia fora doutrinado na fĆ© judaica. Tinha uma casa montada em Minas, para onde trazia “carregaƧƵes” com mercadorias diversas.
Cruzava continuamente diversas regiƵes da colĆ“nia, mantendo 171 contatos com os principais mercadores. Quando o puseram na tortura, Domingos acusou todos seus companheiros que viviam nas regiƵes de CaetĆ©, Cachoeira, Paraopeba, Congonhas, Vila Pitangui, arraial de AntĆ“nio Pereira, minas do Fanado, Serro Frio, Rio das Mortes, alĆ©m de muitos do Rio de Janeiro, Bahia, Santos. Domingos tambĆ©m procurou utilizar-se de diversas estratĆ©gias para salvar sua vida, mas acusaram-no os “espias” que haviam sido encarregados de vigiar seu cĆ”rcere durante 24 horas, de que havia “jejuado judaicamente”, olhando o cĆ©u e ter feito “gestos judaicos”. Ainda mais “de escrever algo secretamente numa taboa de seu estrado e logo apagar o que tinha escrito para que ninguĆ©m o lesse”. Domingos, depois de ter justificado todos seus atos, inclusive de nĆ£o ter comido no cĆ”rcere porque queria matar-se, acabou como todos os rĆ©us, confessando sua cumplicidade no crime de judaĆ­smo.
30 As diversas sociedades marranas secretas que se criaram em Minas Gerais acompanharam a rota do ouro. Em cada vila do ouro ou arraial que se fundava, organizavam-se imediatamente os encontros clandestinos. Essas reuniƵes secretas se realizavam principalmente em algumas casas de Ouro Preto, Tijuco (a zona dos diamantes), Rio das Mortes, RibeirĆ£o do Carmo. AĆ­ se articulavam os negĆ³cios e se confirmava a confianƧa e aĆ­ tambĆ©m se construiu, ao mesmo tempo, uma forƧa de resistĆŖncia aliada e um sentimento do mundo, que foi o Marranismo . Dessa sociedade subterrĆ¢nea faziam parte cripto-judeus, laicos, cĆ©ticos, homens que se identificavam nĆ£o sempre pela fĆ© ou comportamento, mas pela sua condiĆ§Ć£o de excluĆ­dos e por suas criticas Ć  religiĆ£o catĆ³lica. Essas sociedades secretas das Minas, com seus cripto-judeus e seus descrentes, nĆ£o foi um fenĆ“meno novo, mas a continuidade de um longo processo, jĆ” amadurecido depois de dois sĆ©culos de experiĆŖncias vividas e transmitidas no Brasil. Nasceu com a formaĆ§Ć£o dos primeiros nĆŗcleos populacionais, logo apĆ³s o descobrimento do Brasil, em S. Vicente, SĆ£o Paulo, na Bahia, em Pernambuco e se espalhou pela colĆ“nia a medida em que era desbravado o territĆ³rio e chegavam os novos colonos, aventureiros, fugitivos das perseguiƧƵes inquisitoriais de Portugal.

Uma vez desvendada a rota do ouro, os Inquisidores ordenaram que fossem procurados os moradores de origens judaicas, e as principais zonas visadas foram tambĆ©m as mais prĆ³speras, o Rio de Janeiro e Minas Gerais. Nesse mesmo tempo deu-se uma intensa busca de cristĆ£os-novos na ParaĆ­ba, sendo presos aproximadamente 49 lavradores, a maioria ligada Ć  produĆ§Ć£o de aƧĆŗcar. A perseguiĆ§Ć£o dos cristĆ£os-novos de Minas Gerais acompanhou o mesmo modelo adotado, durante os dois sĆ©culos anteriores, em todo impĆ©rio portuguĆŖs: atingiu aqueles cristĆ£os-novos cujos pais, avĆ³s, irmĆ£os jĆ” tinham passado pelos cĆ”r- 172 ceres de Lisboa, sendo que muitos pertenciam Ć s mais antigas famĆ­lias da colĆ“nia, aĆ­ jĆ” radicadas desde os sĆ©culos 16 e 17.

As prĆ”ticas judaicas em Minas Gerais mencionadas nos processos inquisitĆ³rias, aparecem revestidas de um forte simbolismo. As comunicaƧƵes secretas eram feitas muitas vezes atravĆ©s de cĆ³digos. De uma maneira geral as cerimĆ“nias eram as mesmas que as praticadas pelos cristĆ£os-novos em Portugal e na AmĆ©rica Espanhola ou em outras regiƵes do Brasil: vinham calcadas nas tradiƧƵes com algumas omissƵes e alguns sincretismos. Concentravam-se principalmente nos jejuns do Yom Kipur, na guarda do sĆ”bado, na comemoraĆ§Ć£o da PĆ”scoa e na festa chamada da “rainha Ester”, acompanhadas de algumas restriƧƵes alimentares.

A idĆ©ia de um Deus ƚnico, criador do Universo e as rejeiƧƵes da salvaĆ§Ć£o pela lei de Cristo, das imagens e da confissĆ£o, completam o quadro da religiosidade marrana. O principal divisor das Ć”guas entretanto foi a questĆ£o do Messias, que estudo em outro trabalho. Com Max Weber, podemos repetir que a necessidade religiosa dos marranos respondia a necessidade de uma compensaĆ§Ć£o. A memĆ³ria da histĆ³ria passada, do exĆ­lio da BabilĆ“nia atĆ© a InquisiĆ§Ć£o, acompanhada da promessa e esperanƧa de redenĆ§Ć£o, ofereceu aos portugueses de origens judaicas uma justificativa para existir e para o seu contĆ­nuo sofrimento.
O desejo de “pertencer” uniu crentes e laicos e perdurou durante 3 sĆ©culos, desafiando as mais pesadas ameaƧas erguidas pelo sistema polĆ­tico-religioso portuguĆŖs. A histĆ³ria dos cristĆ£os-novos em Minas Gerais, ao mesmo tempo em que apresenta similaridades com o fenĆ“meno marrano em Portugal e outras regiƵes do Brasil, contem algumas especificidades.
O seu estudo implica no conhecimento, tanto das peculiaridades regionais e conjunturais como da bagagem cultural que os portugueses trouxeram de suas origens judaicas. NOTAS 1 Os nomes dos 57 prisioneiros de Minas Gerais sĆ£o inĆ©ditos e foram microfilmados no ano de 1965, quando uma Bolsa da FundaĆ§Ć£o Calouste Gulbenkian me permitiu passar um ano pesquisando nos Arquivos Portugueses.
As cĆ³pias de alguns processos foram cedidas a alunos de pĆ³s-graduaĆ§Ć£o, na base das quais elaboraram suas dissertaƧƵes de Mestrado. A lista completa, com os nĆŗmeros de seus respectivos processos, constam do artigo de Novinsky, Anita “Marranos and the Inquisition on the Gold Route in Minas Gerais, Brazil” in The Jews and the Expansion of Europa to the West, 1450-1800” New York/Oxford: Bergham Books, Oxford, 2001, pp. 215-241 e tambĆ©m em Novinsky, Anita, Prisioneiros Brasileiros na InquisiĆ§Ć£o, Rio de Janeiro: ExpressĆ£o e Cultura, 2001. (a sair) 2SALVADOR, J. GonƧalves. Os cristĆ£os-Novos em Minas Gerais durante o Ciclo do Ouro. SĆ£o Paulo, Pioneira, 1992. 3 LIMA JĆŗnior, Augusto. A Capitania de Minas Gerais. Belo Horizonte: Itatiaia, 1978. 4 HabilitaĆ§Ć£o da Ordem de Cristo, Letra G, MaƧo 6, nĀŗ 66, apud SALVADOR, Op. cit. p. 7 nota 1. Existe uma denĆŗncia contra certo Garcia Rodrigues Paes Leme, datada do ano de 1796, por ter pre- 173 gado desobediĆŖncia a Igreja. InquisiĆ§Ć£o de Lisboa nĀŗ5529, Arquivo Nacional da Torre do Tombo, manuscrito. 5 InquisiĆ§Ć£o de Lisboa nĀŗ 6.515, Arquivo Nacional da Torre do Tombo, manuscrito. Veja BROMBERG, Raquel Mizrahi.
A InquisiĆ§Ć£o no Brasil: Um capitĆ£o–mĆ³r judaisante. SĆ£o Paulo: Ed. Centro Estudos Judaicos, USP ,1984. 6NOVINSKI Anita. InquisiĆ§Ć£o, InventĆ”rios de Bens Confiscados a CristĆ£os-Novos no Brasil – sĆ©culo XVIII. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1978, pp.223-224. 7 Sobre Manoel Nunes Viana, veja “o Processo de Miguel de MendonƧa Valladolid, InquisiĆ§Ć£o de Lisboa 9.973”. Lisboa, Arquivo Nacional da Torre do Tombo, manuscrito e Manuscritos nĆ£o catalogados “caixa 676, sĆ©culo XVIII, anos 1703 –1710, 29 janeiro 1710 e caixa 83, ano 1719. Lisboa, Arquivo HistĆ³rico e Ultramarino, manuscritos. Veja tambĆ©m SALVADOR, J. GonƧalves.
Os cristĆ£os- novos, op. cit., p. 11. 8 Um Tratado intitulado ItinerĆ”rio GeogrĆ”fico impresso na Tipografia de AntĆ“nio da Silva em 1732, de autoria de Francisco Torres de Brito, era clandestinamente distribuĆ­do e dava instruƧƵes de como chegar Ć s Minas. Uma cĆ³pia desse itinerĆ”rio encontra-se na John Carter Brown Library, Providence, Rhode Island. 9 O primeiro poeta que aparece na regiĆ£o das Minas, no sĆ©culo XVIII, Ć© AntĆ“nio Ferreira Dourado, preso pela InquisiĆ§Ć£o em Vila Boa de GoiĆ”s. Foi condenado no auto de fĆ© de 1761 a CĆ”rcere e HĆ”bito Penitencial a ArbĆ­trio dos Inquisidores. InquisiĆ§Ć£o de Lisboa, processo nĀŗ 6.268. Lisboa, Arquivo Nacional da Torre do Tombo, ms.
A InquisiĆ§Ć£o lhe confiscou 24 kg. de ouro. 10 Veja LEWKOWICZ, Ida. “Confiscos do Santo OfĆ­cio e formas de riquezas nas Minas Gerais no sĆ©culo XVIII”. In InquisiĆ§Ć£o. Ensaios sobre Mentalidade, Heresia e Arte. (org.) Anita Novinsky e Maria Luiza Tucci Carneiro. SĆ£o Paulo: ExpressĆ£o e Cultura/EDUSP, 1992, pp. 208-224. 11 InquisiĆ§Ć£o. Uma AvaliaĆ§Ć£o de Bens Confiscados a Judeus Brasileiros – sĆ©culo XVIII. Exemplar Ćŗnico, datilografado, oferecido pelo autor Ć  Anita Novinsky e nunca publicado. 12Idem. 13Idem. 14SALVADOR, J. GonƧalves.
Os Magnatas do TrĆ”fico Negreiro. SĆ£o Paulo: Pioneira, 1981. 15 NOVINSKY, Anita. InquisiĆ§Ć£o. Op. cit. 16Idem, pp. 157,168 e 247. 17PIJNING, Ernest. Controling Contraband: Mentality, Economy and Sociey in Eighteenth Century. Rio de Janeiro. Doctor Dissertation. John Hopkins University, 1997. 18Idem. 19NOVINSKY, Anita. Rol dos Culpados. Rio de Janeiro: ExpressĆ£o e Cultura, 1992. 20 NOVINSKY, Anita.”The Inquisition and the Mythic World of a Portuguese Cabalist in the 18th, century”. In Proceedings of the Eleventh World Congress of Jewish Studies. JerusalĆ©m, pp. 115-122, 1994. 21Sobre Diogo Correa do Valle, veja NOVINSKY, Anita.
“A InquisiĆ§Ć£o no Brasil, Judaisantes ex-alunos da Universidade de Coimbra”. In Universidade. HistĆ³ria. MemĆ³ria. Perspectivas. Actas do 4Āŗ Congresso de HistĆ³ria da Universidade, 7Āŗ centenĆ”rio. Coimbra, pp. 315-327, 1991. 22 Processo de LuĆ­s Miguel Correa. InquisiĆ§Ć£o de Lisboa nĀŗ 9.249. Arquivo Nacional da Torre do Tombo, ms. 174 23 Processo de Diogo Correa do Vale. InquisiĆ§Ć£o de Lisboa nĀŗ 821. Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Lisboa, ms.
24 Processo de Luis Miguel Correa, op. cit. 25 Veja MORIN, Edgard. Mes DĆ©mons. Paris: Ed. Stock, 1994, pp. 138-184 e NOVINSKY, Anita. “A critical Approach to the Historiography of Marranos in the light of New Documents”. In Studies on the History of Portuguese Jews from their Expulsion in 1947 through their Dispersion. co-ed. Israel Katz and M. Mitchell Serels, New York: The American Society of Sephardic Studies, 2000, pp. 107-118.
26 Processo de Diogo Nunes Henriques. InquisiĆ§Ć£o de Lisboa nĀŗ 7.487. Arquivo Nacional da Torre do Tombo, ms 27Idem. 28 Processo de Domingos Nunes. InquisiĆ§Ć£o de Lisboa nĀŗ 1779. Arquivo Nacional da Torre do Tombo, ms. 29Idem. 30Idem. 175 Artigo recebido em 06/2000. Aprovado em 11/2000.

Foi a falta de liberdade religiosa em portugal e a perseguiĆ§Ć£o a Judeus, que provocou a colonizaĆ§Ć£o do Brasil, veja os Processos inquisitĆ³rios contra Judeus de Minas gerais encontrados na torre de tombo em portugal,

Ser marrano em Minas Colonial Anita Novinsky

RESUMO
Baseado em 57 Processos inĆ©ditos de marranos (cristĆ£os-novos, conversos) presos em Minas Gerais no sĆ©culo XVIII, este artigo procura mostrar seu papel na Idade de Ouro do Brasil. 64% deles eram mercadores e 23% eram mineiros. Pertenciam Ć  classe mĆ©dia e raros eram os magnatas. Nenhum dele esteve envolvido no trĆ”fico negreiro. Acusados do crime de judaĆ­smo e de pertencerem a sociedades secretas, representaram 42% dos brasileiros condenados Ć  morte. Ser marrano entre os portugueses no Brasil mais um sentimento e uma visĆ£o de mundo do que uma prĆ”tica religiosa. Palavras-chave: marranos; InquisiĆ§Ć£o; cripojudaĆ­smo.

ABSTRACT Based on 57 unknown trials of marranos (new christians, conversos) arrested by the Inquisition in Minas Gerais in the XVIII the century, this article shows their role in shapping the history of Minas Gerais. 64% of them were merchants na 23% were miners. Most of them belonged to a middle class and rare were those whit great fortunes. No one of them were engaged in slave trade. Acused of judaism and of participating in secret society the marranos of Minas represented 42% of the Brazilian burned at the stake. Being a marrano in Minas Gerais was not always being a crypto-new. Marranism in Brasil was a feeling and a approach to life.
Keywords: marranos; Inquisition; cryptojudaism.

Ser marrano em Minas Colonial Anita Novinsky Universidade de SĆ£o Paulo Revista Brasileira de HistĆ³ria. SĆ£o Paulo, v. 21, nĀŗ 40, p. 161-176. 2001

Minas Gerais foi no sĆ©culo XVIII uma das regiƵes mais procuradas pelos cristĆ£os-novos portugueses. Cada nau que saĆ­a do Tejo trazia refugiados ou aventureiros cristĆ£os-novos para o Brasil. Tomando conhecimento da prosperidade da regiĆ£o, do afluxo do ouro e das possibilidades confiscatĆ³rias, a InquisiĆ§Ć£o ordenou uma persistente fiscalizaĆ§Ć£o e algumas dezenas de portugueses foram presos, acusados de praticar a religiĆ£o proibida: o judaĆ­smo. Alguns jĆ” estavam estabelecidos nas regiƵes aurĆ­feras desde o inĆ­cio do sĆ©culo.
Este artigo Ć© o extrato de um livro em elaboraĆ§Ć£o sobre os marranos em Minas Gerais. Procuro aqui dar algumas pinceladas a esse quadro multicolor que foi a sociedade marrana mineira. Os dados que apresento baseiam-se todos em pesquisas colhidas em manuscritos ainda inĆ©ditos, principalmente nos processos de 57 prisioneiros, 11 dos quais jĆ” tinham nascido no Brasil. Atualmente desenvolvo uma nova histĆ³ria sobre Minas, procurando analisar a sociedade nas suas dobras ocultas e dar a conhecer a origem judaica dos mineiros e seu comportamento, que fugia aos padrƵes obrigados pela Igreja. Quem foram os primeiros povoadores marranos de Minas, os fundadores das primeiras vilas do ouro, os construtores dos primeiros arraiais e principalmente o que pensavam? Que imagens do mundo transmitiam, como se explica de um lado a forte resistĆŖncia ao catolicismo e de outro seu completo desaparecimento? Somente a anĆ”lise minuciosa da documentaĆ§Ć£o manuscrita permitirĆ” desvendar o lado oculto da sociedade marrana brasileira, e corrigir mal entendidos e erros interpretativos. Ɖ lamentĆ”vel que a experiĆŖncia marrana no Brasil nĆ£o faƧa parte ainda dos livros de histĆ³ria e que continue totalmente ignorada pelos historiadores estrangeiros. Os cristĆ£os-novos ou marranos que desbravaram as selvas, cultivaram a terra, apresaram Ć­ndios, guerrearam os jesuĆ­tas, foram homens totalmente diferentes dos judeus de origem ashkenazi, assim como dos conversos sefaradins que se dispersaram pela ItĆ”lia, Holanda, FranƧa ,norte da Ɓfrica, Levante e outros lugares do mundo. Falar dos cristĆ£os-novos generalizando sua atuaĆ§Ć£o e sua mentalidade tem levado a uma concepĆ§Ć£o errĆ“nea do que foi o fenĆ“meno marrano, especificamente o brasileiro. Na primeira metade do sĆ©culo XVIII foram presos algumas dezenas de cristĆ£os- novos de Minas Gerais acusados de judaĆ­smo.1 Com exceĆ§Ć£o das profundas e exaustivas pesquisas genealĆ³gicas feitas por JosĆ© GonƧalves Salvador, a historiografia brasileira nada praticamente apresenta de cientĆ­fico sobre as atividades econĆ“micas e a vida cotidiana e social dos marranos em Minas Gerais.2 Eminentes historiadores brasileiros, por nĆ£o utilizarem as fontes inquisitoriais minimizaram ou ignoraram o papel que representaram os descendentes dos judeus na colonizaĆ§Ć£o do Brasil, tanto do ponto de vista econĆ“mico, como social e cultural.

A afirmaĆ§Ć£o de eminente historiador de que “raramente se encontravam em Minas Gerais processos contra cristĆ£os-novos por prĆ”ticas judaizantes,” precisa hoje ser reconsiderada.3 Existe uma numerosa documentaĆ§Ć£o sobre Minas Gerais nos arquivos do extinto Tribunal da InquisiĆ§Ć£o em Portugal, que revela uma presenƧa considerĆ”vel de colonos de origens judaicas, condenados por praticas religiosas ou por suas idĆ©ias. Afastados hĆ” mais de um sĆ©culo da cultura judaica e altamente assimilados, o estilo de vida aventureiro e violento dos marranos brasileiros diferencia-se fundamentalmente daquele vivido pelos judeus em outras regiƵes. Para dar um exemplo da atuaĆ§Ć£o dos cristĆ£os-novos ou marranos no contexto polĆ­tico e social mineiro, quero lembrar trĆŖs personagens de origens judaicas que se destacaram na vida polĆ­tica e administrativa: Garcia Rodrigues Pais, Miguel Telles da Costa e Manuel Nunes Viana. Garcia Rodrigues Pais era filho de FernĆ£o Dias Pais, o “caƧador de esmeraldas” ,e foi responsĆ”vel pela organizaĆ§Ć£o da primeira expediĆ§Ć£o desbravadora e fundadora de Minas Gerais, constrindo o chamado “Caminho Novo”, conhecido tambĆ©m como “Caminho do ComĆ©rcio”. 

Esse caminho abreviava consideravelmente a distĆ¢ncia do Rio de Janeiro, porto de onde afluĆ­am as principais mercadorias de Portugal para Ouro Preto. Em 1702, Garcia Rodrigues Pais Leme, em recompensa aos serviƧos prestados a Coroa foi nomeado “Guarda Mor Geral das Minas”, e obteve o tĆ­tulo de fidalgo da Casa Real, o que lhe conferiu tĆ£o grande prestigio que o levou a solicitar em 1710 sua admissĆ£o Ć  prestigiosa Ordem de Cristo. O ingresso lhe foi recusado por ser infamado de “cristĆ£o-novo por parte de sua avĆ³ materna”.4 A legislaĆ§Ć£o discriminatĆ³ria e o preconceito contra os descendentes de judeus chegou a atingir os portugueses e brasileiros atĆ© a 5ĀŖ e 6ĀŖ geraĆ§Ć£o. Temos poucas noticias sobre os sentimentos judaicos de Garcia Rodrigues Pais Leme, pois nunca foi preso pela InquisiĆ§Ć£o. Apesar de no Brasil a luta pela sobrevivĆŖncia ter abrandado as barreiras que separavam cristĆ£os-velhos dos cristĆ£os-novos, estes, devido Ć s suas crĆ­ticas Ć s imposiƧƵes econĆ“micas e ideolĆ³gicas da MetrĆ³pole eram vistos com desconfianƧa pela governanƧa portuguesa. Mas havia um fator decisivo que facilitava o ingresso dos cristĆ£os-novos nas elites locais: o volume de seus bens.

No Brasil podia-se, atravĆ©s da riqueza, “branquear a pele” e “apagar a mancha” do sangue judeu. O segundo personagem que nos primĆ³rdios da histĆ³ria de Minas exerceu importante cargo administrativo foi o capitĆ£o-mĆ³r Miguel Teles da Costa, sobre o qual temos numerosas notĆ­cias, pois foi preso pela InquisiĆ§Ć£o em 1713 e acusado de judaĆ­smo.5 O monarca portuguĆŖs o havia nomeado capitĆ£o-mor das vilas de Itanhaen, Ilha Grande e Parati. Era proprietĆ”rio de terras em Nossa Senhora do Carmo, sendo um dos primeiros povoadores da regiĆ£o. Fazia parte da socie-dade secreta de cristĆ£os-novos, constituĆ­da por um grupo de comerciantes e mineradores residentes no Rio das Mortes, entre os quais tambĆ©m encontramos o cristĆ£o-novo Francisco Matheus Rondon, guarda mor do Rio das Mortes. Miguel Teles da Costa foi preso no Rio de Janeiro juntamente com outros cristĆ£os-novos, acusados todos de serem adeptos da Lei de MoisĆ©s. Mercador de posses enviava produtos coloniais para seus sĆ³cios em Lisboa, sendo um deles seu irmĆ£o Francisco Mendes de Castro. Do Rio de Janeiro tambĆ©m mandava “carregaƧƵes” para as Minas Gerais, auxiliado por seu sobrinho Diogo Lopes Flores.

Em 1704 enviou 20 ou mais cargas de fazendas para o Rio das Mortes, regiĆ£o de onde se extraĆ­a grande quantidade de ouro. Tinha plantaƧƵes de milho e feijĆ£o, possuĆ­a escravos negros e cavalos, armas e diversos bens mĆ³veis, conforme consta de seu inventĆ”rio.6 Construiu sua residĆŖncia fixa em Rio das Mortes que depois transformou em estalagem, onde se abrigavam seus companheiros que vinham negociar nas Minas. Miguel Teles da Costa foi a principal autoridade da regiĆ£o, cuidava da defesa e supervisionava a entrada nas Minas, onde sĆ³ era permitida a penetraĆ§Ć£o com “licenƧa especial”. Em certa ocasiĆ£o foi “recriminado” por ter favorecido a entrada de “certas pessoas”, provavelmente cristĆ£os-novos ,”sem licenƧa”. Apesar de todo seu prestĆ­gio e de ter sob sua jurisdiĆ§Ć£o as terras mineiras, nĆ£o conseguiu fugir dos agentes da InquisiĆ§Ć£o que rondavam a regiĆ£o. Preso, levado aos cĆ”rceres inquisitĆ³rias, torturado, teve toda sua fortuna confiscada. Saiu em auto-de-fĆ© em Lisboa e morreu louco e indigente.

Um terceiro personagem, dos mais curiosos da histĆ³ria colonial, foi o cristĆ£o- novo Manuel Nunes Viana.7 Sobre sua personalidade violenta, estranha, paradoxal e seu envolvimento numa guerra civil com os paulistas pela posse das terras mineiras temos notĆ­cias detalhadas. Mas sobre suas crenƧas sabemos muito pouco .De origens judaicas, era amigo Ć­ntimo de Miguel de MendonƧa Valladolid, homem de negĆ³cios que percorria as rotas do comĆ©rcio SĆ£o Paulo, Rio de Janeiro, Minas, Bahia, ColĆ“nia do Sacramento, e que lhe ensinou as oraƧƵes judaicas. Nasceu em Viana do Castelo e fez fortuna na Bahia e Minas Gerais comerciando escravos e ouro. Em 1710 era proprietĆ”rio de vĆ”rias e lucrativas minas de ouro em CaetĆ© e outras regiƵes e tinha o monopĆ³lio do abastecimento de carne para as Minas Gerais. Foi lĆ­der, em 1708, da facĆ§Ć£o mineira na sangrenta “guerra dos Emboabas”. Participou em um verdadeiro massacre no CapĆ£o da TraiĆ§Ć£o, quando numerosos paulistas, cristĆ£os-novos e velhos, foram mortos.
Ficou conhecido na histĆ³ria do Brasil como o “Rei dos Emboabas”, e foi aclamado governador interino de toda regiĆ£o mineira. Apesar de suas desavenƧas com o Vice-Rei, recebeu Carta de MercĆŖ do Rei de Portugal pelos seus “relevantes serviƧos”. Excepcionalmente foi aceito na prestigiosa e elitista Ordem de Cristo nĆ£o obstante sua origem judaica, o que mostra a arbitrariedade com que se aplicavam as “leis de limpeza”. Manuel Nunes Viana, mal era alfabetizado mas tinha algumas ambiƧƵes culturais. Depois de vitorioso financiou, em 1728, a publicaĆ§Ć£o de um livro de Nuno Marques Pereira “CompĆŖndio do Peregrino da AmĆ©rica, obra que teve enorme sucesso. Consta que tinha uma biblioteca e tambĆ©m chegou a financiar a impressĆ£o de 3Āŗ volume das DĆ©cadas de Diogo do Couto. Manuel Nunes Viana vivia como muitos cristĆ£os-novos, dividido entre dois mundos. Num deles pronunciava as preces judaicas, no outro levava suas duas filhas para serem freiras em um convento de Lisboa.

A ocupaĆ§Ć£o do territĆ³rio em terras mineiras se processou diferentemente de outras regiƵes da AmĆ©rica. As oportunidades de enriquecer e ascender nas Minas eram muitas, mais fĆ”ceis e mais rĆ”pidas que na sociedade aƧucareira. Os cristĆ£os-novos espalhados por todo territĆ³rio brasileiro mantinham entre si uma ampla rede de comunicaƧƵes, e o fato de estarem dispersos pela AmĆ©rica e pelo mundo abriu-lhes uma frente para as transaƧƵes econĆ“micas com a qual os cristĆ£os- velhos dificilmente podiam competir. Portugal exercia um controle rigoroso sobre a regiĆ£o, principalmente devido ao intenso contrabando nos portos brasileiros e a massa de aventureiros estrangeiros que procurava chegar ao territĆ³rio sem licenƧa. Parece que os cristĆ£os-novos conheciam algumas facilidades para se chegar Ć s Minas.8 Nas regiƵes mineiras da Bahia, do Rio de Janeiro e de GoiĆ”s, cristĆ£os-novos estavam envolvidos nas mais diversas atividades. Compravam e vendiam escravos e gĆŖneros necessĆ”rios para os moradores, eram pecuaristas e abasteciam de carne toda a regiĆ£o. Trabalhavam na extraĆ§Ć£o do ouro, eram artesĆ£os, e havia entre eles alguns mĆ©dicos e advogados. Adquiriam livros e escreviam poemas.

9 Examinando os documentos referentes Ć s profissƵes e Ć  declaraĆ§Ć£o dos bens confiscados pela InquisiĆ§Ć£o aos cristĆ£os-novos em Minas Gerais, encontramos 23% dos condenados dedicando-se Ć  mineraĆ§Ć£o, sendo que 64% aparecem como comerciantes e 6% como agricultores.14 Os mais prĆ³speros cristĆ£os-novos do ponto de vista econĆ“mico, eram aqueles cujas atividades combinavam a mineraĆ§Ć£o, lavoura e o comĆ©rcio de escravos e mercadorias diversas. Em Ouro Preto por exemplo, no ano de 1740, as maiores fortunas se concentravam nas mĆ£os de cristĆ£os-novos que combinavam simultaneamente diversas ocupaƧƵes. Assim Ignacio Dias Cardoso vem mencionado como agricultor, negociante, mineiro e dono de plantaƧƵes de milho e feijĆ£o.

Era proprietĆ”rio de 2 engenhos possuindo extensƵes de terras nas quais explorava o mineral, chegando a acumular uma fortuna de 26;295$311 rĆ©is. Contudo, de um modo geral, sĆ£o poucos os cristĆ£os-novos que aparecem com fortuna comparĆ”vel Ć  do magnata Francisco Ferreira Izidro, que chegava a 10;709$000 rĆ©is ou de Manuel de Albuquerque e Aguilar, talvez o mais rico dos cristĆ£os-novos, com 57;330$000 rĆ©is.10 Uma avaliaĆ§Ć£o inicial e aproximada dos bens que foram confiscados aos cristĆ£os-novos condenados em diversas regiƵes do Brasil, baseada em 130 inventĆ”rios que publiquei, foi feita pelo infatigĆ”vel pesquisador sobre marranos, tragicamente desaparecido, FlĆ”vio Mendes de Carvalho.11 Os resultados que apresenta podem trazer alguma luz sobre as condiƧƵes financeiras de um certo nĆŗmero de marranos brasileiros: 78% dos 129 condenados que analisou, pertenciam Ć  classe media e apenas 5,4% eram grandes magnatas que contribuĆ­ram com 52% dos bens que foram confiscados, sendo que quase a metade do total proveio dos senhores de engenho. Parece, segundo essa avaliaĆ§Ć£o, que os mais ricos eram os cristĆ£os-novos que viviam na Bahia, seguidos pelos do Rio de Janeiro e em terceiro lugar vem os de Minas Gerais. Analisando apenas 129 casos, o patrimĆ“nio mĆ©dio, avaliado em ouro, que foi confiscado entre 1704 e 1761 por Capitania foi: Bahia – 48.846 gramas de ouro Rio de Janeiro – 44.927 gramas de ouro Minas Gerais – 35.850 gramas de ouro GoiĆ”s – 17.119 gramas de ouro Pernambuco – 5.484 gramas de ouro ParaĆ­ba – 2.646 gramas de ouro SĆ£o Paulo – 2.106 gramas de ouro12 O rei D. JoĆ£o V, durante seu reinado, recebeu uma renda de 379 toneladas de ouro provenientes do Brasil.13 O sistema que impulsionou a estrutura econĆ“mica na AmĆ©rica Lusitana foi, como sabemos, a escravidĆ£o.

O trĆ”fico de escravos tornou-se a atividade comercial mais rentĆ”vel na colĆ“nia e contratadores, autorizados pela Coroa portuguesa, traziam negros que jĆ” eram esperados por mercadores cristĆ£os-novos nos portos do Rio de Janeiro e Bahia. Nesses portos faziam seus carregamentos e os levavam para as Minas onde os revendiam, em geral a crĆ©dito. JosĆ© GonƧalves Salvador, que publicou um trabalho sobre os “magnatas do trĆ”fico negreiro” afirma que esses traficantes eram principalmente cristĆ£os-novos, mas nĆ£o apresenta nenhuma documentaĆ§Ć£o que prove essa constataĆ§Ć£o. Suas conclusƵes se apoiam apenas na evidĆŖncia dos nomes mais comuns entre os cristĆ£os-novos.14 Ɖ totalmente impossĆ­vel tirarmos qualquer conclusĆ£o sobre a origem cristĆ£-velha ou cristĆ£-nova dos luso-brasileiros baseando-nos em evidĆŖncia onomĆ”stica, uma vez que todos nomes dentre os cristĆ£os-novos encontram-se tambĆ©m entre os cristĆ£os velhos. Tomando ainda como fonte, dentre centenas de cristĆ£os-novos que foram presos no Brasil, apenas os bens declarados por cento e trinta cristĆ£os-novos, encontrei na primeira metade do sĆ©culo XVIII, vinte e cinco cristĆ£os-novos residentes ou assistentes nas Minas Gerais.15 Nenhum destes vinte e cinco cristĆ£osnovos declarou ser traficante de escravos. Constam como compradores , vendedores e transportadores de “carregaƧƵes” de uma regiĆ£o para outra do Brasil.
NĆ£o devemos confundir comerciantes de escravos com os “contratadores”, grandes capitalistas que faziam as viagens para a Ɓfrica em busca de negros, muitas vezes em barcos prĆ³prios ou atravĆ©s de agentes. Interessante que, tambĆ©m no Rio de Janeiro, entre os 71 cristĆ£os-novos por mim inventariados, nĆ£o encontrei nenhum que trouxesse carregaĆ§Ć£o de escravos de ultra mar. Apenas a Bahia aparece como exceĆ§Ć£o: entre vinte e um presos inventariados, trĆŖs traficavam negros da Ɓfrica: JosĆ© da Costa que ia buscĆ”-los em Angola e na Costa da Mina, AntĆ“nio Cardoso Porto, tambĆ©m chamado Belchior Mendes CorrĆŖa, que os trazia da Costa da Mina e TomĆ”s Pinto CorrĆŖa ,que trazia “carregaƧƵes” de negros de Angola mas que pertenciam a “vĆ”rias pessoas”.16 Os laƧos familiares eram condiĆ§Ć£o fundamental nas transaƧƵes comerciais realizadas pelos cristĆ£os-novos nas Minas. Os conhecidos mercadores Davi de Miranda, DamiĆ£o Rodrigues Moeda, Francisco Nunes de Miranda, JoĆ£o de Moraes Montesinhos, entre muitos outros, negociavam sempre ligados aos seus parentes.

A mobilidade dos cristĆ£os-novos na colĆ“nia brasileira foi freqĆ¼ente e ininterrupta. Apesar de encontrarmos famĆ­lias radicadas durante geraƧƵes nas mesmas regiƵes, de um modo geral a populaĆ§Ć£o cristĆ£-nova apresentava uma grande instabilidade. A vigilĆ¢ncia constante a que estavam expostos por parte dos agentes inquisitoriais, muitas vezes impedia a sua radicaĆ§Ć£o, mas foram tambĆ©m interesses econĆ“micos que os levavam a residir temporariamente em vĆ”rios lugares. Francisco Nunes de Miranda, por exemplo, tinha casa na Bahia, Rio de Janeiro e Rio das Mortes e fazia negĆ³cios com o magnata Francisco Pinheiro e com seu parente JosĆ© da Costa que trazia escravos da Costa de Marfim e Angola para o Brasil. Contrabando, fraudes, roubos era o cotidiano das Minas, mas no ano de 1725 seu grau foi alarmante. O prĆ³prio governador, D. LourenƧo de Almeida foi um infatigĆ”vel contrabandista de diamantes. Tanto cristĆ£os velhos como cristĆ£osnovos realizavam o trĆ”fico ilegal, que no tempo nĆ£o era visto como uma grave contravenĆ§Ć£o moral, mas comumente aceito nas prĆ”ticas comerciais e encarado como parte inerente das atividades metropolitanas e coloniais.

17 Na corte, nos mares, nos mercados, padres da Igreja, homens de Estado, mercadores, mineiros, senhores de engenho, lojistas, profissionais e artesĆ£os aceitavam a prĆ”tica do contrabando como algo inevitĆ”vel.18 A MetrĆ³pole procurou continuamente, sem 167 sucesso, controlar essas fraudes. As denĆŗncias eram graves, principalmente sobre uma “casa da Moeda” ilegal, clandestina, na qual aparece tambĆ©m envolvido o rico cristĆ£o-novo Manuel de Albuquerque Aguilar.

Apesar do estĆ”gio inicial em que se encontram as investigaƧƵes sobre a populaĆ§Ć£o cristĆ£-nova em Minas Gerais, podemos dizer que seu nĆŗmero foi relativamente alto, uma vez que incluĆ­a tambĆ©m os “assistentes” que residiam no Rio de Janeiro e na Bahia, mas que passavam longos perĆ­odos em Minas Gerais. No “Livro dos Culpados”, que Ć© a principal fonte para o conhecimento da populaĆ§Ć£o cristĆ£-nova no Brasil, encontramos anotados os nome de todos os cristĆ£osnovos suspeitos, denunciados ou que foram presos. Nele estĆ£o registrados 150 cristĆ£os-novos residentes ou assistentes em Minas Gerais.19 O nĆŗmero de cristĆ£os- novos em algumas cidades do Brasil ultrapassou o nĆŗmero de judeus que viviam em AmsterdĆ£ no perĆ­odo de sua maior efervescĆŖncia econĆ“mica e cultural. Mas devemos ter em mente, que somente Ć© possĆ­vel obter dados demogrĆ”ficos sobre cristĆ£os-novos em determinadas regiƵes do Brasil, atravĆ©s da contagem daqueles que foram presos pela InquisiĆ§Ć£o ou a ela denunciados como judaizantes. O nĆŗmero total serĆ” portanto sempre impreciso, pois a maior parte dos cristĆ£os-novos que vieram para o Brasil nĆ£o foram presos, e diluĆ­ram-se em meio a populaĆ§Ć£o brasileira. Em Minas Gerais arrolamos, atĆ© o presente, aproximadamente 500 cristĆ£os-novos entre denunciados e presos.

Analisando apenas 57 condenados de Minas Gerais temos o seguinte quadro: O maior nĆŗmero de prisƵes de cristĆ£os-novos foram feitas nos anos de grande produĆ§Ć£o aurĆ­fera 1728, 1729, 1730, 1732 e 1734, sendo seu nĆŗmero mais alto em 1728 e 1729 ,com 8 prisioneiros cada ano. No Brasil foram queimados 21 cristĆ£os-novos (2 em estĆ”tua e 19 em carne) .Entre os queimados em carne, 8 residiam ou “assistiam” em Minas Gerais, isto Ć© aproximadamente 42%. Dos prisioneiros do Brasil somente os acusados de judaĆ­smo receberam como sentenƧa a pena de morte. Foram queimados “em carne” em Minas Gerais :
1. Miguel MendonƧa Valadolid 1731 2. Diogo CorrĆŖa do Valle 1732 3. LuĆ­s Miguel CorrĆŖa 1732 4. Domingos Nunes 1732 5. Manoel da Costa Ribeiro 1737 6. LuĆ­s Mendes de SĆ” 1739 7. Martinho da Cunha Oliveira 1747 8. JoĆ£o Henriques 1748 168 Entre os 57 cristĆ£os-novos mencionados, nĆ£o incluĆ­ o judaizante cabalista Pedro Rates Henequim, queimado em 1748, que havia vivido 20 anos em Minas Gerais, porque as “investigaƧƵes de genere” o deram como cristĆ£o-velho, mas nĆ£o temos sobre sua origem, muita certeza.20 A histĆ³ria dos marranos de Minas Gerais, como de todo o Brasil, revela, como jĆ” escrevi, grande diversidade de comportamento, uma rebeldia frente a Igreja e uma Ć¢nsia de liberdade que se expressa tanto entre os que judaizavam como entre os laicos.

Examinando os processos de Diogo CorrĆŖa do Vale e seu filho Luiz CorrĆŖa, ambos presos em Minas Gerais, temos confirmada a opiniĆ£o do padre AntĆ“nio Vieira, sobre o funcionamento do Tribunal e a inocĆŖncia dos rĆ©us. Diogo nasceu em Sevilha e residia no Porto. Doutor em medicina pela Universidade de Coimbra, jĆ” viĆŗvo e devido Ć  prisĆ£o de vĆ”rios membros de sua famĆ­lia pela InquisiĆ§Ć£o, fugiu com o filho para o Brasil, onde se estabeleceu em Vila Rica de Ouro Preto. Foi preso em 12 de setembro de 1730, junto com seu filho Luiz Miguel CorrĆŖa.21 Numa carta enviada pelo familiar do Santo OfĆ­cio, Dr. LourenƧo de Valadares Freire aos senhores Inquisidores, datada de Vila Rica no ano de 1730, ficamos conhecendo os sentimentos de Luiz Miguel CorrĆŖa.
Quando o Tenente Martinho Alvarez o prendeu, murmurou: “dizem que o Santo OfĆ­cio Ć© reto, agora vejo que nĆ£o, porque prende aos homens inocentes.”22 Tanto Diogo CorrĆŖa do Vale como seu filho Luiz Miguel CorrĆŖa foram acusados de “judaizar”hĆ” mais de 20 anos , quando ainda viviam no Porto. Os Inquisidores nĆ£o conseguiram juntar nenhuma prova de judaĆ­smo contra ambos, durante os anos em que viveram em Minas.

A prisĆ£o de Diogo se deve a intrigas e antigas rivalidades de seus colegas do Porto e sobre divergĆŖncias que tinham quanto ao tratamento que devia ser dado aos doentes. Alguns amigos tentaram interceder a seu favor, confirmando sua reta conduta e sua caridade como cristĆ£o e como mĆ©dico, que “atendia doentes pobres sem cobrar”.

Diogo tambĆ©m tentou se defender afirmando, atĆ© o fim, serem falsas todas as acusaƧƵes, mas os Inquisidores nĆ£o alteraram sua sentenƧa de morte. Diogo insistiu ter sempre vivido na Lei de Cristo nela querendo morrer, mas o que foi decisivo na sua sorte foi sua origem judaica.

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  1. Boa noite! meu sobrenome Ć© "Cabral Barreira", por parte de pai Ć© "Lopes Barreira", de mĆ£e Ć© "Cabral de Almeida". O primeiro elemento desta famĆ­lia foi "Baltazar Lopes Barreira", portuguĆŖs, natural de BraganƧa, filho de "JosĆ© Lopes de Andrade" e "Ana de Assis Barreira", os membros normalmente casavam entre primos. Meu pai sempre afirmou que nossos antepassados eram judeus. Como comprovar essa heranƧa sefarad?

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