Jorge Mautner, compositor, e João Ricardo Moderno,
presidente da Academia Brasileira de Filosofia
presidente da Academia Brasileira de Filosofia
Ninguém tem o direito de impor ao outro de forma autoritária a sua religião ou o seu ateísmo. Conversão não é sequestro. Lançamos nosso “Manifesto pela Liberdade Religiosa” na homenagem ao centenário de Mario Schenberg, no Midrash Centro Cultural, com o apoio de Caetano Veloso e Gilberto Gil, e a repercussão foi imediata e nacional. A questão se mantém atual neste segundo turno das eleições. As liberdades formam um complexo, e a agressão contra uma religião implica na insegurança de todas.
A liberdade religiosa está diretamente ligada às liberdades civil, artística, cultural, econômica, política, filosófica, científica e de imprensa. Inquietos com a aceleração do crescimento da intolerância com os terreiros de candomblé, covardemente atacados por fundamentalistas, e conscientes de que todas as religiões são vítimas daqueles que se acham portadores exclusivos da palavra divina, nosso manifesto foi geral.
O fundamentalismo não é uma expressão legítima da liberdade religiosa, mas a lamentável patologia indicativa da ruptura do contrato social religioso, a partir da qual seres iluminados pelas trevas do irracionalismo procuram eliminá-la. Se a sociedade brasileira permitir o anoitecer da razão, os radicais passarão a destruir física ou simbolicamente pessoas, grupos e massas. Crime não é religião, assim como religião não é crime. O extremista é o profeta do ódio.
Defendemos o mais irrestrito respeito às religiões e manifestações religiosas na busca da paz interior e exterior, o direito à intimidade espiritual da pessoa humana individual, a preservação da integridade física e moral das pessoas, templos e instituições sem distinção, o cumprimento do direito religioso consignado na Constituição e nas leis, e à afirmação da identidade pessoal, sem ofender ou agredir as demais identidades da diversidade religiosa. Ao contrário, ninguém tem o direito de impor autoritária e totalitariamente ao outro a sua religião, ou o seu ateísmo, nem tampouco perseguir ateus. Conversão não é sequestro da alma.
Declaramos que todas as religiões sérias buscam a santidade humana, a pureza do coração, a prática da bondade e da solidariedade, a defesa da vida e do sagrado, e que as manifestações de violência, homicídio, terrorismo e demais formas contrárias à dignidade da pessoa humana individual são práticas liberticidas e sacrocidas. O fanatismo religioso é uma expressão da mente criminosa que se organiza em milícias, e funciona como uma máfia, o crime organizado que instrumentaliza a religião como fachada.
A paz é a condição sine qua non da legitimidade religiosa, e necessária ao diálogo permanente, visando à arquitetura espiritual de uma sociedade humanista, justa e fundada no perdão mútuo. Os homens que se sentem mais divinos que Deus estão a serviço da barbárie. Deus é amor.
Publicado em O Globo