(extraído de TEMPO FUTURO, do Rabino Lord Jonathan Sacks)
Minha ligação com Israel não é política, mas religiosa. Essa é a terra onde o judaísmo nasceu, há quase quatro milênios, quando Abrahão e Sara começaram sua jornada. O judaísmo, por sua vez, deu origem ao cristianismo e ao islamismo, que se declaram, de modo literal ou metafórico, descendentes de Abrahão e Sara.
Hoje existem 120 países em que a maioria da população é cristã. Há 57 países-membros da Organização da Conferência Islâmica. Há apenas um Estado judeu, um país minúsculo, que corresponde a um quarto de um por cento da extensão territorial do mundo árabe.
Israel fez coisas extraordinárias. Absorveu imigrantes de 103 países, falantes de 82 línguas. Transformou uma paisagem desértica em campos e florestas. Desenvolveu técnicas agrícolas e médicas de ponta e criou uma das economias high-tech mais avançadas do mundo. Produziu grandes poetas e romancistas, pintores e escultores, orquestras sinfônicas, universidades e institutos de pesquisa.
Teve papel de destaque no renascimento das grandes academias talmúdicas destruídas na Europa Oriental durante o Holocausto. Onde quer que haja um desastre humanitário, Israel, se autorizado, é um dos primeiros a enviar ajuda. Compartilha suas tecnologias com outros países em desenvolvimento. Sob imensa tensão, mantém a democracia, liberdade de imprensa e um judiciário independente – segundo alguns, independente demais.
Se meu bisavô, bem como George Eliot, pudesse ver as suas conquistas, dificilmente acreditaria. Na verdade, eu mesmo quase não acredito quando estudo a história judaica e começo a perceber como era a vida dos judeus quando Israel não existia. Para mim, mais do que qualquer outra coisa, Israel é um testemunho vivo da força do seguinte mandamento de Moisés:
“Escolhe a vida.”
Vinte e seis séculos atrás, em exílio na Babilônia, Ezequiel teve a mais assombrosa de todas as visões proféticas. Viu um vale de ossos secos, um amontoado de esqueletos. Deus lhe perguntou: “Filho do homem, porventura estes ossos poderão viver?” Ezequiel respondeu: “Deus, somente Tu o sabes.” Então os ossos se uniram, criaram carne e pele, começaram a respirar e reviveram. Deus disse em seguida: “Filho do homem, estes ossos são toda a casa de Israel.
Eis que dizem: ‘Nossos ossos estão secos, nossa esperança está perdida [avdá tikvatênu].’ Portanto, profetiza e diz-lhes: ‘Assim falou o Eterno: Meu povo, Eu abrirei as vossas sepulturas e vos tirarei de lá, e vos levarei de volta à terra de Israel’” (Ezequiel 37:1-14).
Era a essa passagem que Naftali Herz Imber fazia alusão quando escreveu, em 1877, na canção que viria a ser o hino nacional de Israel, Hatikvá, a frase od lo avdá tikvatênu, “nossa esperança ainda não está perdida”.
Ele jamais imaginaria que, setenta anos depois, um terço do povo judeu teria se tornado um vale de ossos secos em Auschwitz e Treblinka. Quem poderia então ser censurado por dizer “Nossos ossos estão secos, nossa esperança está perdida”?
Contudo, apenas três anos depois de ver-se face a face com o anjo da morte, o povo judeu, proclamando o Estado de Israel, fez uma vigorosa afirmação da vida, como se tivesse escutado, através dos séculos, o eco das palavras de Deus a Ezequiel: “Eu vos levarei de volta à terra de Israel.”
Virá o dia em que a história de Israel na época moderna representará, não só para os judeus, mas para todos os que creem no poder do espírito humano quando busca a Deus, um símbolo eterno da vitória da vida sobre a morte, da esperança sobre o desespero. Israel fez uma terra estéril reflorescer.
Fez uma língua antiga, o hebraico da Bíblia, tornar a falar. Rejuvenesceu a religião mais velha do Ocidente. Trouxe uma nação devastada de volta à vida.
Há mais de um século, um jovem judeu da Lituânia, meu bisavô, construiu uma casa numa terra jamais antes cultivada, e os colonos lhe deram um nome extraído de um versículo do livro de Oseias em que Deus diz:
“Transformarei o vale da aflição num portal de esperança.”
Esse continua sendo o sonho judaico.