ANITA WAINGORT NOVINSKY*
Há um mistério em torno da vida de Raposo Tavares. Foi o verdadeiro
explorador de um continente mas, em seu tempo, totalmente ignorado.
Pesquisas recentes acrescentaram um fato novo à história dos bandeirantes: a origem judaica de Antônio Raposo Tavares.
Natural do Alentejo, Raposo foi criado pela madrasta, Maria da Costa, em
uma casa onde se praticavam as cerimônias e festas judaicas
clandestinamente. Maria foi presa pela Inquisição, juntamente com vários
membros da família, e confessou sob tortura seu judaísmo secreto.
Raposo Tavares chegou em São Paulo aos 18 anos, com seu pai e um irmão.
Em 1628, atacou as reduções jesuíticas, expulsou os jesuítas do
Paraguai, fez recuar a expansão castelhana e apossou-se das terras, que
foram incorporadas ao Brasil. Descrentes e iconoclastas, os bandeirantes
demoliam as igrejas, quebravam as imagens sagradas e matavam os
jesuítas.
A historiografia brasileira tem atribuído a fúria devastadora com que os
bandeirantes se lançaram contra as reduções jesuíticas a motivações
econômicas, como a posse dos índios e a busca de metais preciosos. Sem
excluir esses interesses, um mergulho nos documentos revela que uma
forte razão ideológica os movia, pois quase todos os bandeirantes tinham
membros da família nos cárceres inquisitoriais.
De fato, o Tribunal do Santo Ofício da Inquisição de Lima já funcionava
desde 1570, e exatamente entre 1635 e 1639, no auge das Bandeiras, foram
condenadas por ele 80 pessoas, 64 das quais por judaísmo.
Os jesuítas do Brasil já eram cúmplices da Inquisição portuguesa desde
que esta enviou ao país, em 1591, a primeira visitação. Toda
correspondência dos inquisidores referente à prisão dos hereges
brasileiros era enviada ao provincial da Companhia de Jesus.
Nessas cartas, os paulistas eram apontados como "judeus encobertos",
"falsos cristãos" e acusados dos crimes mais vis. E nas crônicas
jesuíticas, os bandeirantes, além de judeus, eram chamados de corsários,
facínoras, bestas e feras.
Felipe 6º ordenou ao vice-rei do Brasil que Raposo Tavares fosse
entregue à Inquisição. Um acaso impediu que o bandeirante fosse preso e
morresse queimado: eclodiu então a revolução que separou Portugal da
Espanha e a ordem ficou sem efeito.
Em 1647, Raposo Tavares partiu para a maior expedição de descobrimento
de todo o mundo. Um dos seus mais surpreendentes resultados foi
conhecer, pela primeira vez, a extensão da América do Sul. Raposo
Tavares dilatou o Brasil e foi o descobridor de um continente. Júlio de
Mesquita Filho o caracterizou como "o herói de uma das mais famosas
façanhas de que guarda memória a história da humanidade".
Há um mistério até hoje não desvendado em torno da vida de Raposo
Tavares. Entre 1642 e 1647, seu nome não aparece nas atas da Câmara e em
nenhum documento. Foi o verdadeiro explorador de um continente mas, em
seu tempo, totalmente ignorado. Jaime Cortesão, o famoso historiador
português, chama esse fato de "conspiração do silêncio" e pergunta: onde
esteve Raposo durante esses anos e como explicar esse silêncio? Até que
ponto está relacionado à sua origem judaica?
Na verdade, não sabemos qual foi a dimensão de seu judaísmo. Sabemos que
Raposo Tavares, questionado sobre qual lei o autorizava a se contrapor
aos jesuítas, respondeu: "A lei que Deus deu a Moisés". E sabemos,
principalmente, que ele representou os contestadores dos regimes de
opressão e do fanatismo.
Além de explorador, foi um revolucionário, um político e um idealista.
Cortesão ergueu Raposo Tavares ao pedestal dos homens que construíram o
Brasil.