por Sheila Sacks
Se as regras não
mudarem, em pouco tempo as vitrines das livrarias da Alemanha voltarão a exibir
um best-seller da década de 1930 (12 milhões de livros editados até 1945),
banido desde o final da 2ª Grande Guerra por força da derrocada nazista.
Previsto,
inicialmente, para entrar em domínio público em 2015, 70 anos após o suicídio
de seu autor, o tresloucado e pernicioso livro Mein Kampf (“Minha Luta”),
de Adolf Hitler, vai estar à solta, de volta à luz do dia em um arremedo de
situação que jamais deveria se repetir se houvesse um mínimo de prudência a
capitanear as ações das autoridades competentes. Afinal, ressuscitar
oficialmente um espectro macabro que o sentido comum já ajuizou que melhor seria
permanecer socado em sua tumba é como dar de ombros a um passado medonho ou
mesmo cutucar a fera com vara curta.
Por conta dessa
escandalosa liberação, intelectuais germânicos já se movimentam para elaborar
uma edição comentada do livro de Hitler, com um tipo de enfoque que classificam
de abordagem crítica, ou seja, a de procurar explicações que
“desmistifiquem” a ideologia antissemita da matança hedionda e seletiva
instituída por um estado civilizado. A provável publicação imediatamente
distinguida com a terminologia de acadêmica (uma espécie de palavra
mágica que funciona como salvo-conduto) ganhou o aval do secretário geral do
Conselho Central dos Judeus da Alemanha, Stephan Kramer, que julgou menos
danoso colocar na praça esse arrazoado infame acrescido de análises
psicossociológicas e políticas à publicação de uma edição normal do texto, sem
comentários.
No entanto, considerando
que o livro também será distribuído nas escolas, talvez o bom senso recomendasse
questionar um pouco mais essa resolução administrativa que pode se constituir
em uma bomba relógio prestes a explodir mais adiante. Comodidades à parte, a
luz vermelha está acesa e é preciso estar atento e mobilizado para manter essa
obra no limbo, tratando-a como uma exceção às normas vigentes devido ao seu
excepcional caráter sórdido e nocivo. E nesse caso específico, a liberdade de
expressão, mesmo sob suspeita, não deveria servir de pretexto para a circulação,
sob carimbo oficial, de surradas apologias discriminatórias que achincalhem
povos e raças.
Um Nietzsche edulcorado para as multidões
No rastro dessas
novidades pouco alvissareiras para um futuro próximo, a terra das
fábulas e dos contos de fada dos irmãos Grimm também lançou, no início de 2010,
uma coletânea de textos que procura recriar as ideias filosóficas de Friedrich
Nietzsche (1844-1900), enxergando pacifismo, tolerância, admiração aos judeus e
até uma suposta guinada ao pensamento social de esquerda daquele que foi o
filósofo inspirador da política sanguinária de Hitler. O organizador da obra Nietzsche-Lexikon,
o alemão Cristian Niemeyer, selecionou mais de 400 artigos de uma centena de
autores identificados por ele como “bons leitores” do filósofo, aqueles que em
sua opinião buscam entender a sutileza das ideias de Nietzsche, “sem falseá-las
com interpretações pessoais”.
Fazendo coro com
outras pesquisas similares, Niemeyer exime Nietzsche de apadrinhar o nazismo e
imputa a má fama à irmã do filósofo que segundo ele se apoderou do acervo
literário do irmão, adulterando textos, cartas, a autobiografia, enfim, confundindo os seus pensamentos
e a sua obra.
Acometido por
uma doença mental que o tirou de circulação - a partir de 1889 e até a sua
morte, onze anos depois -, Nietzsche tornou-se conhecido e celebrado justamente
por seus conceitos de supremacia de raça (super-homem), aniquilamento dos
fracos, desprezo às massas e rejeição ao Estado social, à democracia e à
religião. Conceitos firmados, explicados e desenvolvidos por Nietzsche muito
antes de seu colapso mental e da alegada intromissão da irmã. Segundo ainda
Niemeyer, uma das vantagens de se entender o filósofo é que essa compreensão
“pode ajudar as pessoas a viver de uma maneira aberta num mundo sem deus”.
Trocado em miúdos, a filosofia de Nietzsche funcionaria como um excitante
elixir para todos que se julgam “para além do bem e do mal”, título, aliás, de
um dos livros mais ilustrativos de Nietzsche publicado em 1886.
Filósofo queria os judeus fora da Alemanha
No livro em
questão, Nietzsche doutrinava: ”Não se permita o ingresso de outros judeus na
Alemanha! E que lhes sejam fechados principalmente o império do Oriente e
também a Áustria, eis o que diz claramente a voz do instinto universal, da qual
preciso ouvir o aviso.”
No entender do
filósofo, a Alemanha no século 19 já tinha judeus em número suficiente para
causar indigestão. “O alemão vai demorar muito para digerir a quantidade
de judeus que atualmente está provido, como já o fizeram os italianos, os
franceses, os ingleses, graças a sua digestão mais robusta.” E prosseguia,
explicativo, dissertando sobre os dois tipos de moral que percebia serem bem
característicos em diferentes indivíduos. Para ele existia a moral dos senhores
e a moral dos escravos, sendo que essa última seria essencialmente utilitária.
Nietzsche imputava aos judeus, “povo nascido da escravidão”, a iniciativa de
levaram a cabo uma miraculosa inversão de valores, como a de transformar o
pobre em santo e o forte em mau.
Nietzsche se
insurgia contra o que ele denominava de “virtudes passivas” (humildade,
resignação, prudência, paciência, segurança) e acusava os judeus pelo que
chamava de “insurreição dos escravos” no campo da moralidade. Em oposição à
moral dos fortes (a dos senhores nobres e aristocratas), o Judaísmo havia
criado, por um ato de vingança espiritual, uma moral servil, de culpabilidade,
ressentimento e pecado. Um “antimundo” para justificar o sofrimento dos fracos,
doentes e oprimidos.
Dizia Nietzsche
que “a religião tem a inestimável vantagem de tornar os homens vulgares
satisfeitos da sua própria posição, proporcionar-lhes paz ao coração, enobrecer
a sua obediência, confortá-los e contribuir para transfigurar a sua monótona
existência”. E concluía que “o que pode ser desfrutado em comum, é sempre coisa
de baixo valor”.
Ideias delirantes e degeneração psicológica
Para o cofundador
do movimento sionista (retorno a Sion), o médico e escritor húngaro Max Nordau
(1849-1923), a originalidade de Nietzsche consistia na inversão tola e pueril
da maneira racional de pensar. Em sua obra “Degeneração” (Entartung),
publicada em 1892, ele dedica um capítulo ao filósofo alemão, afirmando que seu
escritos exibem uma série de ideias delirantes provenientes de ilusões da razão
e de processos orgânicos patológicos, comparáveis aos manuscritos dos doentes
mentais que os psiquiatras devem ler, não por prazer, mas para prescreverem a
internação do autor em um hospício.
Segundo Nordau,
que exerceu a psiquiatria em Paris, degenerados psicológicos combinam
relativismo moral com egoísmo, carecendo de sentido moral para distinguir o bem
do mal e não apresentando sentido de indignação diante do sofrimento das
pessoas.
Outro respeitado
escritor, filósofo, matemático e pacifista, o inglês Bertrand Russel
(1872-1970), também questionava a sanidade de Nietzsche, classificando os seus
escritos de “meras fantasias de poder de um homem doente”. Prêmio Nobel de
Literatura em 1950, Russel justificou essa aversão no épico História da
Filosofia Ocidental: “Eu não aprecio Nietzsche porque os homens a quem ele
admira são os conquistadores, cuja glória está na habilidade de motivar os
homens a matar.”
Nesse
sentido Hitler foi um aluno aplicado de Nietzsche que fazia troça do sofrimento
alheio. Em um de seus aforismos, o filósofo chegou a afirmar que “é preciso ter
grande força de imaginação para poder sentir compaixão”. Quanto aos grandes
vilões da história, na visão de Nietzsche estão todos alforriados porque não se
deve julgar o passado. “A injustiça da escravidão, a crueldade na sujeição de
pessoas e povos não devem ser medidas pelos nossos critérios(...) Do mesmo modo
a Inquisição tinha as suas razões.”
Hitler distribuía livros de Nietzsche para os soldados
Idolatrado pelo
líder nazista, que se considerava a própria encarnação do super-homem
(Übermench) do livro “Assim falou Zaratustra” (escrito entre 1883 e 1885),
Nietzsche também era oferecido como leitura educativa aos soldados alemães. O
veterano jornalista alemão Peter Scholl-Latour, de 88 anos, conta que os
militares nazistas liam Zaratustra nas frentes de batalha para se
sentirem mais motivados. Imbuídos da ideia de que eram seres superiores,
posicionados muito além da moral vulgar das multidões, da gente comum, dos
inferiores e débeis, julgavam-se senhores do mundo, uma nova raça de gigantes
que imporia a sua vontade de poder sobre uma massa impotente e submissa.
Situação
semelhante já ocorrera na Primeira Grande Guerra (1914-1918) e de acordo com outro
grande admirador de Nietzsche e membro oficial do partido nazista, o filósofo
alemão Martin Heidegger (1889-1976), “na Alemanha ou se era contra ou a favor
de Nietzsche”. Aliás, esse envolvimento declarado de Heidegger com o nazismo (
escrevia discursos para Hitler e colaborou para a expulsão de professores
judeus da Universidade de Freiburg, em 1933 ) motivou o filósofo francês
Emmanuel Faye, 56 anos, a propor a remoção das obras de Heidegger das
bibliotecas de filosofia. Em seu livro Heidegger, l'introduction du
nazisme dans la philosophie (2005), Faye afirma que a obra do
alemão está seriamente comprometida com a doutrina nazista.
Fotos mostram
culto do ditador nazista a Nietzsche
A admiração de Hitler por
Nietzsche também foi destacada pelo jornalista e escritor norte-americano
William Shirer (1904-1993) em sua majestosa obra Ascenção e Queda do III Reich. “Frequentemente Hitler visitava o museu de Nietzsche em
Weimar e demonstrava publicamente a sua veneração ao filósofo posando para
fotos em que aparece fitando com admiração a imagem daquele que considerava um
grande homem", escreveu Shirer.
Em seu livro “Hitler as nobody knows him”, publicado em 1933 (meio milhão de exemplares vendidos até 1938), o fotógrafo pessoal de Hitler, o alemão Heinrich Hoffman, incluiu uma foto do ditador ao lado da escultura de Nietzsche com a seguinte legenda: “O führer em frente ao busto do filósofo alemão, cujas ideias fomentaram dois grandes movimentos populares: o Nacional Socialismo na Alemanha e o Fascismo na Itália.”
Falecido em 1957, Hoffman detinha os direitos autorais sobre os retratos oficiais de Hitler usados em selos postais e escritórios do governo e foi em sua loja de material fotográfico que o líder nazista conheceu Eva Braun, ajudante de Hoffman. Amante de Hitler por quatorze anos, eles casaram-se algumas horas antes do suicídio de ambos, em 30 de abril de 1945.
Judaísmo é o oposto de tudo que Nietzsche propagou
Recentemente,
o rabino-chefe da comunidade judaica britânica, Sir Jonathan Sacks, de 64 anos,
foi bastante incisivo em sua condenação aos conceitos do filósofo alemão. ”Particularmente
considero Nietzsche uma total antítese dos valores judaicos. Eu não vejo
relevância no fato de que, vez ou outra, ele encontrou coisas agradáveis para
dizer sobre os judeus. Um homem que expressou desprezo pela compaixão e pela
ajuda ao próximo; desprezo pela bondade, tolerância, perseverança, humildade e
amizade, demonstrou isso sim, o tempo todo, o que o Judaísmo não é.”
Liderando
desde 1990 as Congregações Hebraicas Unidas da Commonwealth e autor de duas
dezenas de livros de temática judaica traduzidos em vários idiomas (Teremos
Netos Judeus?, A Dignidade da Diferença, Uma Letra da Torá), o rabino Sacks
– alçado à categoria de lord em 2009 - radicaliza em se tratando de Nietzsche.
“Li seus escritos para saber que o Judaísmo é oposição nessa batalha, agora e
para sempre.”
Citando
a odisséia do Êxodo, o religioso lembra que há 33 séculos o Judaísmo se mostrou
como uma voz revolucionária ao enfrentar o poder supremo do faraó para resgatar
os indefesos. “As religiões do mundo antigo eram justificativas do status
quo. Explicavam por que os ricos e poderosos tinham de ser ricos e
poderosos. O Judaísmo mudou essa concepção. A liberdade começa quando
partilhamos nosso pão com os outros. Em Pessach (a Páscoa Judaica) lemos: Este
é o pão da aflição que nossos ancestrais comeram no Egito. Deixe que todos os
famintos venham e comam.”
(do blog da autora, em 25 de março de 2010)
Que loucura,onde esses judeus alemães estão com a cabeça ao acahr isso correto?
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