Há momentos da história que a força bruta, a crueldade opressiva, o
preconceito e a insensatez dos homens vingam sobre a humanidade, gerando
guerras sangrentas e de efeitos irreversíveis. Adeus, Meninos (Au Revoir les Enfants),
escrito, produzido e dirigido por Louis Malle, é um filme que com
sensibilidade expressiva, mostra um desses momentos negros da história, a
Segunda Guerra Mundial.
Filme de 1987, Adeus, Meninos é o retrato de uma França ocupada
pelos nazistas, dividida entre os que resistiam à ocupação e os que a
aceitavam passivamente, até colaborando com os invasores, delatando e
denunciando vizinhos, amigos e patriotas.
No meio do preconceito gerado pela insanidade nazista, esteve a
perseguição e o extermínio ao povo judeu. O filme de Louis Malle traz
uma história delineada em fatos reais, vividos pelo diretor aos 12 anos,
quando ele estudava em um colégio carmelita perto de Fontainebleau.
Traz a Segunda Guerra Mundial como pano de fundo, mas o cenário é um
colégio católico, internato de crianças ricas francesas.
A amizade de
Julien Quentin (Gaspard Manesse) e Jean Bonnet (Raphael Fejto), o
primeiro, um menino cristão de família rica, o segundo um menino judeu
refugiado no colégio para fugir à perseguição nazista, comove pela sua
ingenuidade juvenil, sincera diante de tempos de preconceito e
obscuridade. O perigo é iminente, mas a amizade de ambos suaviza o
fantasma devastador da guerra.
Mesmo diante da tragédia que se instalará
a qualquer momento, há tempo para a descoberta da amizade, da
adolescência que assim como os nazistas, está à porta, da
intelectualidade da vida, das diferenças culturais e, principalmente, do
grande amor fraterno que une as pessoas em momentos de penúria e
perigo. Mesmo diante de uma temática com um fim pungente, Louis Malle
constrói uma história forte e lírica, com uma sensibilidade ímpar e
delicada, sem em momento algum se prostrar diante do melodrama, sem
recorrer ao sentimentalismo óbvio, fazendo do filme um dos melhores da
década de 1980, e um dos melhores do cinema francês de todos os tempos.
Amizade Nascida à Sombra da Guerra

No
inverno francês de 1943-44, a França está completamente ocupada pelas
tropas de Hitler, sendo os seus habitantes submetidos ao poder nazista,
sofrendo grandes dificuldades por conta dessa ocupação. A Segunda Guerra
Mundial está em sua plenitude.
É neste cenário histórico movido pela
guerra que nos surge Julien Quentin, menino de 12 anos, filho de uma
rica família do norte da França. Após as festas natalinas em casa, ele
retorna ao colégio interno católico de St. Jean-de-la-Croix, lugar que
considera tedioso, de uma rotina asfixiante, onde a maioria dos colegas
lhe tem animosidade, pois Julien leva os seus estudos a sério, recebendo
elogios dos professores. Oitenta meninos estudam no colégio, numa época
de inverno, enfrentam não só o frio rigoroso, mas os bombardeios, a
opressão dos nazistas, a falta de abundância de comida, até mesmo o
mercado negro que controla os produtos essenciais.
Julien sente a falta de casa. Suas aulas parecem sem novidades até o
padre Jean (Philippe Morier-Genoud), o diretor, aceitar três novos
alunos. Entre os novos está Jean Bonnet, da mesma idade e turma que
Julien.
O entediado Julien fica intrigado com Bonnet, por sua introspecção e
assim como ele, também marginalizado pelo resto da classe. Se a
princípio os dois não se dão bem, com o tempo eles se aproximam, criando
um ínfimo vínculo próximo da amizade.
Estreitados laços entre dos dois meninos, uma noite Julien descobre que
Bonnet usa um solidéu e faz uma oração em hebraico. A revelação é
simples, Bonnet é judeu, ele e vários outros meninos do colégio são
acolhidos pelos padres para protegê-los da perseguição dos nazistas,
evitando que sejam enviados como prisioneiros para os campos de
concentração. A descoberta de Julien não o afasta de Bonnet, não
influencia a amizade de ambos, pelo contrário, a sensação do perigo
envolvendo o segredo, une-os ainda mais.
O Católico e o Judeu em Tempos da Ocupação Nazista

Feita
a revelação do segredo de Bonnet, são delineados o motivo e as
personagens do filme.
Julien é católico, filho de uma tradicional
família francesa, dono de uma excepcional força de personalidade e
carisma, que emprestará ao solitário companheiro. Bonnet é judeu, a
condição diante da guerra acentua-lhe a inteligência e a disciplina como
vertentes de sobrevivência, é apaixonado por livros, por onde tenta
decifrar o mundo dos adultos. Bonnet está no colégio com nome falso e
foragido, vivendo no limiar de uma situação de pânico
Se Julien vive a saudade da família, que viu recentemente no natal,
quando esteve em casa, com Bonnet não acontece o mesmo. O pequeno judeu
está sozinho, perdera a direção da família, levada pelos nazistas, não
sabe do paradeiro dos entes queridos, mas a platéia que assiste ao filme
desconfia, pois sabe da existência dos campos de concentração da
história.
Na força que traz a amizade de Julien, Bonnet vence a solidão, voltando a
ser ele mesmo, resgatando sonhos juvenis, de uma infância que se esvai
diante de uma adolescência que se desponta. A inocência infantil
dilacerada pela crueza da guerra, é devolvida diante da amizade dos
dois. Por alguns instantes, em meio a um tempo asfixiante, tornam-se
dois meninos normais, sonhadores, donos de uma beleza de personalidades
ímpares, longe do cenário da guerra.
A história cresce diante da visão de dois jovens, nas sensações que
vivenciam, na metamorfose da criança para o adolescente. Juntos, Julien e
Bonnet visitam, às escondidas, a sala de música; lêem secretamente o
livro “Arabian Nights”, procuram com afinco um tesouro nas matas aos arredores do colégio.
Louis Malle relata com rara beleza a amizade profunda de Julien e
Bonnet, sem esquecer em momento algum a época de medo que se vive,
repleta de angústias e incertezas. Não nos deixa distrair que se vive em
um mundo transformado pela guerra, dos efeitos devastadores que ela
trouxe para as pessoas que faziam parte daquele tempo. Esta sensação é
captada pelo expectador, que sente as tensões humanas vividas pelas
personagens, traduzidas pelas sombras da adolescência e da guerra, aqui
indivisíveis. Malle não relata um filme de guerra, mostra-nos uma
história de amizade passada durante a guerra e o preço que se paga
diante dela.
O Adeus aos Companheiros

A
amizade entre Julien e Bonnet é breve, mas intensa, definitiva, como
todos os grandes acontecimentos que envolvem a infância. É esta infância
perdida em todos nós, que acentua tão bem o filme, que faz dele uma
comovente e nostálgica ode à amizade, que será interrompida bruscamente,
mediante a denúncia de um rancoroso empregado do colégio à Gestapo,
revelando-lhes que ali havia a presença de crianças judias.
A partir daí o desfecho é inevitável, quase uma tragédia anunciada. Se a
crueldade da guerra e os efeitos de uma nação ocupada são apenas
sugeridos, a partir da denúncia, elas tornam-se paradoxalmente mais
onipresentes do que se Malle trouxesse imagens explícitas.
Julian e Bonnet serão cruelmente afastados, quando soldados nazistas
invadem o colégio, prendendo Bonnet, dois alunos judeus e o padre Jean,
diretor responsável pelo internato.
Neste momento dramático final, quase
que se respira a tragédia, que é captada com extrema delicadeza por
Malle através dos olhares e silêncios repletos de significados.
Trejeitos arrancados dos atores revelam a indignação sugerida, a
opressão sem limites, e, finalmente, a perda da inocência. Julien, ao
ver o seu amigo ser levado pelos nazistas, já não é a criança inocente
de outrora, entra definitivamente na adolescência. Bonnet, ao lançar um
olhar de despedida para Julien, é definitivamente arrastado pela guerra,
a caminho de uma morte que não se vê, mas que bem é sabido, aconteceu a
milhares de judeus. É o momento silencioso de Bonnet dizer adeus.

No pátio, as crianças estão alinhadas, ao ver o padre Jean e os três meninos conduzidos pelos nazistas, começam a gritar: “Au revoir, seg. Pére (adeus, senhor padre)”, ao que ele responde: “Au revoir les enfants. A bientôt!”.
Revela-se o eufemismo do título. Numa narrativa final, um Julien mais
velho, conta que jamais se esqueceu daquele dia, que das três crianças
enviadas para os campos de concentração, nenhuma sobreviveu, assim como
padre Jean. Encerra-se uma obra-prima do cinema, e como diriam alguns
críticos, de um grande humanista.
Um Filme Humanista

Adeus, Meninos
é um dos mais belos filmes de todos os tempos. Louis Malle viveu esta
história aos 12 anos, levou 43 anos para conseguir contá-la diante dos
ecrãs do cinema. Com grande sensibilidade, a sua memória não se esqueceu
em momento algum de reproduzir os encantos da infância e as amizades
nela feita, mesmo diante de situações de hostilidade política e opressão
ideológica.
O filme é um encontro da própria França com a sua história, um acerto de
contas de uma nação que ocupada pelos nazistas de 1940 a 1944, teve
grande parte da sua população a colaborar com os invasores, perseguindo e
delatando muitos que fizeram parte da resistência. O próprio cinema
francês, vê no filme de Malle uma análise de consciência do seu povo,
numa época dúbia do comportamento de muitos patriotas que, em nome da
sobrevivência, perderam a identidade de uma nação e renderam-se aos
invasores, muitos por medo, outros tantos por simpatia ao regime de
Hitler.
A beleza do filme de Louis Malle está em um roteiro bem estruturado,
numa esmerada e natural direção de fotografia de Renato Berta, numa
direção afiada e competente, além de um excelente elenco, que trouxeram
interpretações simples e contidas, mas encantadoras. É o filme de
estréia no cinema da bela Irène Jacob, então com 21 anos, que se
tornaria a musa de Krzysztof Kieslowski.
Adeus, Meninos concorreu e ganhou vários prêmios por todo o
mundo, entre eles: o Leão de Ouro no Festival de Veneza de 1987;
concorreu ao Oscar de melhor filme estrangeiro, perdendo para o não
menos belo “A Festa de Babette”; ao Globo de Ouro, também como
melhor filme de língua estrangeira; arrebatou sete Prêmios César, na
França, entre eles o de melhor filme e o de melhor diretor.
Merecidamente galardoado com vários prêmios, é um dos mais belos filmes
de todos os tempos, conseguindo ser poético ante a um ambiente inóspito
de guerra. Sua atmosfera nostálgica vai além do lirismo que se emana,
fazendo-o grandioso, sem ser uma grande produção. Um filme humanista.
Ficha Técnica:
Adeus, Meninos

Direção: Louis Malle
Ano: 1987
País: França, Alemanha Ocidental
Gênero: Drama
Duração: 103 minutos / cor
Título Original: Au Revoir les Enfants
Roteiro: Louis Malle
Produção: Louis Malle
Música: Franz Schubert e Camille Saint-Saens
Direção de Fotografia: Renato Berta
Desenho de Produção: Willy Holt
Direção de Arte: Willy Holt
Figurino: Corinne Jorry
Edição: Emmanuelle Castro
Estúdio: Stella Films / MK2 Productions / NEF Filmproduktion / Nouvelles Éditions de Films
Distribuição: Orion Classics
Elenco: Gaspard Manesse, Raphael Fejto, Francine
Racette, Stanislas Carré de Malberg, Philippe Morier-Genoud, François
Berléand, François Négret, Peter Fitz, Pascal Rivet, Benoît Henriet,
Richard Lebouef, Xavier Legrand, Irène Jacob
Sinopse: França, inverno de 1944. Julien Quentin
(Gaspard Manesse) é um garoto de 12 anos que freqüenta o colégio St.
Jean-de-la-Croix, que enfrenta grandes dificuldades devido a Segunda
Guerra Mundial. Lá ele se torna o melhor amigo de Jean Bonnet (Raphael
Fejto), um introvertido colega de classe que Julien posteriormente
descobre ser judeu. A tragédia chega à escola quando a Gestapo invade o
local, prendendo Jean, outros dois alunos e ainda o padre responsável
pelo colégio.
Louis Malle

Louis
Malle, francês, grande diretor de cinema, nasceu em Thumeries, a 30 de
outubro de 1932. Formou-se em Ciências Políticas, na Sorbonne, mas foi
no cinema que se revelaria para a França e para o mundo. No início da
carreira foi assistente de Robert Bresson e de Jacques Cousteau, com
quem dirigiu o documentário O Mundo do Silêncio, vencedor da Palma de Ouro em Cannes, em 1956.
Por possuir um estilo diferente da geração de cineastas de seu país que
formavam a nouvelle vague, Malle conviveu à margem, sendo rejeitado por
Claude Chabrol, Jean-Luc Godard, Eric Rohmer e Françoise Truffaut.
Louis Malle dirigiu trinta longas-metragens, construindo uma carreira
cinematográfica sólida, retratando filmes com temas polêmicos, críticos
aos valores burgueses do século XX. Conseguiu emoldurar as angústias
sociais humanas geradas por um século dividido entre guerras e
revoluções de costumes. Nos seus filmes encontramos temas como o
suicídio (Trinta Anos Esta Noite, 1963), a liberação feminina (Os Amantes, 1958), o incesto (O Sopro no Coração, 1971) e a pedofilia (Menina Bonita, 1978). Suas obras sofreram cortes da censura, algumas causaram constrangimentos os seus compatriotas, como Lacombe Lucien.
Louis Malle foi um dos poucos diretores franceses bem sucedidos em
Hollywood. Foi casado com a atriz Candice Bergen. Morreu em Beverly
Hills, EUA, em 23 de novembro de 1995, vítima de um câncer.
Filmografia de Louis Malle:
1953 – Crazeologie
1954 – Station 307

1956 – Le Monde du Silence (O Mundo do Silêncio) – Co-Direção com Jacques Cousteau
1958 – Ascenseur pour l’Échafaud (Ascensor para o Cadafalso)
1958 – Les Amants (Os Amantes)
1960 – Zazie dans le Mètro (Zazie no Metro)
1962 – Vie Privée (Vida Privada)
1962 – Vive le Tour
1963 – Le Feu Follet (Trinta Anos Esta Noite)
1964 – Bons Baisers de Bangkok (TV)
1965 – Viva Maria!
1967 – Le Voleur (O Ladrão Aventureiro)
1968 – Histoires Extraordinaires
1969 – L’Inde Fantôme
1969 – Calcutta
1971 – Le Souffle au Coeur (O Sopro do Coração)
1974 – Place de la République
1974 – Humain, Trop Humain
1974 – Lacombe Lucien
1975 – Black Moon (Lua Negra)
1976 – Close Up
1977 – Dominique Sanda ou Le Revê Éveillé (TV)
1978 – Pretty Baby (Menina Bonita)

1980 – Atlantic City
1981 – My Dinner with André (Meu Jantar com André)
1984 – Crackers
1985 – Alamo Bay (A Baía do Ódio)
1986 – God’s Country (TV)
1986 – And the Pursuit of Happiness (TV)
1987 – Au Revoir, les Enfants (Adeus, Meninos)
1990 – Milou en Mai (Loucuras de Primavera)
1992 – Damage (Perdas e Danos)
1994 – Vanya on 42nd Street (Tio Vânia em Nova York)
Infelizmente estamos novamente à beira de tragédia como essa .Não somente no Brasil com o governo comunista tentando implantar uma ditadura do proletariado.Mas também em todo o planeta com movimentos anti -Israel tentando abolir o tenue equilíbrio existente .
ResponderExcluirQue D'us proteja a todos .