A exemplo do que acontece no Japão, Israel revela-se como um forte mercado para a música popular brasileira
Cinthya Oliveira - Repórter - 9/05/2011 - 03:30
LIOR HADAS/DIVULGAÇÃO
Roda de choro dos grupos Chorolê e Sambadobom: bar Einstein Ben-Gurion
Que os japoneses, europeus e norte-americanos são importantes consumidores de música brasileira não é novidade para ninguém. Mas você sabia que os israelenses também são apaixonados pela nossa cultura? Que Tel Aviv e Jerusalém abrigam rodas de choro e apresentações de MPB cotidianamente?
A presença da música brasileira em Israel é o mote do documentário que está sendo realizado por Felipe Ivanicska, de 23 anos. Estudante de Comunicação Social da UFMG, o rapaz está fazendo intercâmbio na Bezalel Academy of Arts & Design, em Jerusalém.
Para desenvolver o vídeo, ele está entrevistando artistas daqui que vivem em Israel, outros que passam por lá em suas turnês internacionais, além de israelenses que têm alguma relação especial com música brasileira - como o dono de um bar que até fala português perfeitamente e uma mulher que agendou com uma banda de bossa nova para seu casamento, antes mesmo de acertar com o salão de festas.
"Eles adoram a alegria, o suingue da música brasileira. É tradição: eles viajam por um ano, depois de terminarem o serviço no exército ( obrigatório para homens e mulheres ), e os destinos preferidos são Índia e Brasil", conta Ivanicska.
O documentarista ficou surpreso com o número de versões em hebraico para canções feitas no Brasil. Isso permite que os israelenses desejem conhecer as gravações originais.
"Por aqui, o que se conhece melhor é Tom Jobim, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Djavan, Gal Costa e Dorival Caymmi. Os israelenses também gostam muito de capoeira, há vários grupos no país, e, em Tel Aviv, o funk carioca e o axé já estão chegando", diz o documentarista.
Esse conhecimento sobre a música feita entre os anos 1960 e 1980 se deve, especialmente, às rádios israelenses, que, há 40 ano,s inseriam os brasileiros em suas programações constantemente. Para se ter uma ideia, em 1974, a emissora Kol Israel criou o programa "O Mar", em que tocava apenas composições de Dorival Caymmi - cantado em diversas vozes.
Com ajuda da Embaixada Brasileira, o rapaz conseguiu fazer um levantamento de artistas brasileiros que se apresentam nas principais cidades do país judaico. Entre eles estão Elisete Retter (cantora negra que faz sucesso com um repertório baseado em MPB), Bá Freyre (que já tocou com Tom Zé), Bossa Trio (samba), Tucan Trio (concertos de violões) e a banda Swing Tropical.
Um dos projetos mais interessantes encontrados por Ivanicska é uma reunião de três brasileiros e três israelenses. Essa turma criou duas bandas: Chorolê, para rodas de choro e gravação de CDs, e Sambadobom, para tocar samba de raiz em festas e bares. "Impossível saber onde começa uma banda e termina outra, além de todo mundo ter carreira solo", explica.
Mesmo com tantas diferenças culturais entre Israel e Brasil, o estudante consegue apontar algumas semelhanças na maneira com que os jovens dos dois países encaram o consumo da música. "Há os carros tocando música mizrahi alto, como nossos queridos playboys com carros turbinados. Para um ouvido pouco treinado, soa com o que a gente chamaria no Brasil de música 'árabe', mas é algo tradicional judaico. A música eletrônica é ouvida até tarde, da mesma forma que no Brasil, mas na rua ninguém ousa ouvi-la alta por respeito".
Já a principal diferença está na indústria fonográfica. Se no Brasil há algumas dezenas de gravadoras e milhares de músicos e bandas independentes, em Israel há um pequeno número de artistas renomados, que cobre a maior parte do mercado de discos e shows. A cena independente é quase inexistente, de acordo com Ivanicska. O estudante produz seu documentário e banca os custos do intercâmbio contando com a bolsa que recebe da Fundação Mendes Pimentel, da UFMG. Nascido em São João del Rei e órfão aos 13 anos, Ivanicska aprendeu desde cedo que o vídeo pode ser uma importante fonte de renda - além de expressão artística. O rapaz chegou a trabalhar em quatro lugares diferentes, ao mesmo tempo, para juntar o dinheiro necessário para custear os estudos em Jerusalém.
"Existe algo que é imponderável, da alma"
Felipe Ivanicska tem procurado conversar com todos grandes artistas brasileiros que têm passado por Israel. Confira trechos da entrevista que o documentarista fez com Gilberto Gil em Tel Aviv, em 18 de Abril de 2011. Na ocasião, o artista fez uma apresentação ao lado do filho Bem Gil e do violoncelista Jaques Morelenbaum para 2.800 pessoas. O show fazia parte da turnê internacional "Gilberto Gil String Concert".
Felipe - Por que você acha que a música brasileira é tão popular aqui em Israel?
Gil - Da música pan-americana, é a mais popular aqui. Houve um tempo que, nas rádios aqui, tocava mais música brasileira do que americana. Há uns 20 anos, mais ou menos. Tel Aviv e Jerusalém eram as cidades que traziam o maior número de artistas brasileiros para o exterior. E a rádio tocava muito... eu acho que ainda toca! Isso teve muita influência dos brasileiros vindos para cá, pois Israel é um país formado por imigrantes. Os brasileiros davam à vida israelense uma atmosfera mais alegre.
Geralmente, quando a música brasileira é exportada, é empacotada. Os estrangeiros recebem aquilo, gostam, mas fica por isso mesmo, sem transformação...
Aqui e no Japão, não. Eles têm uma curiosidade muito grande sobre a música brasileira. O samba carioca, a música da Bahia, a bossa nova, música nordestina... Japão e Israel são os dois países onde mais se vê a diversidade da música brasileira. Pelo menos dos países que eu conheço. E olha que eu já andei bastante por aí!
Na sua opinião, quais os fatores que fazem com que aqui em Israel haja essa receptividade única?
Houve uma onda de exportação da música brasileira, quando os brasileiros começaram a vir mais frequentemente para o exterior. Com mais frequência e com mais variedade de estilos. Eu acho que tem a ver com isso e também tem algo que a gente não pode saber, pois é imponderável, é do intangível, é alma, é espírito...
E essa é uma terra com uma espiritualidade muito forte...
Nessa região tudo é assim, é isso. É uma região marcada por uma vontade profunda de viver. A cultura da doação, da informação. Isso é o livro, a Bíblia, a base, a Torá. A base da civilização judaica é o contato, o intercâmbio. Tem muito a ver com essa natureza da alma judaica e o Brasil também é uma terra assim.