WikiLeaks: vazamentos mostram que solução do conflito israelense-palestino não garante estabilidade

WikiLeaks: vazamentos mostram que solução do conflito israelense-palestino não garante estabilidade

magal53
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Revelações como a consulta israelense aos presidentes palestino, Mahmoud Abbas, e egípcio, Hosni Mubarak, antes da violenta ofensiva à Faixa de Gaza em dezembro de 2008 e até as propostas sauditas para criar uma frente árabe contra o grupo xiita Hezbollah no Líbano causaram poucas surpresas no Oriente Médio. 

Entre as milhares de correspondências diplomáticas expostas pelo WikiLeaks, um telegrama enviado de Riad a Washington pelo assessor de contraterrorismo da Casa Branca, John Brennan, em 22 de março de 2009, no entanto, revela um fato decisivo, que o Ocidente parece insistir em ignorar: a região dona das maiores reservas de petróleo do planeta está imersa, cada vez mais, em conflitos internos motivados por questões étnicas, religiosas, velhas disputas de poder e, é claro, interesses econômicos. Um verdadeiro caldeirão para quem imagina que a expressão "paz no Oriente Médio" se resume à solução do conflito israelense-palestino. 

"O maior erro do Ocidente é ver o Oriente Médio e o mundo árabe como um bloco uníssono, e o conflito israelense-palestino como seu coração 
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O telegrama de Brennan relata um encontro com o rei Abdullah, da Arábia Saudita. Sem titubear, o monarca dispara: "Uma solução para o conflito árabe-israelense seria uma grande conquista, mas o Irã encontraria outras maneiras de causar confusão." 

O rei, que também defendeu uma ação militar contra o Irã, alegando ser necessário "cortar a cabeça da cobra", contou ainda que, num encontro descrito como "acalorado" com o então chanceler iraniano Manoucherh Mottaki, quis saber qual a motivação de Teerã, xiita, em dar apoio ao grupo islâmico Hamas, sunita, na Faixa de Gaza. Mottaki alegou que o interesse era pelo fato de serem muçulmanos. Ao que Abdullah rebateu: "Não, árabes. Vocês, persas, não têm nada que interferir em assuntos árabes". 

- Embora majoritariamente muçulmanos, árabes, persas e até turcos reacenderam uma intensa disputa. O sectarismo entre xiitas e sunitas está mais vivo do que nunca. Estados árabes conservadores, como Egito e Arábia Saudita, temem que Irã ameace o status quo estabelecido em 1979, quando a Revolução Islâmica derrubou o xá e fez os EUA mudarem de lado, perdendo Teerã como aliado - disse ao GLOBO o editor da revista "The Middle East Report", Chris Toensing. 

Nova classe média influenciará região
E compreender todas essas disputas exigirá mais atenção do Ocidente na incansável busca pela paz. Em outro documento enviado a Washington pela embaixada em Damasco, em 20 de dezembro de 2009, diplomatas americanos mencionam funcionários do governo sírio garantindo que o presidente Bashar al-Assad havia rejeitado apelos do Irã para que o país lutasse, ao lado de iranianos e do Hezbollah, em caso de conflito com Israel. 

- O maior erro do Ocidente é ver o Oriente Médio e o mundo árabe como um bloco uníssono, e o conflito israelense-palestino como seu coração. Essa batalha mexe com o emocional no mundo muçulmano, mas são a disputa de poder entre xiitas e sunitas, os interesses econômicos e o status regional que ditam a pauta de relações bilaterais. A Síria, por exemplo, apesar de suas posições anti-Israel, sabe que uma guerra contra os israelenses seria o fim de Bashar al-Assad, um ditador, representante de uma minoria, a alauíta - explica Toensing. 

A luta pelo poder reaparece em outro telegrama polêmico, de 2008, no qual o ministro da Defesa do Líbano, Elias al-Murr, cristão, aliado do bloco pró-Ocidente 14 de Março, revela planos de, em caso de guerra, "deixar o Exército do Líbano em suas bases até que o Hezbollah seja destruído. É um problema do Hezbollah, não do Líbano". O pequeno país, aparece - rivalizando com Iraque - como palco da maior disputa entre sunitas e xiitas. 

Mais um lembrete da complexidade pode ser notado na mensagem em que diplomatas americanos em Jeddah relatam as festas selvagens de famílias abastadas, movidas a sexo e drogas na ultraconservadora Arábia Saudita. Um sinal de que o surgimento de uma nova classe média, com nível universitário, interessada em sucesso e status, terá grande impacto no Oriente Médio nos próximos anos. 

"A grande batalha da região não será acerca da religiosidade, mas do capitalismo. Assim como o Renascimento criou o mundo moderno, não foi a intolerância ao teocentrismo e à religião que causou a transformação, mas o comércio", compara o escritor paquistanês Vali Nasr, em seu livro "Forças da fortuna, a ascensão da nova classe média muçulmana". 

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O incentivo à democracia será decisivo, pois a queda de regimes autoritários pode dar lugar a governos radicais e alimentar fundamentalistas 
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A questão mais delicada da atualidade, para Toensing, é o Iraque - considerado, à época de Saddam Hussein, um velho e eficaz "tampão" anti-influência iraniana. Segundo Toensing, os países vizinhos temem que o governo xiita de Nuri al-Maliki não seja forte o bastante para controlar seu vasto estoque de petróleo e conter uma Teerã cada vez mais disposta a transformar-se numa potência regional, nuclear, islâmica, que aspira à mesma imponência do antigo Império Persa. Essas ambições, aliadas aos temores que regimes autoritários têm de perder o poder, poderiam moldar um novo Oriente Médio num futuro próximo - com ou sem paz entre Israel e os palestinos. 

- O incentivo à democracia será decisivo, pois a queda de regimes autoritários pode dar lugar a governos radicais e alimentar fundamentalistas. O Egito é um caso clássico. Por que goza do apoio dos EUA quando se sabe da corrupção de Hosni Mubarak? Porque ele é um tampão à Irmandade Muçulmana. Mais do que uma solução para o Estado da Palestina, é preciso admitir que as políticas americanas e europeias para o Oriente Médio ignoraram as realidades da região. Sem levá-las em conta, de que paz estamos falando? - sentencia Toensing. 

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