"A cozinha hebraica é um mundo à parte, ou melhor, são tantos mundos diversos que se falam por meio dos sabores e das longas preparações, mas sem nenhum mistério."
A opinião é da escritora e tradutora italiana Elena Loewenthal, em artigo publicado no jornal La Stampa, 03-09-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto e revisada pela IHU On-Line.
Eis o texto.
Mesmo que ambas sejam concentrados de instinto e de prepotência afetiva, há uma sutil diferença entre a mãe italiana e a judaica (tradicionalmente chamada yidishe mame e fornecida com uma ampla mitologia totalmente verdadeira). Enquanto a primeira ameaça o menino inapetente com um simples: "Se você não terminar o prato, eu te mato", a segunda usa uma arma muito mais sofisticada e insidiosa: "Se você não comer, eu me mato...".
Velhas frases à parte, a comida, desde sempre, representa para a mulher hebraica não apenas uma atividade cotidiana, mas também e principalmente uma arma – inócua e profícua – para marcar a identidade. Porque comer "à la judaica" não é um ato puramente material nem hedonista: é uma declaração de pertencimento, um exercício de memória e um ato de obediência à lei.
A Bíblia, e particularmente a Torá (isto é, o Pentatêuco), se delonga sobre o regime alimentar, explicando a Moisés e aos israelitas o que é lícito comer e o que não. Amplas digressões sobre carnes – sim a animais com o casco fendido e ruminantes, isto é, bovinos e ovinos, não a porcos, cavalos ou águias, não a insetos, répteis e anfíbios e a tudo o que, vivendo na água, não seja bem claro o que é (moluscos e crustáceos, por exemplo).
Esclarecimentos humanitários – proibido comer o cordeiro cozido no leite de sua mãe – que se transformam em uma genérica proibição de consumir carne e laticínios na mesma refeição. Regras para o respeito das primícias e do repouso das culturas nos campos.
A cozinha hebraica é marcada por uma vastidão de limitações. Mas foram justamente os vínculos que atraíram a fantasia e despertaram o talento da dona de casa que, destrincando-se nessa selva de proibições, soube criar nos quatro cantos do mundo não uma, mas milhares e diversas cozinhas judaicas, ricas de sabores e de perfumes.
E hoje o público pode novamente dispor daquela que é considerada a Bíblia da cozinha hebraica em italiano ou, para ser mais precisa, o nosso Artusi [grande livro de receitas italiano] (no sentido dos judeus): Giuliana Ascoli Vitali-Norsa, "La cucina nella tradizione ebraica" [A cozinha na tradição hebraica] (Ed. La Giuntina, 416 páginas).
O livro será publicado no dia 5 de setembro, por ocasião da Jornada Europeia da Cultura Hebraica, que, neste ano, tem como fio condutor o tema da arte. Não é nada por acaso, tratando-se de comidas nas suas mais variadas declinações, que abrangem bolos de peru (antiga receita piemontesa) ao celebérrimo Gefillte Fish (almôndegas de peixe polonesas), das bolinhas de pães ázimos à la Shakshuka (amassadas com ovos e verduras à la magrebina), dos doces de Páscoa à alcachofra frita.
A comida hebraica é, de fato, tão delimitada pelas proibições quanto capaz de se difundir na geografia física e humana: em todos os lugares em que chegou, a diáspora de Israel absorveu usos, sabores e ingredientes. Os judeus da Europa Central, exterminados pelo nazismo, alimentavam-se com bortsch [sopa de beterraba] e guisados, gengibre e a inevitável gelatina de pé de vitelo com ricas doses de alho.
Do outro lado do Mediterrâneo, nas meses judaicas, chegavam, pelo contrário, arroz com uvas passas, grandes verduras recheadas, cuscuz de mil maneiras. Este último, depois, aportou em Livorno ao longo das rotas comerciais que uniam o Mare Nostrum [Mediterrâneo] e estabeleciam cômodas rotas de comunicação entre as comunidades hebraicas. Por isso, como relata o Artusi, há séculos os judeus toscanos comem o cuscuz e o preparam ao seu modo.
Por meio da comida, a mãe hebraica distribui aos seus próprios filhos e a todos os comensais gostosas lições de história, que se repetem todos os anos com o ciclo das festas e das comidas que as marcam. Começando pelo pão: ázimo e chato na Páscoa, mas doce, inchado e macio como a hallah" na mesa do Sábado, em memória da oferta da flor de farinha que se oferecia no Templo de Jerusalém.
A cozinha hebraica é um mundo à parte, ou melhor, são tantos mundos diversos que se falam por meio dos sabores e das longas preparações (bem diferente do fast food!), mas sem nenhum mistério. Mesmo sendo vivido durante milênio dentro dos muros dos guetos, é uma janela aberta que não tem segredos a guardar ciumentamente, mas sim infinitas histórias que são contadas, como nesse precioso livro, de uma receita à outra.