Parte norte pode ser devolvida ao Líbano, irritando os moradores.Nesta longínqua vila, dividida por uma das fronteiras internacionais mais tensas, a localização não é apenas uma questão imobiliária. Ela determina em qual país você mora.A vila, um grupo de casas em tons pastéis num vale enganosamente sereno, fica numa volátil junção onde os rivais regionais Israel, Líbano e Síria se encontram. Ela controla fontes vitais de água, acima do Rio Hasbani e das nascentes do Wazzani.
Ghajar possui uma história complicada, adaptando-se ao instável mapa das conquistas territoriais e espremida entre Israel, que atualmente controla a vila, e seus inimigos, incluindo o grupo libanês militante xiita Hezbollah.
Agora, potências internacionais interessadas em estabilizar a região estão pressionando por outra mudança na situação de Ghajar para devolver a parte norte ao Líbano, irritando os moradores.
“São pessoas simples que querem viver e ganhar a vida com dignidade”, disse Najib Khatib, o porta-voz oficial da vila.
“Queremos que a vila permaneça unida” em seus 1.133 hectares de terra para agricultura, explicou ele.
O capítulo mais recente da saga da vila teve início com a retirada de Israel do sul do Líbano, em 2000. A Organização das Nações Unidas (ONU) determinou que a fronteira internacional com o Líbano passasse exatamente pelo meio da praça central de Ghajar. Entretanto, a fronteira tem sido principalmente virtual, e com a guerra de Israel contra o Hezbollah, em 2006, soldados israelenses voltaram a assumir controle do lado libanês.
Porém, com um novo governo em Beirute e um desejo de negar ao Hezbollah qualquer justificativa para atacar Israel por ocupação de território libanês, as partes interessadas – os Estados Unidos entre elas – querem ver Ghajar retirada de uma longa lista de desacordos. Israel também quer mostrar disposição para completar sua retirada do Líbano, em conformidade com a Resolução 1701 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que terminou a guerra de 2006.
Como solução temporária, a Força Interina das Nações Unidas no Líbano (FINUL), missão de paz da ONU no sul do território libanês, propôs assumir controle do norte da vila.
Contudo, os quase 2.200 moradores de Ghajar são cidadãos israelenses, cuja lealdade pertence à Síria. Eles insistem que nunca pertenceram ao Líbano.
“Agora, Israel está me ocupando”, disse que Atef Khatib, farmacêutico que mora na seção norte de Ghajar. “Eu prefiro viver na Síria. Esse é meu país e meu lar”.
Personificando a existência de alguma forma paradoxal dos habitantes da vila, Khatib, que dirige um brilhante veículo utilitário esporte, estudou farmacologia na Síria e trabalha em Qiryat Shemona, uma cidade de fronteira israelense que sofreu muito ao longo dos anos com os foguetes do Hezbollah.
Apesar de sinais de relativa afluência na vila, a vida diária ali já beira o bizarro.
Graças à localização de Ghajar, os israelenses cercaram a vila com cercas e declararam a área uma zona militar fechada. Policiais da fronteira controlam a entrada sul da vila e inspecionam cada veículo que entra e sai. O acesso à vila por pessoas de fora é estritamente limitado; um grupo de repórteres veio recentemente, com permissão especial dos militares, e puderam ficar por pouco mais de uma hora.
Desde 2000, Israel parou de proporcionar serviços para o norte. Khatib, o porta-voz, disse que, se um refrigerador quebrar, ele precisa ser levado à entrada sul para reparos, com eletricidade de uma extensão extremamente longa.
Da mesma forma, se a polícia precisa certificar a causa da morte de um habitante do norte, o corpo precisa ser levado à entrada da vila – “assim como um refrigerador”, afirmou Khatib.
Os residentes de Ghajar são membros da seita Alawite, a minoria governante da Síria. A vila passou ao controle de Israel como parte das Colinas de Golã, o planalto estratégico que a Síria perdeu para Israel na guerra de 1967. Quando Israel anexou as Colinas de Golã, em 1981, os moradores da vila escolheram se tornar cidadãos israelenses.
Ao mesmo tempo, com Israel ocupando uma zona de separação no sul do Líbano, a vila se expandiu ao norte – para dentro do território hoje marcado como solo libanês. Discutindo a linha demarcadora da ONU, Khatib, o porta-voz, alega que havia casas no lado norte antes de 1967, construídas com permissões das autoridades sírias. Atualmente, cerca de dois terços dos residentes vivem na parte norte da vila. A escola, a mesquita, o cemitério e as terras da vila ficam ao sul.
Entre 2000 e 2006, o norte de Ghajar permaneceu como um tipo de terra de ninguém. Então, o exército israelense apareceu, citando preocupações de segurança. Oficiais militares disseram que o Hezbollah estava trabalhando dentro da vila, e a havia usado como base numa tentativa frustrada de sequestrar soldados de Israel em 2005.
Israel está negociando com a FINUL e diz estar pronto para ver as forças de paz substituírem suas tropas no norte de Ghajar. Todavia, discutir os detalhes do acordo, segundo autoridades israelenses, levará tempo.
Além de questões de segurança, os lados estão tentando entender a logística legal e prática de como cidadãos israelenses poderiam ter algo parecido a uma vida normal morando no Líbano.
Os residentes, que dizem não terem sido consultados, temem que uma barreira e postos de guarda sejam levantados no centro da vila, atrapalhando a vida e dividindo famílias. A maioria dos habitantes pertence ao mesmo clã.
No fim, dizem os moradores da vila, eles querem ser devolvidos à Síria, como parte das Colinas de Golã, através de um eventual acordo de paz entre Israel e Síria.
Enquanto isso, eles preferem permanecer unidos sob a autoridade de Israel. Mas estão relutantes em dizer isso abertamente. Tal admissão poderia ser interpretada como traição pelos vizinhos do outro lado da linha.
Tradução: Gabriela d’Avila