
por Gustavo Chacra
Eleições são marcadas pelo discurso da vitória. Quem se esquece de Barack Obama, em Chicago, falando para dezenas de milhares de pessoas depois de se tornar o primeiro negro eleito para a Casa Branca? Certamente, poucos se recordam hoje de John McCain ao lado de Sarah Palin naquela mesma noite. Os perdedores são esquecidos, pelo menos no dia da vitória.
Menos quando o perdedor for o xeque Hassan Nasrallah. O líder do Hezbollah parou o Líbano. Todos libaneses, dos que o amam aos que o odeiam, de Tyro a Trípoli, passando por Beirute, os montes e o vale do Beqaa, foram para a frente das TVs hoje para ver o que a figura mais carismática do país dos cedros tinha a dizer.
Afinal, todos sabem que o Hezbollah, mesmo derrotado, é mais poderoso do que o Líbano. Nasrallah perdeu, discursou e aceitou a derrota. Algo normal. Não afetará muito a sua vida. Continuará dando as ordens na Hezbollândia, composta pela região de Dahieh, em Beirute, o sul libanês e áreas do Beqa. Um território onde até os guardas de trânsito são desta organização, que conta ainda com escolas, creches, hospitais e uma rede de TV. Mais importante, o Hezbollah tem uma milícia armada que pode, quando quiser, iniciar uma guerra contra Israel. Ou, se preferirem e acharem que está na hora, dominar todo o Líbano em algumas horas e assumir o poder.
Mas os xiitas do Hezbollah pensam no longo prazo. Investem em educação, disciplina e armamentos. Não tem pressa. Enquanto isso, ganham tempo com eleições democráticas que, mesmo em uma derrota, dão maior legitimidade para esta organização que forçou Israel a se retirar do território em 2000 e conseguiu, mais do que qualquer outro Exército árabe, impor medo aos israelenses.
Conforme relata Amal Saad Ghorayeb, acadêmica e autora de um livro "Hizbollah, Politic and Religion", sobre a organização, o Hezbollah pretende estabelecer um Estado islâmico no Líbano semelhante ao Irã. Mas, ao mesmo tempo, o grupo xiita entende que a sociedade libanesa é sectária. Na visão deles, apesar de o Estado islâmico ser melhor, a democracia não é ruim. Por este motivo, desde 1992, o Hezbollah concordou em concorrer nas eleições libanesas. A data é importante, pois foi depois dos acordos de Taif, que encerraram a guerra civl. Antes, o grupo se recusava porque os cristãos maronitas possuíam muito poder.
Segundo Ghorayeb, o Hezbollah considera o Estado islâmico melhor do que a democracia por três motivos. "Primeiro, a opressão implícita no príncipio do governo da maioria; em segundo lugar, a tendência dos sistemas democráticos serem dominados pela vontade da maioria; por último, ineficácia e a injustiça de um sistema que diz representar a atual geração de eleitores, mas esquece os interesses das futuras gerações." Como o grupo possui uma visão pessimista do homem, o melhor é deixar para Deus legislar pela Sharia, diz Ghorayeb.
O objetivo inicial do grupo é resistir a Israel. São anti-sionistas convictos e, na visão maniqueísta de mundo da organização, Israel, os Estados Unidos e a ditaduras árabes são os opressores. Os xiitas e os palestinos são oprimidos. O Hezbollah não aceita e não aceitará a existência de Israel. Acreditam que, no longo prazo, conseguirão destruir o Estado judeu. Ele se espelha justamente no sionismo para provar que um ideal impossível pode acontecer com disciplina, educação e armas. Israel é o exemplo a ser seguido pelo Hebollah. Copiar o inimigo para derrotá-lo. Usar o dinheiro da diáspora com os diamantes dos xiitas libaneses da África. Como Nasrallah deixa claro, não interessa esta geração, mas as futuras. No Líbano, o Hezbollah pretende primeiro desconfessionalizar o país. Apenas quando dois terços da população apoiarem a idéia de um Estado islâmicos, este será estabelecido. Se isso não acontecer, segue o sectarismo.
Neste contexto, há duas saídas para lidar com o Hezbollah no Líbano. A primeira, defendida por Michel Aoun e facções cristãs, é reconhecer o poder desta organização e da importância dos xiitas, integrado-os à política libanesa e ao Exército, uma vez que eles representam grande parcela popluação. Os eleitores libaneses votaram contra, optando por uma segunda via, que aceita o Hezbollah como partido político, mas tendo que respeitar as ordens do fraco governo libanês com o seu impotente Exército. Difícil funcionar.
Já em relação a Israel, haveria duas alternativas. A primeira via seria uma ampla operação militar para tentar derrotar a organização. Foi tentada por Israel até 2000 e há três anos. Duplo fracasso. A segunda seria a criação de um Estado palestino. Mas este não atingiria o objetivo do Hezbollah que é eliminar Israel. Para Nasrallah, não interessa a atual geração. Ele pensa nas futuras. Na visão dele, um dia seu objetivo será alcançado. O Líbano será um Estado islâmico como o Irã e Israel não existirá.