Holocausto Nunca Mais!, Pilar Rahola / Holocausto - o imperativo delembrar,Diane Kuperman

Holocausto Nunca Mais!, Pilar Rahola / Holocausto - o imperativo delembrar,Diane Kuperman

magal53
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Holocausto nunca mais !

Pilar Rahola, jornalista e ex-membro do Parlamento Europeu

Lentamente, como se fosse um mamute despertando de seu sonho milenar, a Europa repete a cerimĆ“nia anual e, por um dia, recorda. NĆ£o sei se sou eu, que com a idade me torno terna, mas tive a impressĆ£o de que este ano havia mais reportagens, mais atos, mais comemoraƧƵes, talvez um pouco mais de reflexĆ£o. Poupo os comentĆ”rios que ouvi em alguns informativos, mesclando o Holocausto com a questĆ£o palestina, ou relativizando o horror, como se fosse um a mais dos horrores humanos, como se houvesse muitos holocaustos na histĆ³ria da humanidade.  Neste sentido, nĆ£o me cansarei de repetir: a histĆ³ria estĆ” cheia de barbĆ”ries e de loucuras, mas nenhum episĆ³dio da histĆ³ria Ć© comparĆ”vel Ć  Ćŗnica indĆŗstria de extermĆ­nio que o ser humano criou. Minimizar a maldade Ć© tanto como comeƧar a entendĆŖ-la. E se algo se pareceu Ć  maldade em estado puro ­ "o mal existe", nos lembra o grande "PrĆŖmio Nobel" Elie Wiesel­, foi a ShoĆ”, o Holocausto. A ShoĆ” significou arrancar pela raiz milhares de famĆ­lias inteiras, com suas crianƧas, seus avĆ³s, seus pais e mĆ£es; arrancar povos inteiros, com seus professores, seus mĆ©dicos, seus mĆŗsicos, seus alfaiates e seus poetas; arrancar geografias inteiras, com seus cantos, seus idiomas, suas fotos de festa, suas bodas e seus enterros, sua memĆ³ria e seu futuro; arrancĆ”-lo todo e destruĆ­-lo em fornos crematĆ³rios.

CrianƧas ciganas vĆ­timas de experiĆŖncias
mƩdicas em Auschwitz
Foto: Museu de Auschwitz - PolƓnia

Um milhĆ£o de crianƧas, nascidas romenas, hĆŗngaras, polacas, alemĆ£s, gregas, italianas, francesas, trasladadas em vagƵes da morte e, finalmente, assassinadas por ser judias. E mais: alĆ©m das crianƧas, milhƵes de pessoas, umas assassinadas por estar marcadas com qualquer estigma, homossexuais, ciganos, revolucionĆ”rios, pĆ”rias; outros por formar parte do povo eternamente perseguido. Em Auschwitz queimamos a face da Europa, destruĆ­mos as geografias humanas que nos enriqueciam e nos explicavam, e foi em Auschwitz onde quebramos o sentido da histĆ³ria. NĆ£o se trata de um horror a mais. Trata-se do nosso prĆ³prio horror, refletido num grande espelho de maldade, onde a alma do velho continente resulta ser a alma de Dorian Gray. "A morte da alma humana", disse Lanzmann, e nunca ninguĆ©m o definiu com mais precisĆ£o. Cada ano, nesta data, tiro o espelho de Stendhal e observo os atos, os artigos, os documentĆ”rios que as televisƵes, com um pouco de sorte, colocam no horĆ”rio de baixa audiĆŖncia.DesgraƧadamente, sempre chego Ć  mesma conclusĆ£o: nos incomoda relembrar o Holocausto. Tanto, que nunca fazemos o exercĆ­cio de contriĆ§Ć£o a que nos obrigaria, mas o tratamos como um acontecimento deplorĆ”vel da histĆ³ria. Cada ano tambĆ©m, fiel a uma Ć­ntima tradiĆ§Ć£o, pego minha caneta, molho a pena no tinteiro da raiva e me ponho a escrever um artigo. Como se fosse um ritual de dor. Como se fosse o que Ć©, uma obrigaĆ§Ć£o moral. Estas sĆ£o minhas manchas no branco e negro do imaculado texto, meu asco no oĆ”sis onde habita a bem-pensante e indiferente sociedade europĆ©ia.

"NĆ£o me cansarei de repetir: a histĆ³ria estĆ” cheia
de barbĆ”ries e de loucuras, mas nenhum episĆ³dio
da histĆ³ria Ć© comparĆ”vel Ć  Ćŗnica indĆŗstria
de extermĆ­nio que o ser humano criou"

O Holocausto nunca foi uma questĆ£o alemĆ£. O Holocausto nunca foi uma questĆ£o judaica. E, sobretudo, o Holocausto nunca foi uma questĆ£o nazista. De nada servem os atos de repĆŗdio contra o nazismo, fundados em todos nĆ³s mais alĆ©m de toda culpa e de toda pergunta, se com isso nĆ£o abrimos nosso melĆ£o podre. O nazismo foi o resultado de muitas coisas, entre elas a loucura de um ser malvado e depravado, mas seus crimes nasceram de nossas responsabilidades, se alimentaram dos preconceitos que havĆ­amos criado durante sĆ©culos e atuaram graƧas Ć  nossa indiferenƧa. Foi a Europa que criou o estigma contra o judeu.
Hitler sĆ³ fez o trabalho sujo. MĆ”culas em nossas belas evocaƧƵes. A mancha da "SĆ­ndrome de Chamberlain", que percorreu a espinha dorsal da Europa durante anos. Primeiro nĆ³s lavamos as mĆ£os. Mais tarde, um papa bendisse os horrores na intimidade. E depois soubemos o que passou, e o esquecemos durante um tempo prudente. TĆ­nhamos os planos dos campos de extermĆ­nio, mas nunca consideramos que fosse necessĆ”rio atuar. Ao fim e ao cabo, com mais ou menos exibiĆ§Ć£o, nĆ£o Ć©ramos todos anti-semitas? NĆ£o tĆ­nhamos em nossos armĆ”rios Isabel a CatĆ³lica e sua InquisiĆ§Ć£o? NĆ£o tĆ­nhamos os franceses gritando "morte aos judeus!" enquanto condenavam Alfred Dreyfus Ć  prisĆ£o perpĆ©tua na Ilha do Diabo? NĆ£o havĆ­amos colocado um anti-semita furioso, Kart Lueger, na Prefeitura de Viena? NĆ£o acumulĆ”vamos progroms nas distantes RĆŗssias? NĆ£o lĆ­amos ilustres proeminentes e profusamente judeĆ³fobos, como Paul ValĆ©ry? NĆ£o havĆ­amos bebido da idĆ©ia do povo deicida enquanto beijĆ”vamos nossa catĆ³lica cruz? NĆ£o nos alimentamos do mesmo Ć³dio quando nos reformamos com Lutero? NĆ£o o Ć©ramos inclusive enquanto sorvĆ­amos os melados da ilustraĆ§Ć£o de Voltaire?

"O Holocausto nunca foi uma questĆ£o alemĆ£.
Nunca foi uma questĆ£o judaica. Nunca foi uma
questĆ£o nazista. Foi o resultado de muitas coisas, entre elas
a loucura de um ser malvado e depravado, mas seus crimes
nasceram de nossas responsabilidades, se alimentaram dos preconceitos que havƭamos criado durante sƩculos e
atuaram graƧas Ơ nossa indiferenƧa"

Nada, na histĆ³ria da Europa, escapa do Ć³dio aos judeus. E, por sua vez, na paranĆ³ica dualidade, nada do melhor da Europa Ć© indiferente Ć  contribuiĆ§Ć£o judaica. O anti-semitismo Ć© sĆ³cio fundador da Europa. Hitler foi a estaĆ§Ć£o final de nosso Ć³dio, nosso executor. NĆ£o peƧo que cortemos das nossas carnes em praƧa pĆŗblica. SĆ³ peƧo que saibamos de onde nasceu o mal, em que lugar cresceu a besta e, sobretudo, com que olhos cegos, lĆ”bios mudos e ouvidos surdos nos mantivemos enquanto a besta matava. Glucksmann chama a esta atitude "a indiferenƧa nihilista", uma atitude que tambĆ©m se produz, atualmente, ante outro fenĆ“meno nihilista, o das bombas humanas. No "Dia do Holocausto", com os milhƵes de mortos gritando-nos sua profunda dor desde as cavidades ocas da mĆ” memĆ³ria; com esse milhĆ£o de crianƧas que foram poesia cortada; com essa sociedade que sentia cheiro de carne queimada, e via os vagƵes, e conhecia os mapas aĆ©reos do massacre, e olhava para o outro lado; com nossa alma judia rasgada na zona negra do nosso Ć³dio; com a pesada carga da histĆ³ria, nĆ³s os europeus sĆ³ podemos pronunciar uma palavra: perdĆ£o. O mais Ć© uma piada.

TraduĆ§Ć£o: Szyja Lorber.
Publicado no Diario El PaĆ­s (Madrid).


Holocausto –
o imperativo de lembrar

Profa.Diane Kuperman

A ResoluĆ§Ć£o da ONU definindo a data de 27 de janeiro como "Dia Mundial de LembranƧa das VĆ­timas do Holocausto" Ć© a resposta tardia do silĆŖncio que tomou conta dos lĆ­deres das naƧƵes perante a tentativa de aniquilamento do povo judeu pelas hordas nazistas, durante a II Guerra Mundial. Ɖ o grito de protesto contra a insanidade daqueles que, por se julgarem donos de poderes ilimitados, outorgam-se o direito de degradar seres humanos, extirpĆ”-los do convĆ­vio comum, explorĆ”-los atĆ© o limite de suas forƧas e assassinĆ”-los fria e cruamente.
A decisĆ£o histĆ³rica da ONU reitera a especificidade do Holocausto ao recomendar explicitamente aos Estados Membros da OrganizaĆ§Ć£o que punam exemplarmente aqueles que tentarem negar ou banalizar a ShoĆ” e que elaborem programas educacionais a fim de gravar na mente das geraƧƵes futuras as liƧƵes emanadas do Holocausto.
A especificidade da ShoĆ” precisa ser reconhecida de forma incontestĆ”vel pelo seu carĆ”ter Ćŗnico – a decisĆ£o polĆ­tica de extermĆ­nio fĆ­sico do povo judeu, eliminando atĆ© a quarta geraĆ§Ć£o de descendentes, mesmo oriundos de casamentos mistos ou convertidos a outras religiƵes; a montagem de toda uma engrenagem para buscar os judeus aonde estivessem e levĆ”-los aos campos de extermĆ­nio; a construĆ§Ć£o de aparatos especiais, rĆ”pidos e eficientes, para a execuĆ§Ć£o em massa dos condenados Ć  morte pelo nazismo.
Em seu pronunciamento, o entĆ£o SecretĆ”rio Geral das NaƧƵes Unidas, Sr. Kofi Annan salientou a obrigaĆ§Ć£o de mobilizar a sociedade civil para a recordaĆ§Ć£o dos horrores do Holocausto e o ensino dos fatos a fim de prevenir a reproduĆ§Ć£o de novos genocĆ­dios, termo aliĆ”s criado pela prĆ³pria ONU, em 1945, para designar a extensĆ£o dos crimes perpetrados.

"Tentar explicar o anti-semitismo Ʃ explicar o inexplicƔvel,
Ʃ aceitar o inaceitƔvel. O anti-semitismo, o racismo,
a xenofobia sĆ£o expressƵes do Ć³dio – nĆ£o se explicam
nem se justificam: tĆŖm que ser combatidos sem trĆ©gua"

Nicolas Sarcozy, presidente da FranƧa

Passados 63 anos da liberaĆ§Ć£o do campo de Auschwitz pelos russos, em 27 de Janeiro de 1945, ainda perduram perguntas – como tudo aquilo pode ter acontecido? Como os alemĆ£es, povo tĆ£o refinado, puderam cometer atos tĆ£o vis? Como o mundo calou? Como os judeus se deixaram levar? – Na busca de respostas para estas e outras indagaƧƵes surgem dezenas de teorias. Mas, como disse em Washington o presidente da FranƧa, Nicolas Sarcozy, ao falar para o American Jewish Committee – "Tentar explicar o anti-semitismo Ć© explicar o inexplicĆ”vel, Ć© aceitar o inaceitĆ”vel. O anti-semitismo, o racismo, a xenofobia sĆ£o expressƵes do Ć³dio – nĆ£o se explicam nem se justificam: tĆŖm que ser combatidos sem trĆ©gua".
Se explicaƧƵes sĆ£o inaceitĆ”veis, o conhecimento do Holocausto e de todos os seus mecanismos sĆ£o um imperativo para cada ser humano. NĆ£o como mero exercĆ­cio intelectual para avaliar os limites de violĆŖncia a que um ser humano Ć© capaz de se submeter, mas como instrumento de conscientizaĆ§Ć£o de que somos todos responsĆ”veis por aquilo que outros sĆ£o capazes de praticar. E, se nĆ£o quisermos ser cĆŗmplices do inominĆ”vel, devemos fazer a nossa parte: protestar enquanto tivermos voz e agir sempre que nos forem dados os meios.
A recomendaĆ§Ć£o jĆ” vem de longa data. JĆ” em janeiro de 2000, 47 paĆ­ses - sendo 22 representados por seus chefes de Estado -, reuniram-se na cidade de Estocolmo para a primeira reuniĆ£o do 3Āŗ MilĆŖnio: "FĆ³rum Internacional sobre o Holocausto". O entĆ£o SecretĆ”rio Nacional de Direitos Humanos, JosĆ© Gregori, chefiou a delegaĆ§Ć£o brasileira e subscreveu a recomendaĆ§Ć£o de ensinar o Holocausto em todos os nĆ­veis do processo educacional. Nesses oito anos, muito pouco foi feito no Brasil, paĆ­s pioneiro na legislaĆ§Ć£o de combate ao racismo e anti-semitismo. Apenas em dezembro passado a CĆ¢mara de Vereadores do Rio de Janeiro aprovou Projeto de Lei da Vereadora Teresa Bergher que obriga as escolas da rede Municipal a ministrarem nas aulas de histĆ³ria noƧƵes sobre o Holocausto Nazista. A nĆ­vel Estadual e Federal, nada existe ainda... embora seja sempre tempo para nossos deputados nĆ£o serem acusados de omissĆ£o.
Lembro as palavras do prof. Yehuda Bauer, diretor do Yad Vashem, ao encerrar o "FĆ³rum Internacional de Estocolmo". Ele sugeriu que os Dez Mandamentos fossem transformados em 13, incorporando os seguintes:
XI – NĆ£o serĆ”s mais uma vĆ­tima
XII - NĆ£o serĆ”s um perpetrador
XIII – NĆ£o te omitirĆ”s.

Publicado no Boletim da ARI

Fonte: Jornal Aleph, 27/01/08


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