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Psicologia revela razões ocultas do ciclo de violência

 
Psicologia revela razões ocultas do ciclo de violência
Em entrevista à Folha, especialistas fazem diagnóstico mental do conflito que desestabiliza Israel e palestinos

MARCELO NINIO
DA REDAÇÃO
UM É PALESTINO. O OUTRO, ISRAELENSE. Em comum, além de serem profissionais respeitados na área de saúde mental, a militância política, em um esforço até agora infrutífero de instilar bom senso na relação entre os dois povos. Ao fim de uma semana em que israelenses e palestinos mais uma vez reativaram o conhecido ciclo de violência, Eyad Sarraj e Dan Bar-On analisam o conflito do ponto de vista psicológico, de um ângulo que ajuda a entender as resistências que impedem uma reconciliação que já pareceu tão próxima, mas que voltou a ganhar contornos de impossibilidade.

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft0907200610.htm
 
EYAD SARRAJ

Para palestino, "vitimização" é traço comum das duas culturas
DA REDAÇÃO
Psiquiatra formado em Harvard, Eyad Sarraj é uma das personalidades públicas mais controvertidas e influentes da sociedade palestina. Foi preso três vezes por criticar a Autoridade Nacional Palestina. À frente do Programa de Saúde Mental de Gaza, que fundou para tratar principalmente de vítimas da violência política, Sarraj tornou-se um especialista nos bloqueios psicossociais que tornam tão difícil a reconciliação entre palestinos e israelenses. Sarraj falou à Folha por telefone do Cairo, onde esperava a reabertura da fronteira para voltar à faixa de Gaza. A seguir, trechos da entrevista.
 

FOLHA - Que características psicológicas de palestinos e israelenses explicam o interminável ciclo de violência?
EYAD SARRAJ -
Quando se estuda o perfil psicológico dos dois povos, percebem-se algumas semelhanças. Uma delas é a síndrome da vitimização, uma espécie de olhar espelhado um do outro. Os dois lados acreditam ser as vítimas do conflito. Os judeus têm uma longa história de perseguição e discriminação, que foi cristalizada no Holocausto. Isso os afetou, geração após geração. O fato é que os israelenses adotaram o que nós chamamos em psicologia de "identificação com o agressor". Adotaram os mesmos métodos, algumas vezes a mesma ideologia, de seus agressores. Quando uma vítima não é tratada de forma adequada, é quase certo que criará uma nova vítima. Os judeus, em sua tentativa de lidar com o passado, criaram uma nova vítima, os palestinos. E projetaram sobre eles os sentimentos de seus agressores, ódio, discriminação e uma atitude quase racista. Ao mesmo tempo, os israelenses têm uma culpa reprimida, o que os impede de encarar o que acontece dentro de si. Quando se conectam as duas coisas, a identificação com o agressor e a culpa, entendemos por que muitos israelenses negaram a existência dos palestinos por tanto tempo.
FOLHA - E os palestinos?
SARRAJ -
Também sofrem da síndrome de vitimização. Enquanto os israelenses têm um longo passado de perseguição, os palestinos têm o presente para convencê-los de que são as vítimas. Outra semelhança com os judeus é que os palestinos vivem em clima de teoria de conspiração, sempre acham que o mundo está contra eles.
FOLHA - O "olhar espelhado" levou os palestinos a também sentir identificação com o agressor?
SARRAJ -
Sem dúvida. Dou dois exemplos: durante a primeira Intifada, pedimos a um grupo de crianças de Gaza que fizessem um jogo chamado "árabes e judeus". A maioria preferiu o papel do judeu. Para elas, aquilo era poder. Muitos haviam testemunhado os pais, impotentes, serem agredidos e presos por soldados israelenses. Outro exemplo: quando estive na prisão palestina, ouvi um interrogatório em que o policial, descontrolado, começou a gritar em hebraico com um prisioneiro. Esse interrogador estivera numa prisão israelense e, inconscientemente, adotou a personalidade do carcereiro.
FOLHA - Como as crianças que o sr. tratou há 20 anos lidam hoje com o conflito?
SARRAJ -
Muitas das "crianças da pedra", como eram chamadas na primeira Intifada, por atirar pedras nos soldados, são os homens-bomba de hoje. Para uma criança dessas, o símbolo natural de poder, que era o pai, foi perdido. A primeira reação, embora isso pareça estranho, foi substituí-lo pelo soldado israelense. Mas ele era o inimigo e acabou sendo trocado pelos grupos islâmicos, que assumiram o papel de pai. Sendo grupos religiosos, quem acaba ficando como figura paterna é Deus, que é indestrutível, ao contrários de seus pais.
FOLHA - Como explicar a explosiva desunião das lideranças palestinas, que os deixou perto da guerra civil?
SARRAJ -
Democracia não é só eleição. Embora o Fatah [do presidente Abbas] tenha reconhecido a derrota e transferido o poder ao Hamas, buscou repetidamente sabotar o regime. É uma questão cultural. É preciso ser treinado por uma experiência democrática após a outra. Nós não temos nem um Estado. Ainda somos tribais.
FOLHA - O que o impasse atual diz sobre o caráter de israelenses e palestinos?
SARRAJ -
A disputa é regida por um código de honra, e nenhum dos dois aceita recuar. Os árabes são influenciados pela mentalidade tribal, na qual o conceito de honra é central. Ele se divide em dois princípios: um é o de que, se for atacado, você deve se vingar. Olho por olho, dente por dente. Caso contrário, sua vida vira uma vergonha. O outro é que, se o inimigo pede desculpas publicamente, você é obrigado a aceitar. Ocorre que os israelenses, com sua culpa reprimida, não aceitam pedir desculpas. Isso é crucial para uma tentativa de paz no futuro. A paz tem de ser baseada em reconhecimento mútuo e responsabilidade pelos erros cometidos. É o que vem faltando: há muita manobra política e militar, mas nenhum reconhecimento. (MN)

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft0907200611.htm
DAN BAR-ON

Duas sociedades têm potencial alto de agressão, diz israelense
DA REDAÇÃO
O psicólogo israelense Dan Bar-On dedicou a maior parte de sua pesquisa acadêmica aos traumas e tentativas de recomeço de sobreviventes do Holocausto e suas famílias. Seu trabalho se estendeu aos filhos dos algozes nazistas, que resultou no livro "Legacy of Silence: Encounters with Children of the Third Reich" (legado de silêncio: encontros com filhos do Terceiro Reich). Paralelamente a seu trabalho terapêutico e acadêmico, Bar-On milita na reaproximação com os palestinos como diretor do Instituto de Pesquisa da Paz no Oriente Médio, um centro de estudos que incentiva o diálogo entre os dois povos e promove encontros destinados a romper o bloqueio psicológico entre eles. Leia a seguir trechos da entrevista concedida por Bar-On à Folha de sua casa, na cidade de Omer, no sul de Israel.
 

FOLHA - Há um bloqueio psicológico que impede israelenses e palestinos de chegarem a um acordo?
DAN BAR-ON -
O que vemos na crise atual são as mesmas regras do jogo dos últimos anos. Os dois lados são arrastados contra a vontade para o redemoinho. Quem festeja são os radicais. Isso acontece de forma quase ininterrupta pelo menos desde outubro de 2000, quando começou a segunda Intifada. E os governos de ambos os lados são fracos demais para lidar com essa situação. Não conseguem concretizar a vontade de seus povos, que é evitar escaladas de violência como a atual. De alguma forma, porém, os radicais acabam conseguindo impor o ritmo do conflito sobre o resto da população. Houve uma janela de oportunidade, com a possibilidade de fortalecer [o presidente palestino] Mahmoud Abbas, um moderado, mas os líderes israelenses preferiram enfatizar o refrão infeliz de que "não há com quem negociar". Isso leva à conclusão de que o inimigo só entende a linguagem da força. É um erro: sempre há com quem negociar.
FOLHA - Como os radicais, que são minoria, conseguem "seqüestrar" a agenda do conflito?
DAN BAR-ON -
[O ex-premiê israelense] Ariel Sharon provou, com a retirada de Gaza, que um governo forte pode derrotar com facilidade os radicais. O problema é que as pessoas aprendem mais com o desgaste e o erro que com cálculos racionais. Todos sabemos qual será a solução para o conflito israelo-palestino. Não será simples, mas haverá dois países convivendo lado a lado, ambos com a capital em Jerusalém. As fronteiras serão mais ou menos as anteriores à Guerra dos Seis Dias, e terá de haver alguma compensação para os refugiados palestinos. Todos sabem disso. Mas há uma distância entre saber e fazer. O que falta, em uma palavra, é coragem. O que sobra é o medo de ser liquidado, seja politicamente, pelo inimigo interno, ou fisicamente, pelo externo.
FOLHA - Há dez anos o conflito parece estar próximo de um desfecho positivo, que jamais chega. Qual o motivo?
DAN BAR-ON -
Me disseram uma vez na Irlanda do Norte que eles estavam muito próximos de uma solução em 1975. O problema é que era uma solução dos que "aprendem depressa", que eram minoria. Os que "aprendem devagar" rejeitaram essa solução e continuaram usando a violência por mais 25 anos. Acontece o mesmo com israelenses e palestinos. Infelizmente o processo de aprendizado é lento para a maioria e isso provoca um enorme desperdício de energia. Além disso, é claro, há a manipulação dos radicais, que não permitem que a situação se acalme por muito tempo.
FOLHA - Que características culturais e psicológicas de israelenses e palestinos ajudam a alimentar o conflito?
DAN BAR-ON -
Em ambos os lados há enorme potencial de violência. A sociedade israelense é muito agressiva e isso pode ser visto no dia-a-dia, na forma como as pessoas dirigem, por exemplo. No lado palestino é parecido. Uma vez participei de um encontro entre ex-prisioneiros palestinos e sul-africanos. No fim do encontro, os sul-africanos disseram aos palestinos: se vocês querem ser relevantes em relação a seu futuro, precisam abdicar da raiva. Hoje os palestinos ainda não são capazes de fazer isso. Na minha opinião, se o povo palestino tivesse um Mandela, já teria seu Estado há muito tempo.
FOLHA - O sr. trabalhou intensamente com sobreviventes do Holocausto. Qual o peso desse trauma na formação do conflito?
DAN BAR-ON -
No lado israelense não há dúvida de que o Holocausto leva muitas pessoas a não distinguir entre o que aconteceu na Europa e o que acontece no Oriente Médio. E não entendem a diferença por não terem entendido inteiramente como o Holocausto os afeta. É um processo difícil. Isso ocorre em nível individual e também coletivo. Ocorre algo que chamo de "reprodução de agressividade". Em vez de lançar a agressividade sobre seu algoz, o revide acaba acontecendo contra uma terceira parte.

 

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