05/12/2005
Sharon e Peres fazem união política e deixam muitos israelenses perplexos
Margaret Coker
Em Jerusalém
À primeira vista, a dupla parece tão improvável quanto Oscar e Félix. Um foi rotulado de "falcão", e o outro de "pomba". Um é acusado de ser um "ditador", o outro é ridicularizado como sendo um "bajulador".
Eles estão sendo chamados de "o estranho casal de Israel". Mas será que isto é assim tão estranho? Na semana passada, o primeiro-ministro Ariel Sharon, 77, e o velho estadista Shimon Peres, 82, colocaram de lado décadas de desavenças políticas, por vezes acirradas, e forjaram uma nova aliança que perturbou a ordem política do país e que pode também ter sacudido as relações com os países árabes vizinhos.
Os dois homens deixaram os partidos políticos que ajudaram a construir --embora há quem diga que foram os partidos que os abandonaram--; no caso de Sharon, o direitista Likud, no de Peres, o liberal Partido Trabalhista.
E os dois acabaram se unindo em torno de um conceito que fez com que Peres ganhasse o Prêmio Nobel na década de 1990. Um conceito que Sharon desaprovava até recentemente: a aceitação da emergência de um Estado palestino vizinho a Israel.
Sharon construiu a sua fama política como um defensor incansável dos assentamentos judaicos na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, terras capturadas por Israel na guerra de 1967 contra os árabes. Peres integrou o governo de 1974, liderado pelos trabalhistas, que deu início aos assentamentos --mas também fez parte de um governo que em 1994 percebeu que alguns desses assentamentos teriam que ser removidos no decorrer do processo de busca pela paz.
Dois anos atrás, quando Sharon anunciou o seu plano para evacuar os colonos da Faixa de Gaza, um plano que ele tomou emprestado da plataforma política utilizada pelos trabalhistas na última eleição, Peres se viu do mesmo lado da cerca que Sharon. Essa retirada foi implementada em agosto e desencadeou os eventos que levaram a essa aliança política e as eleições marcadas para março.
Uma coisa é certa. Para além dos estereótipos que aderiram aos dois homens como se fossem ostras a uma pedra, a aliança consiste em um encontro de dois espíritos afins que estão ansiosos --e alguns diriam até desesperados-- nos seus últimos anos de atuação política para deixar um legado duradouro a uma nação que eles ajudaram a construir desde a sua fundação, em 1948.
Como primeiro-ministro, Sharon aprendeu a enxergar que "as realidades são mais fortes que a ideologia", afirma Uri Dromi, diretor de realizações internacionais do Instituto da Democracia de Israel, em Jerusalém.
"Da mesma forma que o ex-primeiro-ministro Yitzhak Rabin, ele percebeu que não há nenhuma forma de ficar com todo o território e, ao mesmo tempo, preservar um Estado judeu e democrático", explica Dromi.
Em vez de lutar para conter uma rebelião no Likud inflamada pela retirada de Gaza, Sharon rompeu com a sua antiga legenda em novembro para formar um novo partido, o Kadima. Peres, um ex-primeiro-ministro e ministro das Relações Exteriores que enfrentava os seus próprios problemas no Partido Trabalhista, deixou a sua legenda, logo depois para se juntar a Sharon.
Os dois homens explicaram as suas ações, dizendo que estas não se basearam na vaidade, conforme alegaram os seus detratores, mas, sim, no patriotismo. Ambos dedicaram as suas vidas à defesa de Israel. Sharon como o rígido, e às vezes desafiador, general do exército, e Peres, de forma discreta mas não menos importante, como o pai do programa israelense de armas nucleares.
Eles são os únicos sobreviventes da chamada "geração dos fundadores", liderada por David Ben-Gurion, o primeiro-ministro do país, e cada um deles começou a servir nas forças armadas nacionais lutando pela independência de Israel.
Já naqueles tempos Sharon era uma personalidade corajosa e prática, encarnada em um lutador, enquanto Peres, um homem cortês e bem-vestido, estava mais para um operador que negociava acordos de armamentos para o Estado judeu emergente.
E agora ambos acreditam que, como verdadeiras instituições nacionais, não devem ser jogados de lado, porque eles --e somente eles-- podem assegurar o futuro do país.
"Os dois 'anciões da aldeia' agora dão as mãos e sinalizam à multidão de críticos a sua volta que, a despeito da idade e de tudo o mais, ninguém é melhor do que eles. Eles são os únicos adultos responsáveis no cenário político, e pretendem dar um retoque final e dramático antes de deixarem a arena", opina o comentarista político Ben Caspit, no "Ma'ariv", o maior jornal de Israel.
Além da forte motivação patriótica, Sharon, que é um nativo de Israel e descendente de russos, e Peres, nascido na Polônia e criado em um kibutz, têm em comum o fato de pertencerem à elite de judeus asquenaze que controla Israel desde a criação do país.
Um general conhecido pelas suas ofensivas militares ousadas e controversas contra os países árabes e os palestinos, Sharon ficou famoso pela sua investida com tanques no Deserto do Sinai, uma manobra militar que reverteu o rumo da Guerra Árabe-Israelense de 1973. Ele é mais conhecido por não ter impedido que uma milícia libanesa que estava sob o seu comando massacrasse refugiados palestinos em 1982, uma ação para a qual foi autorizado pelo parlamento israelense.
No entanto, em Israel, Sharon utilizou as suas posições de poder junto ao exército e no último governo para incrementar a segurança nacional, algo que faz dele um líder muito popular.
Agora, juntamente com os assessores que orquestraram com sucesso a retirada da Faixa de Gaza, Sharon tem se autodenominado o novo líder centrista israelense, um homem que afastou do poder os elementos de linha dura do Likud, e que é mais prático do que os velhos socialistas do Partido Trabalhista.
Os analistas dizem que Peres é parte importante desse movimento, devido à sua respeitabilidade internacional, um trunfo que Sharon não possui, devido, em parte, ao estigma gerado pelos assassinatos ocorridos em Sabra e Shatila.
No início da década de 1990, após o levante palestino contra a ocupação israelense da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, Rabin e o seu vice, Peres, aceitaram a idéia de trocar terras ocupadas pela paz e reconheceram a necessidade de remover assentamentos judaicos dos territórios ocupados, a fim de atingir esta meta.
Essa mudança de rumo ideológico resultou nos acordos de paz de Oslo, e deu a Rabin e a Peres, assim como ao líder palestino Iasser Arafat, o Prêmio Nobel da Paz de 1994.
O processo de Oslo fracassou em meio a anos sangrentos de ataques suicidas a bomba em Israel, e à intensa luta entre israelenses e palestinos.
Os eleitores israelenses, ansiando por segurança, elegeram Sharon e o Likud em 2001.
Sem negociações com os palestinos e sem levar em consideração aquilo que estes desejavam, Sharon propôs abandonar os assentamentos e retirar o exército israelense daquelas que, segundo ele, eram posições indefensáveis em Gaza. Ao contrário dos acordos de Oslo, a retirada de Gaza, ocorrida neste ano, foi uma ação unilateral.
Mas o Likud permaneceu inflexível e rejeitou completamente a idéia de abrir mão do controle israelense sobre os territórios ocupados. Os trabalhistas, por outro lado, aplaudiram a mudança de política implementada por Sharon, mas vários criticaram as táticas utilizadas. Algumas lideranças argumentaram que, sem negociações, não haveria bases para a implementação de medidas para se chegar a um acordo final de paz com os palestinos. Para outros, o fato de Sharon ter roubado uma idéia que era uma exclusividade dos trabalhistas foi algo impossível de engolir.
Assim, quando Peres, que aprovou uma coalizão governamental Likud-Trabalhistas com Sharon para implementar a retirada de agosto, anunciou que estava pronto para seguir a liderança de Sharon, mesmo após o encerramento da operação, o seu partido empacou.
Em 9 de novembro, os trabalhistas rejeitaram a liderança de Peres, em favor de Amir Peretz, 53, um líder sindicalista nascido no Marrocos, que representa a nova geração de políticos. A primeira ação de Peretz foi romper com o governo de Sharon, provocando eleições antecipadas.
A revolução dos trabalhistas causou tumulto no Likud, partido no qual Sharon enfrentaria uma disputa acirrada --também com homens que têm a metade da sua idade-- para manter a sua liderança antes das eleições de 28 de março.
O novo partido, o Kadima, agora desfruta de uma forte liderança nas pesquisas de intenções de voto, incluindo uma que foi publicada na última sexta-feira pelo maior jornal israelense, que revela que o Kadima ganharia 39 cadeiras no parlamento, contra 26 dos trabalhistas e 11 do Likud.
"Peres foi essencial para Sharon", afirma o comentarista político Amnon Danker. "Ele é capaz de trazer votos e credibilidade".
Mas além do apoio professado ao processo de paz com os palestinos, aprovado pelos Estados Unidos, não se sabe ao certo qual em que consistirá a plataforma do Kadima.
Por outro lado, os trabalhistas e Peretz, um defensor da crescente classe trabalhadora pobre, focalizaram nas políticas sociais e econômicas, como a do aumento do salário mínimo. E Peretz apoiou algo que há muito tempo é popular junto à população israelense: uma solução para o problema palestino.
Peretz diz estar pronta para negociar com o líder palestino Mahmoud Abbas, para que se chegue a um acordo para a resolução de todas as questões qualificadas como sendo de "status final", como aquelas referentes às fronteiras permanentes, a fim de que se consiga um fim rápido para a disputa.
Embora seja difícil prever os resultados eleitorais, a maioria dos analistas acredita que o estadista mais velho de Israel não se aposentará sem mais uma grande luta.
"Os dois líderes --a dupla geriátrica-- têm bastante respeito mútuo", afirma Dromi, referindo-se a Sharon e a Peres. "Eles enxergam à sua frente uma bela parceria".