Por Rabino Jonathan Sacks z”l
Os Macabeus

Para defender um paĆ­s vocĆŖ precisa de um exĆ©rcito, mas para defender uma identidade vocĆŖ precisa de escolas.
A histĆ³ria em si tem uma histĆ³ria. Aquilo que os eventos parecem significar na Ć©poca nĆ£o Ć© como sĆ£o vistos sob a plena perspectiva da distĆ¢ncia. Veja ChanucĆ”, a festa que em breve celebraremos. Abra o Primeiro e o Segundo Livro dos Macabeus e lerĆ” uma histĆ³ria de coragem militar. Desde os dias de Alexandre o Grande, Israel estava sob o governo dos gregos, primeiro sob os Ptolomeus baseados no Egito, depois, um sĆ©culo mais tarde, sob os SelĆŖucidas, que governavam a partir da SĆ­ria.
Um lĆ­der selĆŖucida, Antiochus IV, decidiu forƧar o ritmo da helenizaĆ§Ć£o dos judeus, banindo publicamente as prĆ”ticas do JudaĆ­smo. No lugar delas ele instalou uma estĆ”tua de Zeus no local do Templo e ordenou que sacrificassem suĆ­nos ali. Para os judeus isso era a “abominaĆ§Ć£o da desolaĆ§Ć£o”.Yoshua ben Gamla entendia que a verdadeira batalha que os judeus enfrentavam nĆ£o era a militar. Era cultural e espiritual.Liderado pelo idoso sacerdote Matityahu e seus filhos, um grupo de judeus conhecidos como Macabeus ergueu-se em revolta. Eles conseguiram uma vitĆ³ria, reconquistaram JerusalĆ©m, purificaram o Templo e reacenderam seu candelabro, a MenorĆ”. Ela Ć© o sĆ­mbolo mais visĆ­vel da festa atĆ© hoje. NĆ³s a acendemos em nossos lares durante oito noites, acrescentando uma vela extra a cada noite. Eis como a histĆ³ria era na Ć©poca: uma histĆ³ria de exĆ©rcitos, batalhas e heroĆ­smo fĆ­sico. Mas o Livro dos Macabeus jamais fez parte da TorĆ”. NĆ£o Ć© como os judeus vieram a relembrar o passado. O motivo Ć© que a vitĆ³ria teve um prazo relativamente curto. Os judeus venceram seu confronto com os gregos, mas o perderam contra os romanos. Um sĆ©culo depois Pompeu invadiu Israel, que entĆ£o passou para o domĆ­nio romano, Quando isso tambĆ©m se tornou opressivo, os judeus se ergueram em revolta duas vezes, no primeiro e no segundo sĆ©culos. Ambos foram desastres nacionais. ApĆ³s o primeiro, o Templo foi destruĆ­do. Depois do segundo, JerusalĆ©m ficou abandonada. Em conjunto, estas foram as piores catĆ”strofes judaicas atĆ© o Holocausto.
PorĆ©m o Talmud relata uma histĆ³ria fascinante. No primeiro sĆ©culo, pouco antes da destruiĆ§Ć£o do Templo, um rabino chamado Yoshua ben Gamla organizou a criaĆ§Ć£o de uma rede nacional de escolas, proporcionando a educaĆ§Ć£o das crianƧas em todo o paĆ­s. Foi o primeiro sistema de educaĆ§Ć£o universal na histĆ³ria. O Talmud diz que se nĆ£o fosse por ele “a TorĆ” teria sido esquecida em Israel.” NĆ£o teria havido judaĆ­smo, identidade, nem judeus.Uma nova identidade judaica comeƧou a emergir, baseada nĆ£o em exĆ©rcitos, mas em textos, professores e casas de estudo.Yoshua ben Gamla entendia que a verdadeira batalha que os judeus enfrentavam nĆ£o era a militar. Era cultural e espiritual. Eles se preocupavam suficientemente com sua fĆ© para transmiti-la aos filhos? Eles acreditavam que apesar das grandes realizaƧƵes dos gregos na arte, arquitetura, literatura e filosofia, os judeus ainda tinham uma grande contribuiĆ§Ć£o a fazer para o mundo que ostensivamente era deles?
Uma nova identidade judaica comeƧou a emergir, baseada nĆ£o em exĆ©rcitos, mas em textos, professores e casas de estudo. Os judeus se tornaram um povo cujas cidadelas eram escolas, cujos herĆ³is eram professores e cuja paixĆ£o era a educaĆ§Ć£o e a vida da mente. E sobreviveram. Isto foi o mais notĆ”vel.
A transformaĆ§Ć£o do significado no decorrer do tempo Ć© ecoada no prĆ³prio nome ChanucĆ”. Significa “dedicaĆ§Ć£o”, que os macabeus fizeram ao Templo depois de ser purificado. PorĆ©m a mesma palavra, na forma Chinuch, tambĆ©m significa “educaĆ§Ć£o”, a dedicaĆ§Ć£o ou consagraĆ§Ć£o dos jovens como guardiĆ£es de uma identidade sagrada. As luzes de ChanucĆ” vĆŖm para simbolizar a santidade do lar judaico.Os judeus se tornaram um povo cujas cidadelas eram escolas, os herĆ³is eram professores e cuja paixĆ£o era a educaĆ§Ć£o... E sobreviveram. Isto foi o mais notĆ”vel.O Ocidente atual estĆ” lutando algumas difĆ­ceis batalhas militares. Mas tambĆ©m hĆ”, assim como havia para os judeus hĆ” 22 sĆ©culos, uma batalha espiritual e cultural a ser lutada: nĆ£o para impor nossos valores sobre os outros, mas para ensinĆ”-los aos nossos filhos.
Ainda temos um senso claro de quem somos como naĆ§Ć£o? NĆ³s cmpartilhamos valores? Ainda acreditamos na santidade da famĆ­lia? Nossas vidas tĆŖm profundidade espiritual e beleza moral? Vemos a nĆ³s mesmos como guardiĆ£es de uma tradiĆ§Ć£o que transmitimos com orgulho aos nossos filhos?
O futuro do Ocidente pode depender das nossas respostas Ć quelas perguntas. Para defender um paĆ­s vocĆŖ precisa de um exĆ©rcito. Mas para defender uma identidade vocĆŖ precisa de escolas.