“Muitos anos atrĆ”s, eu estava voltando de Mezeritch para casa apĆ³s um perĆ­odo de estudo sob a orientaĆ§Ć£o de meu mestre, o grande Maguid.[1] Era uma noite fria de inverno e meus pĆ©s ficaram congelados pelo frio. Quando paramos em uma estalagem Ć  beira do caminho, o cocheiro teve que me carregar nos braƧos para dentro.

“O estalajadeiro, um judeu idoso e temente a D'us, esfregou meus pĆ©s com neve e Ć”lcool atĆ© que eu pudesse move-los novamente. Ele me perguntou sobre o propĆ³sito da minha viagem, e respondi que eu era um discĆ­pulo do Maguid de Mezeritch. Em resposta Ć s minhas perguntas, ele me disse que possui esta pousada hĆ” quase cinquenta anos e que, graƧas a D'us, ganha um bom sustento, uma vida confortĆ”vel com ela.

“Existe uma comunidade judaica aqui?”, perguntei.

‘NĆ£o’, respondeu o estalajadeiro. 'Somos os Ćŗnicos judeus ao redor, por quilĆ“metros de distĆ¢ncia!”

‘EntĆ£o vocĆŖ nĆ£o tem um minyan[2]? O que vocĆŖ faz no Shabat e nas festas?'

‘Para minha tristeza’, suspirou o idoso, ‘nĆ³s rezamos sem quĆ³rum o ano todo. Para as Grandes Festas, fechamos a pousada por duas semanas e viajamos para a cidade, que fica a vĆ”rios dias de viagem daqui.

‘Mas como vocĆŖ pode viver assim!’, exclamei. 'Como pode um judeu passar meses a fio sem um kadish ou borchu, sem ouvir a leitura da TorĆ”?'

'O que posso fazer? Este Ć© o meu sustento. NĆ£o hĆ” nada que eu possa fazer na cidade.'

"Quantas famĆ­lias judias existem na cidade?", perguntei.

“Cerca de cem”, respondeu ele.

'Se D'us consegue sustentar cem famĆ­lias', eu disse, 'vocĆŖ nĆ£o acha que Ele poderia encontrar uma maneira de sustentar mais uma?'

“Com essa nota, nos separamos. Deram-me um quarto para descansar, e o estalajadeiro foi cuidar de seus negĆ³cios.

Uma hora depois, ouvi um barulho lĆ” fora. Olhando pela janela, vi vĆ”rios carrinhos e carroƧas cheios de fardos e caixotes, mĆ³veis e utensĆ­lios domĆ©sticos. O estalajadeiro e seus filhos corriam, amarrando os fardos e acomodando as mulheres e crianƧas nas carroƧas.

"O que estĆ” acontecendo?", perguntei ao idoso.

‘Vamos nos mudar para a cidade’, respondeu ele. ‘VocĆŖ estĆ” certo, este nĆ£o Ć© lugar para um judeu. Um judeu precisa de um minyan, um rabino, uma comunidade...'

‘Mas assim mesmo, vocĆŖ vai? Onde vocĆŖ vai ficar? E o que vocĆŖ vai fazer da vida?

‘Vamos encontrar alguma coisa. Como vocĆŖ corretamente apontou para mim, se D'us pode cuidar de cem famĆ­lias na cidade, Ele certamente pode sustentar mais algumas almas...'

“Tal era a fĆ© e a confianƧa em D'us desses judeus”, concluiu o rabino Schneur Zalman. “Eu era apenas um jovem na Ć©poca, mas porque eu disse a ele que era um discĆ­pulo do Grande Maguid, ele inquestionavelmente agiu de acordo com meu conselho. Sem pensar duas vezes, ele deixou para trĆ”s um empreendimento que lhe proporcionarĆ” uma vida confortĆ”vel durante cinquenta anos e partiu, naquela mesma noite, para um lugar onde pudesse servir melhor ao seu Criador.’

NOTAS:

  1. Rabino DovBer de Mezeritch (falecido em 1772), segundo lĆ­der do movimento chassĆ­dico.
  2. Um quĆ³rum de dez homens judeus adultos Ć© necessĆ”rio para a recitaĆ§Ć£o das preces comunitĆ”rias.