Israel: autodeterminação e democracia

Israel: autodeterminação e democracia

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Israel: autodeterminação e democracia
"Para que uma democracia seja preservada é
necessário vigilância"
Por Ana Beatriz Prudente Alckmin
A autodeterminação de um povo é o que o guia nos caminhos até seus propósitos, é a proteção das suas crenças, a manutenção dos seus valores e a construção para as próximas gerações. Ao olharmos para o povo judeu e sua história marcada por perseguições e violência, vemos Israel como principal resultado da sua autodeterminação para resistência, sobrevivência e preservação de sua cultura e memória para seus descendentes.
O Estado de Israel foi criado para que os judeus tivessem o poder de decidir seu destino, suas leis e viver de acordo com seus costumes. Em outras palavras, Israel foi criado para ser o porto seguro dos judeus de todo o mundo. A história mostra que os constantes e milenares (têm mais de 2 mil anos) preconceito, racismo e perseguição aos judeus estão longe de ter fim. O grande compromisso de Israel é a sobrevivência do povo judeu. Na Declaração de Independência, fala-se em respeitar o direito de todas as outras etnias que vivem no país e essa deve ser a base da democracia israelense.
Com uma população predominantemente judaica, o país tem hoje cerca de 9,5 milhões de cidadãos vivendo em seu território. Cerca de 6,829 milhões deles são judeus israelenses com diferentes etnias (74,2% da população); 1,890 milhões (20,9%) são árabes com religiões diversas; e 434.000 se determinam como “outros", que abrange diversos outros grupos étnicos, como circassianos e drusos. Há em Israel aproximadamente 300.000 imigrantes, muitos como trabalhadores temporários que professam as mais diversas fés. Cerca de 83% do crescimento do país vem da sua taxa de natalidade.
O hebraico é a língua oficial, falada pela maioria da população. Também há o árabe como idioma corrente, geralmente usado por uma minoria árabe, que inclui judeus que emigraram para Israel de países árabes. Grande parte dos israelenses se comunicam também em inglês, devido a muitas escolas ensinarem o idioma desde o começo da vida acadêmica; podemos dizer que o inglês é a segunda língua mais falada pelos jovens e nos ambientes de negócios. O russo e o amárico são idiomas comumente também ouvidos pelas ruas, já que houve na região um grande afluxo de pessoas da antiga União Soviética e da Etiópia. Anteriormente, Israel possuía as duas línguas — hebraico e árabe — como oficiais, porém em 2018 o Parlamento tornou — em uma lei polêmica — o hebraico como a única língua oficial de Israel e o árabe como língua secundária.
Ficou claro aqui que Israel é fruto de uma autodeterminação do povo judeu, mas também deve estar claro para você, caro leitor, que Israel não é uma terra formada só por judeus. Ser cidadão israelense não é sinônimo de ser judeu e neste contexto é necessário criar um país que seja democrático e acolhedor, para que todos os seus cidadãos tenham direitos e deveres iguais e oportunidades de se desenvolver.
Há muito tempo que Israel se apresenta para o mundo — esta tem sido a propaganda externa — como a única democracia do Oriente Médio, e de fato há características que colocam Israel nesta categoria de Estado democrático. Mas toda democracia tem seus problemas. Por exemplo, o Brasil é reconhecido como uma democracia, é do ponto de vista jurídico um Estado Democrático de Direito; porém, recentemente, o Brasil passou por 4 anos de retrocesso e muitas conquistas dos direitos humanos foram apagadas. Ou seja, não é incomum que democracias passem por períodos de crises democráticas ou que seus regimes democráticos fiquem em risco.
No caso de Israel, há muitos problemas e lideranças comunitárias vêm há muito tempo trazendo reclamações e reivindicações. Estados Democráticos de Direito têm problemas, não são perfeitos. Por isso os grupos progressistas têm o dever permanente de vigilância, para a proteção da democracia e das minorias.
Sendo Israel lar dos judeus não significa que outros povos não possam viver ali em igualdade de condições, o objetivo da democracia israelense é criar este ambiente de equidade e proteção para todos, inclusive Israel recebe muitos refugiados de outros países árabes que sofrem perseguições como, por exemplo, LGBTs.
Em pesquisa (Índice de Democracia Israelense, 2022) apresentada, em 15/01/2023, pelo presidente do Instituto de Democracia de Israel, Yohanan Plesner, e pelo diretor do Centro Familiar Viterbi de Pesquisa de Opinião Pública e Políticas da IDI, Prof. Tamar Hermann, 11% da população apenas alega ser de esquerda contra 62% de direita, dos quais a grande maioria são jovens. A sensação de segurança, o sentimento de pertencimento ao Estado, otimismo em relação ao futuro e confiança nas instituições de Estado estão em declínio, afetando a visão da população em relação aos princípios democráticos.
Mundialmente a extrema-direita mina a confiança nas instituições de Estado e em valores democráticos, criando cidadãos plenos e de 2ª classe, fenômeno que ocorre em diversos países ao redor do mundo, como Brasil e Estados Unidos. Cerca de 49% da população concorda que “os judeus cidadãos de Israel deveriam ter mais direitos que os não judeus”.
No dia 29 de dezembro de 2022, Benjamin Netanyahu voltou ao cargo de primeiro-ministro. É de conhecimento público que este será o governo mais à direita na história do Estado de Israel, que reúne partidos de extrema-direita e ultraortodoxos e o Likud, do próprio primeiro-ministro, trazendo em seus princípios uma dimensão normativa do judaísmo.

Teremos os problemas de sempre. Netanyahu colocou na administração dos territórios da Cisjordânia e no controle das fronteiras os partidos mais radicais, isso mostra que segue para a construção de novos assentamentos e não será agora o início de diálogos para a efetiva construção de um Estado Palestino. Portanto, as tensões com os palestinos, com alguns dos seus vizinhos e com a ONU continuarão. Em 20 de janeiro de 2023, a Corte Internacional de Justiça declarou ter recebido da Assembleia Geral das Nações Unidas, uma solicitação da opinião consultiva sobre a ocupação de Israel no território palestino.
A Corte Internacional de Justiça, que possui sede em Haia, no Palácio da Paz, é a principal corte judiciária da ONU para atuação em questões relativas aos países - a Corte também é conhecida como Tribunal de Haia, Tribunal Mundial ou Corte de Haia -, e suas resoluções são obrigatórias aos Estados ainda que não tenha a autoridade de aplicação dessas resoluções. Embora a Corte de Haia, em outros momentos, já tenha agendado audiências para realização do processo, espera-se que divulgue uma lista com países e organizações que podem se opor à situação.
A solicitação da Assembleia-Geral das Nações Unidas sobre as consequências legais da ocupação de Israel foi desaprovada pelo país e, alicerçada pelas autoridades palestinas, também solicita orientações sobre a legalidade dessa ocupação e esclarecimento sobre qual será o efeito para a ONU e outros países.
Segundo Netanyahu, o parecer é uma “decisão desprezível”. A última vez que ocorreu um posicionamento sobre o cenário foi em 2004 com a determinação da ilegalidade da barreira de separação israelense e a declaração de que os assentamentos “tinham sido estabelecidos em violação ao direito internacional”. Assim, Israel rejeitou o posicionamento da Corte e declara que existem motivações políticas na decisão.
O conselheiro de segurança nacional dos Estados Unidos, Jake Sullivan, e Netanyahu reforçaram durante a visita à Arábia Saudita, em 19 de janeiro de 2023, o desejo da expansão dos acordos de Abraão. Porém, Faisal bin Farhan Al-Saud, ministro das relações exteriores do reino do Golfo, declarou que “a Arábia Saudita se recusa a normalizar as relações com Israel sem a criação de um estado palestino”.
O “Tratado de Paz Abraão: Tratado de Paz, Relações Diplomáticas e Normalização Total entre os Emirados Árabes Unidos e o Estado de Israel” ou apenas Acordos de Abraão, foi assinado em 15/09/2020 e, para além das relações diplomáticas, também oficializa parcerias econômicas e trocas sociais entre Israel e outros países árabes. A Arábia Saudita é o primeiro país do Golfo Pérsico e o terceiro país árabe a protocolar uma relação com Israel.
Para a assinatura da Arábia Saudita, Israel consentiu com a suspensão do seu planejamento de anexação da Cisjordânia ao seu território, e o ministro das relações exteriores do reino do Golfo declarou não haver oposição aos acordos de Abraão, mas que respeito aos direitos palestinos é uma das condições para assinatura e, em um vídeo divulgado através do Twitter, disse que “uma verdadeira normalização e uma verdadeira estabilidade chegarão apenas se forem dadas esperança e dignidade aos palestinos, isso passa por dar-lhes um Estado.”
O país é o principal exportador mundial de petróleo bruto, maior economia árabe e tem relações muito próximas aos Estados Unidos, mas sempre se recusou a normalizar suas relações com Israel, justificando-se com a situação entre Israel e Palestina.
Para a Bloomberg TV, Faisal declarou: “Temos dito consistentemente que acreditamos que a normalização com Israel é algo que é muito do interesse da região”, reforçando que “a verdadeira normalização e a verdadeira estabilidade só virão dando esperança aos palestinos, dando dignidade aos palestinos.” Segundo a Bloomberg, ele também alegou que a criação de um Estado palestino pode se tornar uma pré-condição para a efetivação de relações diplomáticas com Israel.
Após a morte de nove palestinos durante uma atuação militar israelense no acampamento de refugiados de Jenin, a Autoridade Palestina anunciou que não vai mais cooperar no setor de segurança com Israel. Apesar de a decisão ser aparentemente motivada por esta última atuação militar de Israel, é importante lembrar que a pauta palestina pela criação de seu Estado vem perdendo força como se o tema não fosse mais uma prioridade, até dentro do mundo árabe, então podemos interpretar este rompimento como um grito palestino para os seus próprios aliados, uma estratégia para reacender os debates para criação de seu Estado.
Mahmoud Abbas, o presidente da Palestina, declarou que “diante das agressões reiteradas contra o nosso povo e das violações dos acordos firmados, sobretudo em matéria de segurança, consideramos que a cooperação em segurança com o governo de ocupação israelense já não existe a partir de agora”.
Anteriormente, em forma de protesto contra o projeto israelense de anexação dos territórios ocupados na Cisjordânia desde 1967, a Palestina já havia suspendido a cooperação em maio de 2020, porém retomou no mesmo ano em novembro, já que a suspensão afetou os traslados de pacientes palestinos a hospitais israelenses.
A afirmação do Exército israelense é de que havia realizado uma operação antiterrorista contra a organização terrorista Jihad Islâmica, responsável por vários ataques contra Israel.
Os EUA lamentaram a decisão da Autoridade Palestina. Barbara A. Leaf, principal diplomata estadunidense para o Oriente Médio, declarou que “obviamente, não achamos que este seja o passo correto neste momento”, e continuou: “Pelo contrário, achamos que é muito importante que as partes mantenham e, inclusive, aprofundem sua coordenação de segurança”.
A diplomata também apontou que a Casa Branca esteve em contato com as autoridades de ambos Estados e apresentou as preocupações estadunidenses pelo agravamento da situação, eles apelaram para Israel e Palestina reduzirem a tensão para preservar as vidas inocentes de ambos os lados.
Estas tensões na relação de Israel com os palestinos não são as únicas, o país vive um momento de tensões internas que vêm mobilizando cidadãos judeus.
Com aproximadamente 80.000 pessoas, ocorreram em 14/01/2023 manifestações contra os planos de Benjamin Netanyahu para a reforma no Judiciário. Apesar de o número ser muito significativo como já foi citado aqui no texto, a maioria dos cidadãos israelenses tem simpatia por posicionamentos mais à direita. Segundo os manifestantes, as alterações propostas pelo governo são um ataque à democracia e chama atenção a participação de juízes, escriturários e oficiais militares contra o regime Netanyahu.
A presidenta da Suprema Corte de Israel, Esther Hayut, fez críticas abertas à reforma no dia 13/01/23. Ela considera que este “não é um plano para consertar o sistema judiciário, mas para esmagá-lo. É algo que pode mudar a identidade democrática do país.” O primeiro-ministro está sob julgamento por fraude, suborno e quebra de confiança, acusações que ele continua negando.
Yariv Levin, Ministro da Justiça de Israel, anunciou no começo do mês os planos do governo, com isso a maioria simples do parlamento poderia anular as decisões da Suprema Corte, abrindo margem para possibilidade de o governo obter aprovação direta de suas propostas sem interferências.
O projeto propõe uma alteração no pleito, para uma votação por maioria simples, o que desequilibraria a situação contra a esquerda nacional presente no Parlamento, já que Netanyahu possui o poder de 64 das 120 cadeiras. A proposta tem em vista entregar ao Parlamento o poder de revisão e anulação das decisões da Suprema Corte e aponta a criação de um comitê de avaliação das nomeações para o Tribunal, e com isso o Parlamento pode derrubar as decisões da Suprema Corte.
Essa foi a maior manifestação desde a posse de Netanyahu. Partidos de oposição pediram que a população participasse das manifestações contra a reforma e para resguardar a democracia.
Segundo Hayut, a alteração tiraria do Poder Judiciário a tarefa de fiscalização das ações do Executivo, afetando questões que abrangem os direitos das minorias.
Quando os progressistas israelenses se referem a minorias que podem estar com seus direitos em risco a partir da reforma do Judiciário, obviamente estão falando principalmente da população árabe israelense. Segundo alguns intelectuais denunciam e os próprios líderes comunitários árabes israelenses expõem, há atritos velados entre cidadãos judeus israelenses e cidadãos árabes israelenses. É importante lembrar que atritos entre etnias que vivem no mesmo país infelizmente fazem parte do repertório de quase todo Estado. Tem feito parte da narrativa da humanidade que grupos étnicos que vivem no mesmo território disputem por espaço de poder, muitas vezes há racismo, lutas por conquistas de reinvindicações específicas, tudo isso faz parte da construção da equidade da diversidade de qualquer país e quando se é uma democracia há caminhos legais para que todos os grupos que fazem parte de uma coletividade alcancem os seus objetivos de forma pacífica.
Temos em Israel cidades mistas judias-árabes que possuem potencial de exemplo de coexistência: Acre, Ramla, Jaffa e Lod. Há desafios na construção dessa coexistência, e é justo dizer que Israel tem sido um exemplo de convivência pacífica entre a minoria árabe e a maioria judaica, mas segundo fontes algumas medidas vêm alimentando a animosidade entre esta maioria e a minoria, fazendo a minoria árabe ter sentimentos de ofensa.
Segundo o Índice de Democracia de Israel 2020, 81% dos entrevistados árabes disseram que os membros dessa comunidade desejam se integrar ao país e fazer parte dessa sociedade. No entanto, apenas 35% acreditam que o governo israelense é democrático no tratamento dos cidadãos árabes, uma queda de 10 pontos percentuais desde 2017.
A presença de entidades representativas, a realização de pesquisas de opinião, o surgimento de novos grupos políticos, as manifestações de rua pela defesa de ideais e o debate acirrado entre os três poderes são características de uma democracia. Eu não tenho dúvidas de que Israel é uma democracia; todavia, para que uma democracia seja preservada é necessário vigilância. Todos que amam Israel estão vigilantes pela defesa da democracia israelense.

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