Se Erdogan pretende explorar a prisão do casal israelense para suas necessidades diplomáticas, e conforme o tempo passa e a pressão pública em Israel aumenta, não haverá escolha a não ser recrutar esforços internacionais.
“O casal fotografou a casa de Erdogan [primeiro-ministro turco Recep Tayyip]; eles se concentraram na casa e a marcaram ”, disse o ministro do Interior turco, Suleyman Soylu, em uma entrevista coletiva. “O Ministério Público estima que cometeram um crime de espionagem militar e política, mas o tribunal tomará a decisão no futuro.”
A suposição de trabalho inicial de que a polícia turca e especialistas em inteligência perceberiam dentro de algumas horas ou dias que isso era um erro, ou uma foto inocente que milhares de turistas e cidadãos turcos tiram todos os dias, provou ser falsa. A extensão da detenção de Mordi e Natalie Oknin , seus interrogatórios separados e a longa duração de sua prisão - quase uma semana - indicam uma intenção de enviar o casal através do sistema judicial turco, ou pelo menos fazer Israel suar.
Uma fonte política turca disse ao Haaretz no início da semana que ele estima que o casal será libertado ainda esta semana, porque o caso parece ter se inflado "desproporcionalmente". Mas na quarta-feira, ele já manifestou dúvidas sobre se o processo seria encerrado nos próximos dias.
“O problema é que há competição entre as organizações de inteligência turcas na questão de expor as ameaças contra a Turquia e como lidar com elas”, explicou um jornalista turco ao Haaretz. “A inteligência policial não está subordinada à inteligência geral. O primeiro é de responsabilidade do Ministro do Interior Suleyman Soylu, e os outros grupos de inteligência são controlados por Hakan Fidan, e eles nem sempre concordam quanto ao método de operação. ”
Fidan, chefe da Organização Nacional de Inteligência da Turquia, tem um bom relacionamento com o Mossad e os chefes de inteligência de Israel. De acordo com relatos da mídia turca, o chefe anterior do Mossad, Yossi Cohen, tinha laços estreitos com Fidan, o que incluía reuniões e cooperação de inteligência. Soylu, por outro lado, é um político. Em 2018 o governo dos Estados Unidos impôs sanções contra ele e o ministro da Justiça, devido à participação na prisão do pastor americano Andrew Brunson .
Brunson foi preso em 2016 sob suspeita de estar envolvido no golpe fracassado contra Erdogan, mas por falta de evidências de seu envolvimento foi acusado em vez de espionagem e auxílio ao terrorismo. Somente a decisão do presidente dos EUA, Donald Trump, de impor sanções econômicas contra a Turquia em agosto de 2018, fez com que a Turquia julgasse Brunson dois meses depois. Ele foi sentenciado a uma pena de prisão e liberado imediatamente depois.
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A relação entre Fidan e Soylu está longe de ser ideal. Ambos se consideram sucessores dignos de Erdogan, mas o status de Soylu sofreu recentemente depois que um dos chefes da máfia turca divulgou uma série de vídeos em que o acusava de corrupção.
A prisão de cidadãos turcos e estrangeiros sob acusações forjadas é um fenômeno familiar e assustador. O próprio Soylu relatou no início do ano que mais de 25.000 pessoas estão presas em prisões turcas por estarem ligadas ao movimento do clérigo muçulmano Fethullah Gülen . Muitos deles não foram julgados e não está claro quando e se serão.
Ao contrário dos relatos diários da mídia turca sobre a prisão de pessoas suspeitas de pertencerem ou ajudarem a organização de Gülen, que se define como uma organização terrorista, a prisão dos Oknins, como a denúncia da “rede de espionagem” israelense em outubro , está sob um apagão quase total da mídia. Embora não haja uma ordem específica para se abster de noticiar o caso, qualquer relatório sobre inteligência e segurança do Estado põe em perigo os repórteres, a menos que eles recebam uma autorização.
Este silêncio convida a uma série de suposições sobre os verdadeiros motivos por trás da decisão de prender e talvez processar o casal israelense. A tensão pessoal e política entre Fidan - “o confidente de Erdogan” que prefere uma solução tranquila, diplomática e viável para os conflitos e questões - e Soylu, que se apresenta como o líder da batalha contra o terrorismo, pode fornecer uma explicação.
Outra avaliação é que a Turquia deseja aproveitar a prisão para obter uma conquista diplomática ou de inteligência em troca da libertação do casal. Mas essa análise apresenta várias falhas: já existe cooperação de inteligência entre a Turquia e Israel, e aumentá-la não depende de chantagem, mas de coordenação de interesses.
Do lado diplomático, desde o final do ano passado, a Turquia vem tentando melhorar suas relações com Israel, e Erdogan até mudou de tom e propôs um candidato a embaixador da Turquia em Israel, que Israel rejeitou. O ministro das Relações Exteriores, Yair Lapid, não é fã da Turquia e não está entusiasmado com a renovação dos laços com o país. A Turquia está muito interessada nos laços com Israel, porque está simultaneamente promovendo laços diplomáticos com o Egito, que foram rompidos desde que o presidente Abdul al-Fattah al-Sissi assumiu o poder em 2013, após destituir o presidente anterior do Egito, Mohammed Morsi, membro do Irmandade muçulmana.
A Turquia acredita que a renovação das relações com Israel promoveria os laços com o Egito, o que abriria uma ponte para a África para a Turquia. Enquanto isso, Erdogan obteve um importante sucesso diplomático com a renovação dos laços diplomáticos com os Emirados Árabes Unidos, cujo governante, Mohammed bin Zayed, deve chegar à Turquia para uma primeira visita real em 24 de novembro.
Podemos supor que Israel pediu aos Emirados Árabes Unidos para intervir pela liberação dos Oknins, e já há algumas pessoas que esperam que Erdogan os liberte como um gesto a seu importante convidado em homenagem à renovação das relações. Nesse caso, a Turquia pode esperar que Israel solicite a mediação da Rússia, dos Estados Unidos e de países europeus e, ao fazê-lo, dê a Erdogan crédito em países que são muito mais importantes para ele do que Israel.
O pedido do primeiro-ministro Naftali Bennett para manter o silêncio da mídia aparentemente visa limitar a história da prisão à arena legal turco-israelense, em vez de transformá-la em uma questão internacional, jogando assim nas mãos de Erdogan. Essa abordagem provavelmente só será benéfica se o chefe do Mossad e outros representantes israelenses conseguirem persuadir o governo turco a descer de sua árvore alta.
Mas se Erdogan pretende explorar o caso para suas necessidades diplomáticas, e conforme o tempo passa e a pressão pública em Israel aumenta, não haverá escolha a não ser adotar uma abordagem pública ativa. Erdogan já provou que não se incomoda com pressões internacionais, mesmo quando vêm de grandes potências como Estados Unidos e Alemanha. Ele rejeita e despreza as demandas para melhorar os direitos humanos em seu país, ele insulta chefes de Estado que exigiram que ele libertasse o filantropo e empresário turco Osman Kavala e ameaça internautas que mostram desrespeito por ele nas redes sociais.
Mas em uma série de casos, a pressão internacional foi capaz de registrar conquistas com Erdogan. O governo israelense deve decidir até quando continuará conduzindo as negociações em segredo e quando começará a galvanizar a opinião pública. Esta decisão deve vir antes que a Turquia decida processar o casal e torná-los reféns, uma situação que, em qualquer caso, exigiria que Israel recrute esforços internacionais.
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