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A Inquisição Espanhola

A Inquisição Espanhola

A Inquisição foi introduzida tardiamente na Espanha, por Fernando de Aragão e Isabel de
Castela, os Reis Católicos, no final do século 15, cerca de 250 anos após ter sido criada pela Igreja Católica. Mas foi nos domínios da Coroa Espanhola que alcançou novas dimensões de intolerância e perversidade, tornando-se o capítulo mais aterrorizante na história da Inquisição.

Edição 108 - Setembro de 2020


O Tribunal da Santa Inquisição foi inicialmente criado no século 13, para julgar e punir hereges cristãos que tinham atitudes ou ideias que “negavam um artigo de verdade da fé católica”. Na Espanha, porém, a Inquisição adquiriu características própria. O principal alvo eram os conversos - judeus forçados, por violência ou pressão, a se converter ao Cristianismo. Eles eram suspeitos de praticar o Judaísmo em segredo. E, enquanto a autoridade máxima da Inquisição Papal, como passou a ser conhecida, era o Pontífice, na Espanha, apesar de representar a Igreja, era principalmente um instrumento da Coroa. A Inquisição Espanhola unia o poder espiritual e temporal - resultando daí uma tirania semelhante, porém muito mais poderosa e invasiva.

Vale ressaltar que a Inquisição tinha jurisdição apenas sobre cristãos. Uma pessoa não batizada acusada de blasfêmia era julgada por um tribunal secular, mas na Espanha mesmo os judeus foram alvo de sua perseguição. Tendo recebido do Papa a permissão de “adaptar” sua conduta de acordo com as “necessidades locais”, os inquisidores espanhóis facilmente encontraram uma forma “legal” de incluí-los em sua alçada, jogá-los em suas prisões e queimá-los vivos.

A criação da Inquisição

No início do século 13, as seitas cristãs heréticas proliferavam em toda a Europa. Para a Igreja elas representavam uma ameaça ao poder e hegemonia da doutrina católica. Tornava-se indispensável erradicá-las para a manutenção da ortodoxia católica. Para lutar contra os cátaros, por exemplo, uma das maiores seitas, cuja doutrina ameaçava suplantar o Catolicismo no sul da França, o Papa Inocêncio III pregou a Cruzada Cátara ou Albigense. Primeira cruzada num país cristão contra outros cristãos, durou vinte anos, arrasando o sul da França e tirando a vida de milhares de pessoas.

A Igreja estava ciente de que para erradicar as heresias precisaria de um instrumento de longo alcance, institucional e legal, fundamentado nas leis canônicas. Durante o 4º Concílio de Latrão, convocado em 1215 pelo Papa Inocêncio III, foi criado um tribunal eclesiástico que se incumbiria de julgar e punir todo pensamento ou ação que se desviasse da ortodoxia católica. A direção dessa instituição foi entregue aos dominicanos, que estavam envolvidos na luta contra as heresias desde a fundação da ordem, em 1209.

Em 1233, o Papa Gregório IX deu carta branca aos dominicanos “em sua tarefa de combater as heresias”, autorizando-os a “agir sem apelação, chamando a ajuda do braço secular, se necessário”. Gregório IX determina também o estabelecimento do Tribunal do Santo Ofícioou Tribunal da Santa Inquisição a ser composto por dominicanos que responderiam apenas à Santa Sé.

A partir dessa data os inquisidores estavam investidos de poderes investigativos e judiciais, e suas determinações estavam além do poder de interferência de outras autoridades religiosas ou civis. Levantada a suspeita de heresia, os inquisidores podiam prender qualquer cristão, por mais poderoso que fosse, aprisioná-lo, ordenar imediato confisco de seus pertences, desde os mais valiosos até os mais triviais, torturá-lo e pronunciar sumárias sentenças, inclusive de morte na fogueira. Como os inquisidores “não derramavam sangue, pois poderia fazer com que parecessem não serem cristãos”, eles contornavam esse impedimento cinicamente entregando os condenados à autoridade civil, com a ordem de os queimar vivos, na estaca.

Antecedentes na Espanha

Até o século 13 a Península Ibérica estava fora da esfera e poder da Igreja. No século 8, forças islâmicas haviam conquistado a maior parte da Península. Desde então, durante séculos, os príncipes cristãos lutaram para recuperar os territórios perdidos. A “Reconquista”, iniciada em 718 (ou 722), só terminaria efetivamente em 1492 com a conquista do último bastião mouro, o Reino de Granada. Entre os principais Reinos Cristãos que surgiram durante a Reconquista estão Navarra, Castela, Aragão, Leão e Portugal.

A princípio, os nobres cristãos não poupavam as populações judaicas, mas as perseguições acabaram à medida que os fidalgos perceberam que não tinham outro talento além de guerrear, e que precisavam dos judeus. Hábeis artesãos, comerciantes, banqueiros, homens de grande cultura, fluentes em árabe assim como nos idiomas utilizados nos Reinos Cristãos, os judeus eram indispensáveis para a continuidade da vida urbana nas áreas conquistadas.

À medida que as forças cristãs vão reconquistando territórios, os governantes islâmicos, até então religiosamente tolerantes, tornam-se intransigentes com as demais religiões. Em várias ocasiões, a escolha dada aos judeus era a conversão ou a morte. A partir do final do século 12, essa intolerância

leva-os a procurar refúgio nos Reinos Cristãos. Lá estabelecem inúmeras comunidades, ricas e importantes, onde se destacam por seu conhecimento matemático, diplomático e científico. Isso fez com que no início do século 13 houvesse judeus em posições de grande poder político, econômico e social.

A história de Sefarad, como é chamada em hebraico a Espanha, chega a um ponto crucial quando a maior parte da Península está em mãos cristãs, ficando apenas o Reino de Granada sob domínio islâmico. A Igreja, que sempre viu com repugnância a política de conciliação adotada pelos governantes cristãos, exige deles medidas duras contra os judeus. A maioria não cede às pressões, mas com o tempo, as mesmas surtem efeito e medidas antijudaicas são adotadas. No entanto, a exigência de estabelecer os Tribunais da Inquisição é acatada apenas pelo rei de Aragão, em 1238. E, mesmo assim, seu funcionamento era proforma.

Os conversos

O século 14 marca uma mudança na atitude dos cristãos em relação à população judaica. De nação mais tolerante da Europa, onde muçulmanos, cristãos e judeus viviam lado a lado, gradualmente Sefarad se torna a mais intolerante.

A mudança em relação à população judaica foi fruto da feroz campanha antijudaica empreendida pela Igreja. Sermões inflamatórios são proferidos por padres e por frades que percorrem a Península. Antigas fontes pagãs e cristãs são utilizadas para a criação de um retrato infame dos judeus, impregnando o imaginário e a cultura popular, a arte, a música e a literatura. Os judeus são retratados como “verdadeiras encarnações do diabo”, ou, no mínimo, seus parceiros no mal, seres malignos que “tramavam constantemente a destruição do Cristianismo”.

Em junho de 1391, a violência antijudaica explode em Sevilha. Relatos da época afirmam que os cristãos “mataram muitos de meu povo… e muitos morreram para santificar o Nome de D’us e muitos violaram o Pacto Sagrado” (através da conversão...). A violência espalha-se de uma cidade a outra e, em todos os lugares, era oferecida a mesma opção aos judeus: conversão ou morte.

As estimativas sobre o total da população judaica que vivia em Sefarad variam, mas historiadores acreditam que quando a calma foi restaurada – um ano após os massacres – cerca de 100 mil haviam sido mortos, 100 mil sobreviveram e 100 mil se converteram. Até meados de 1415 houve outras 50 mil conversões.

No século 15 a população judaica de Sefarad estava dividida entre os judeus e os conversos – também chamados de anussim, ou cristãos-novos. E, entre os conversos também havia distinções. Uma parte deles, os criptojudeus, mantinham sua fé no maior sigilo e na medida do possível; outra parte abraçou o Cristianismo, tornando-se, na maioria dos casos, cristãos “mornos”.

A conversão, porém, não blindava os novos cristãos da hostilidade dos “cristãos-velhos“ que se referiam a eles utilizando o termo “marranos” (porcos, em espanhol). A partir de 1391, para distinguir os cristãos-velhos dos “novos” é incorporado na vida espanhola um conceito racial: o de limpieza de la sangre (pureza de sangue). Para um cristão provar sua “pureza de sangue” devia provar que não havia judeus ou muçulmanos em sua linhagem. Uma das primeiras indicações oficiais da aplicação do conceito de “pureza do sangue” foi o Edito de Toledo, de 1449, pelo qual todos os conversos ficavam destituídos de posições oficiais.

Os conversos tornaram-se um grupo à parte. Viviam e se casavam entre si e mantinham estreitos laços comerciais. Geralmente estavam entre as pessoas mais instruídas e poderosas de Sefarad, sendo que vários galgavam posições de destaque na administração real, na burocracia civil e até mesmo na Igreja.

As autoridades eclesiásticas que, a princípio, celebraram as conversões como uma vitória do Cristianismo, começam a perceber que haviam sido um tiro no pé, pois muitos dos recém-convertidos seguiam às ocultas o Judaísmo. Surgira na Espanha uma nova forma de “heresia”, a judaizante. Ao longo do século a “questão dos conversos” deixa de ser apenas um problema religioso e se torna também social. O ódio e ressentimento dos cristãos-velhos em relação ao conversos provoca explosões de violência e são registrados recorrentes pogroms em toda Sefarad.

Os Reis Católicos e a Inquisição

Em meados do século 15, Sefarad era ainda um conjunto de reinos independentes. A formação do Reino da Espanha teve início, em 1469, com o casamento de Isabel de Castela e Leão e Fernando II de Aragão. Em 1474, Isabel ascende ao trono de seu reino. Cinco anos depois, seu marido, Fernando, torna-se rei de Aragão. De 1479 em diante, eles governavam conjuntamente o que era, de fato, um único reino. Nos anos seguintes foram expandindo seu poder e domínio sobre grande parte de Sefarad.

Inicialmente, Fernando e Isabel não tinham atitudes hostis em relação a conversos ou judeus, muitos dos quais ocupavam importantes cargos na corte e na administração do Reino. Entre eles, o Rabi Isaac ben Judah Abravanel e Don Abraham Senior, de Segóvia, respectivamente Rabino Chefe de Castela e Coletor-Chefe de impostos reais. Em várias ocasiões os soberanos intervieram para impedir pogroms, assim como para conter os excessos das autoridades municipais em sua tentativa de restringir os direitos dos judeus. Ademais, os Reis dependiam da riqueza judaica para financiar seus empreendimentos. A guerra travada contra Granada, por exemplo, último reduto em poder dos mouros, iniciada em 1482, foi em grande parte financiada por conversos e judeus.

Mas, numa época em que a unidade da fé era a meta suprema de um governante cristão e a heresia o maior dos crimes, não havia lugar para tolerância religiosa. Os Reis acreditavam ser sua obrigação extirpar a “heresia conversa”, e tomar medidas para impedir a população judaica de “influenciar” os cristãos. Ademais, sabiam que era necessário haver uma forte unidade religiosa para fazer com que os espanhóis superassem diferenças linguísticas, culturais e institucionais fazendo da Espanha uma nação unida.

Coube a Alonso de Espinao superior da Casa de Estudos de Salamanca, “idealizar” a solução do “problema dos conversos”. Espina, que odiava igualmente judeus e conversos, pregava a conversão forçada de todos os judeus e a instalação da Inquisição como uma arma corretiva para lidar com a apostasia dos conversos. Caso isso não fosse suficiente para extirpar o judaísmo da Espanha, Espina defendia a expulsão ou extermínio. Em seu devido tempo, todas as sugestões de frei Alonso foram adotadas pelos governantes ibéricos.

Em 1477, outro frade, o dominicano Alonso de Ojeda, convenceu os monarcas que a “heresia” dos conversos só poderia ser combatida se instalada a Inquisição. Os Reis concordaram, porém não queriam a interferência do Papa em seu Reino. Enviaram uma petição ao Papa Sisto IV sobre a instalação da Inquisição na Espanha, mas sob jurisdição da Coroa. Era algo inédito e o Papa hesitou. Cedeu frente às pressões do cardeal espanhol Rodrigo Bórgia, futuro Papa Alexandre VI. Em novembro de 1478, Sisto IV autoriza a criação da Inquisição na Espanha sob jurisdição real.

O primeiro Tribunal do Santo Ofício foi instalado em Sevilha, em 17 de setembro de 1480. A demora de quase dois anos foi resultado da luta dos conversos contra sua instalação, e uma hesitação inicial por parte dos Reis.

O alvo principal da Inquisição eram os “judaizantes”, conversos suspeitos de continuarem praticando o Judaísmo em segredo ou, pior ainda, de levar outros de volta à sua religião. Os judeus também não estavam a salvo. De acordo com as leis canônicas, eles e os muçulmanos estavam fora da jurisdição da Inquisição. Porém, a Inquisição podia enquadrar os judeus facilmente, acusando-os de induzir um cristão a adotar alguma prática “herética”, ou seja, algum rito judaico. Essa era uma acusação perigosa e levantada com frequência contra eles.

O medo tomou conta dos conversos. Alguns saíram de Sevilha e procuraram abrigo nos domínios de outros nobres. Mas, quando a Inquisição ameaçou excomungar e confiscar os bens de quem lhes desse abrigo, os conversos foram enviados de volta. Outros decidiram lutar. Diego de Susan, um dos homens mais poderosos de Sevilha, após reunir outros conversos, engendrou um plano de luta. Descobertos, os conspiradores foram presos, prontamente julgados e sentenciados à estaca, isto é, a serem queimados vivos. A imensa riqueza dos condenados foi imediatamente confiscada pelo Tesouro real. A Inquisição e a Coroa cobiçavam a riqueza dos conversos e o interesse econômico acabou elevando exponencialmente as acusações.

Em 6 de fevereiro de 1481, foi realizado o primeiro auto-de-fé. Seis conversos foram queimados vivos. Alguns dias depois, Diego de Susan e outros dois participantes da frustrada conspiração foram queimados na estaca. Logo em seguida, os demais participantes tiveram a mesma sorte. No início de novembro as chamas ganharam mais 298 vítimas. Todos eles eram conversos. Segundo os registros, entre 1481 e 1488, houve 750 autos-de-fé apenas em Sevilha.

Torquemada e a Inquisição

Tomás de Torquemada, um dominicano confessor dos Reis Católicos, passou à história como o representante da face mais aterrorizante da Inquisição.

Torquemada foi nomeado Inquisidor em fevereiro de 1482 e, em outubro do ano seguinte, Inquisidor Geral, presidindo o recém-criado Consejo de La Suprema y General Inquisición, a autoridade máxima da Inquisição Espanhola. Os membros da Suprema e o Inquisidor Geral eram indicados pela Coroa, evitando, dessa forma, a possibilidade de intervenção papal. A Suprema controlava todos os tribunais, assim como a receita de seus confiscos, assegurando-se de que a maioria dos lucros fossem para o Tesouro real.

Entre os inéditos poderes que o Papa concedera à Inquisição Espanhola constava a autorização de modificar as regras tradicionais da Inquisição, atendendo às “peculiaridades” espanholas. Com isso, a instituição inquisidora se autogovernava, ficando independente do Papado. Era aliada subordinada ao poder real e em mais de uma ocasião, foi usada para propósitos políticos.

Maquiavélico e dono de implacável fanatismo e crueldade, Torquemada organizou e expandiu o alcance do Tribunal Inquisidor. Sua “devoção” ao papel de Grande Inquisidor o fez recusar o Bispado de Sevilha. Apesar de não abandonar o humilde traje de frade dominicano, Torquemada gostava de luxo. Morava em palácios luxuosos e em suas viagens era sempre acompanhado por 50 guardas montados e 250 homens armados. Tampouco se acanhava em se apropriar de parte das riquezas judaicas confiscadas pela Inquisição.

As queixas sobre a atuação da Inquisição começaram logo após ele ter assumido o cargo de Grande Inquisidor. Os dignitários de Barcelona se dirigiram ao Rei Fernando: “Estamos arrasados com as notícias que recebemos das execuções e dos atos que dizem estar havendo”. Vários bispos espanhóis enviaram suas queixas para o Papa que respondeu deplorar o fato de que “muitos autênticos e fiéis cristãos, com base em testemunhos de inimigos, sem qualquer prova legítima, foram metidos em prisões, torturados … privados de seus haveres … e entregues ao braço secular para serem executados… A Inquisição, há algum tempo, é movida não por zelo pela fé e a salvação das almas, mas pelo desejo de riqueza”.

Era profundo o ódio de Torquemada pelos judeus e conversos. Não considerava confiável nenhum judeu – convertido ou não. Para o dominicano, só podiam viver na Espanha pessoas de “sangre limpia”, e ele pregava a expulsão ou morte de todos que não fossem cristãos puros.

O reinado de terror instalado por Torquemada levou os conversos a uma oposição frenética – apelos a Roma, aos magistrados e também à Coroa, a quem ofereceram somas vultosas. Ao verem que nada disso lhes era de valia, os conversos recorreram a violentas contramedidas. Em 1485 assassinaram o Inquisidor de Aragão, Pedro de Arbues, na catedral de Saragoça.

Mas a Inquisição não retrocedeu, pelo contrário. Iniciou uma violenta campanha antissemita, atiçando a hostilidade dos cristãos. Em seguida, dirigiu petição à Coroa pedindo a adoção de medidas “apropriadas” contra os judeus como forma de acalmar os ânimos. A proposta era a expulsão em massa.

Para apaziguar a Inquisição, em janeiro de 1483 os monarcas expulsaram os judeus de Andaluzia e, em maio de 1486, os de Aragão, mas a expulsão em grande escala teve de ser adiada. A Coroa precisava da riqueza judaica para financiar a campanha contra Granada.

Ademais, havia certa hesitação por parte da Coroa em tomar uma medida tão drástica. Numa carta, o Rei escreveu: ... “fazemo-lo com grande dano para nós, buscando e preferindo a salvação de nossas almas acima do nosso proveito...”. E, mesmo Isabella, que era profundamente religiosa, hesitou entre sua obrigação de estadista e o que considerava seu dever de fé. Torquemada incansavelmente cobrava dela o serviço que devia à Cristandade erradicando de seus domínios a presença judia.

Existem indícios de que um acordo secreto foi concluído entre a Coroa e Torquemada. Representando a Inquisição, ele aceitou o adiamento da expulsão em massa dos judeus até a conquista definitiva de Granada pelos espanhóis.

Em 2 de janeiro de 1492, o estandarte da Coroa espanhola foi alçado na torre de Alhambra, palácio-fortaleza em Granada. Com a capitulação do último reduto islâmico consolidava-se a unificação da Espanha como um país cristão.

Logo após a queda de Granada, já circulavam rumores de que os judeus seriam expulsos em massa. Ainda havia inúmeros judeus ocupando cargos importantes na corte, entre eles o Rabi Isaac ben Judah Abravanel e Don Abraham Senior. Inutilmente, eles tentaram fazer os soberanos mudarem de ideia. Um famoso quadro pintado por Emilio Sala Francés, reproduzido acima, retrata o evento . Na tela, um representante dos judeus implora pela reversão do decreto de expulsão, de 1492. A figura do judeu deve ser Dom Abraham Senior ou Rabi Isaac Abravanel. Com o manto vermelho, provavelmente Torquemada.

Passados menos de 90 dias da tomada de Granada, em 31 de março, foi, então, assinado o decreto de expulsão do Reino de todos os judeus e mouros que não aceitassem a conversão ao Cristianismo. Judeus e mouros receberam um prazo de quatro meses para escolher entre o exílio ou o batismo. Muitos judeus partiram.

Um grupo de seiscentas famílias de abastados judeus espanhóis obtiveram permissão para se estabelecer em Portugal. Mas, em 1497 o Rei D. Manuel I decreta a conversão forçada dos judeus que viviam em Portugal. Em 1536, quando o Vaticano autoriza a instalação da Inquisição em Portugal, nos moldes da Espanhola, eles se viram sem ter para onde escapar.

Após a expulsão da Espanha

As fontes divergem sobre os números, mas estima-se que 120 mil entre judeus e conversos tenham optado por permanecer na Espanha. Todos eram obrigados por lei a seguir a religião cristã e se tornaram presa fácil da Inquisição. O Tribunal do Santo Ofício não se interessava pela heresia em geral, apenas pela prática secreta de ritos judaicos.

Em 1492, já havia Tribunais do Santo Ofício operando em oito grandes cidades e, na década seguinte, havia um tribunal em quase todas as cidades do país.

A Coroa espanhola também se preocupava em preservar a unidade de crença em suas novas colônias, sendo assim despachados agentes da Inquisição ao Novo Mundo desde 1522. Seguindo um decreto real de que uma Inquisição separada fosse estabelecida no Império Espanhol nas Américas, três diferentes cortes foram subsequentemente instauradas, uma em Lima, em 1570, uma na Cidade do México, em 1571, e uma em Cartagena, em 1610. Nos três séculos de domínio espanhol, 30 hereges foram queimados em Lima e 41 na Cidade do México.

Metodologia e técnicas

A Inquisição espanhola endossou a “metodologia“ e técnicas da Inquisição Papal, mas de modo ainda mais cruel. Muitos eram presos antes mesmo da avaliação de seu caso e podiam ficar encarcerados durante anos, sem saber qual era a acusação e nem quem os acusava. O sigilo quanto aos informantes e testemunhas era uma “inovação espanhola” e impulsionava as delações.

A Inquisição usava de tortura para forçar confissões, sendo as mais utilizadas a cremalheira, a roda, o pêndulo e a tortura d’água. Mas, na realidade, qualquer tipo de tortura idealizado pela sádica imaginação dos inquisidores era igualmente sancionado. Durante as sessões de tortura, as únicas palavras ditas ao acusado eram “Diga a verdade”. Segundo Henry Charles Lea1, renomado historiador, “o tabelião anotava fielmente tudo o que se passava, mesmo os uivos das vítimas. ... Seus piedosos apelos por misericórdia ou por morte imediata”. O historiador continua: “Nada é mais apropriado para provocar nossa mais profunda compaixão do que aqueles relatos factuais a sangue-frio”.

O requisito para um acusado escapar de mais sessões de tortura era a delação de outros. O objetivo dos inquisidores “não era salvar a alma do acusado, mas alcançar o bem público e impor medo aos demais”.

Milhares de homens e mulheres de todas as idades ficaram aleijados ou enlouqueceram em virtude das torturas. E os poucos que eram liberados descobriam que estavam arruinados devido ao confisco de seus bens.

O ponto culminante dos processos dos Tribunais do Santo Ofício eram os autos-de-fé. Eles eram uma demonstração pública do triunfo da fé católica e do poder da Inquisição.Na Espanha, o auto-de-fé acabou sendo uma ocasião social de perversa excitação das massas, em muitos casos organizada para celebrar um casamento real ou alguma outra função pública.

Tornara-se uma exibição pública, armada com esmero, a pronúncia da sentença e a discussão sobre os detalhes das penas em meio à cruel cerimônia. A população corria para assistir os cortejos de condenados e penitentes, que eram praticamente arrastados, com os pés descalços e trajando túnicas amarelas - os “sambenitos” - e chapéus cônicos também amarelos, para humilhá-los ainda mais. Além disso, eram forçados a se retratar publicamente de seus “erros” contra a fé cristã. Após a leitura das sentenças os inquisidores “entregavam” os réus condenados à estaca às autoridades civis que se incumbiam de cumprir as sentenças. Se eles se arrependessem nos últimos momentos, eram “piedosamente” estrangulados antes de ser acesa a fogueira. Caso contrário, eram queimados vivos. É impossível calcular com precisão a incidência da pena de morte na história da Inquisição Espanhola.

O Fim da Inquisição

Em 1701, quando o Rei Filipe V ascendeu ao trono e se recusou a assistir a um auto-de-fé realizado em sua honra, parecia que algo estava para mudar. Mas, pouco depois, a Inquisição retomou suas “atividades” com a mesma severidade dos séculos anteriores.

Na verdade, sob o domínio ineficaz dos últimos Habsburgos2, a Inquisição Espanhola tinha poder suficiente para funcionar quase que independentemente da Coroa. Gradualmente, porém, durante o século 18, suas atividades foram diminuindo. Entre 1740 e 1794, o Tribunal de Toledo julgou apenas um caso por ano, em média.

O impacto da Revolução Francesa tiraria a Espanha de sua letargia. Em 1808, o exército de Napoleão, liderado pelo Marechal Joachim Murat, ocupa o país. Os Bourbon foram depostos e o irmão de Napoleão, Joseph, tornou-se rei. A religião católica seria tolerada como qualquer outra.

A Inquisição imaginou-se salva e ainda poderosa; e alguns dos inquisidores prenderam o secretário de Murat, um estudioso dos clássicos que se autoproclamava revolucionário ateu. Murat prontamente despachou tropas para libertá-lo. Em 4 de dezembro de 1808, o próprio Napoleão chegava a Madri. Nesse mesmo dia, emitiu um decreto abolindo a Inquisição e confiscando suas propriedades.

Em julho de 1814, após a derrota de Napoleão, Fernando VII foi restaurado ao trono espanhol. Com ele, restaurou-se nominalmente a Inquisição. O último processo de um judeu na Espanha ocorreu em Córdoba, em 1818. Embora o antissemitismo permanecesse disseminado no país, muitos espanhóis já viam sua Inquisição como anacrônica. Finalmente, em 15 de julho de 1834, um decreto aboliu a Inquisição Espanhola e também em seus domínios ultramarinos.

Sintetizando o veredicto da História sobre a Inquisição, o historiador Henry Lea escreveu: “O zelo fanático, a crueldade arbitrária e a insaciável cobiça se rivalizavam na construção de um sistema inimaginavelmente atroz. Era um permanente deboche da justiça – talvez o mais injusto jamais concebido pela arbitrária crueldade humana”.

1 Historiador americano do século 19, considerado a maior autoridade na História da Igreja no final da Idade Média, e sobre sua história institucional, legal e eclesiástica.

2 O ramo espanhol dos Habsburgos governou a Espanha e vários outros territórios de 1516 até ele ser extinto em 1700.

BIBLIOGRAFIA

Lea, Henry Charles, A History of the Inquisition of Spain (Vol. 1-4): Complete Edition - eBook Kindle

Kamen Henry, The Spanish Inquisition - eBook Kindle

Green,Toby, Inquisition: The Reign of Fear - eBook Kindle


Original: http://www.morasha.com.br/antissemitismo/a-inquisicao-espanhola.html


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