A medida já tinha sido aplicada em quatro bairros sinalizados de Nova Iorque onde vivem comunidades judaicas ortodoxas que se recusam a vacinar os seus filhos em idade escolar, mas será agora estendida a outras cidades. Surto de sarampo, considerado o mais grave dos últimos 25 anos, já afetou mais de mil pessoas.
Em resposta ao maior surto de sarampo registado nas últimas décadas nos EUA, o estado de Nova Iorque aprovou um projeto-lei que obriga à vacinação de todas as crianças e jovens em idade escolar, sem quaisquer exceções para determinadas religiões.
Utilizando a expressão “crise de saúde pública” para descrever o aumento extraordinário do número de casos de sarampo no estado de Nova Iorque e, especificamente, em duas comunidades judaicas ultra-ortodoxas de Brooklyn e no condado de Rockland (foi ali aliás que o surto teve início), Andrew M. Cuomo, governador democrata daquele estado, assinou sem demoras o projeto-lei. Nova Iorque junta-se assim a outros estados norte-americanos que não abrem exceções à vacinação por motivos religiosos — é o caso da Califórnia, Arizona, West Virginia, Mississippi e Maine.
A 9 de abril deste ano, Nova Iorque declarava o estado de emergência devido a um surto de sarampo que tinha começado meses antes e afetado, até àquela data, 285 pessoas. Os números atuais apontam para mais de 1000 casos, o número mais alto dos últimos 27 anos. A maioria dos casos tem surgido entre a comunidade judaica ortodoxa, onde abundam as campanhas anti-vacinação que acabam por fazer com que os pais não queiram vacinar os seus filhos.
Decretada a medida extraordinária, os cidadãos de quatro bairros específicos de Brooklyn ficaram obrigados a ser vacinados e, se não o fizerem, arriscam pagar uma multa até 1000 dólares (cerca de 880 euros). Na altura, foi também feito um aviso às escolas religiosas judaicas: se continuarem a permitir a alunos não vacinados frequentar aulas, podem vir a ser encerradas.
COMUNIDADES JUDAICAS ALEGAM ESTAR EM CAUSA O DIREITO À LIBERDADE RELIGIOSA
Embora a nova lei já esteja em vigor, os alunos não vacinados seja contra o sarampo, seja contra outras doenças, têm até 30 dias para tomar as primeiras doses de todas as vacinas exigidas pelas autoridades estaduais. O assunto está longe de ser pacífico — aqueles que se têm oposto à vacinação obrigatória alegam estar em causa a sua liberdade religiosa e, na quarta-feira, terminada a votação na Assembleia de Nova Iorque, foram muitos os que expressaram o seu desagrado e consternação a partir das bancadas, descrevendo aquilo a que acabavam de assistir como uma “vergonha”.
No exterior do edifício, dezenas de pais juntaram-se para protestar contra a votação. Entrevistado pela agência de notícias “Associated Press, um advogado e russo ortodoxo de Long Island, Stan Yung, disse mesmo que está a ponderar sair de Nova Iorque e mudar-se para um estado em que não seja obrigado a vacinar os filhos para que estes possam ser inscritos na escola. “As pessoas vieram para os EUA precisamente para evitar qualquer perseguição religiosa e agora veem-se obrigadas a sair”, acrescentou.
Do outro lado da barricada estão argumentos como o expressado pelo democrata do Bronx e presidente do comité de justiça da assembleia, Jeffrey Dinowitz: “Não há nada na Torá, na Bíblia ou no Alcorão que diga que as pessoas não devem ser vacinadas”, afirmou. Foram utilizados outros argumentos, nomeadamente os que dizem respeito às evidências científicas, e lembradas epidemias que foram mitigadas com recurso a vacinas.
“Sou velha o suficiente para me lembrar daquilo que passámos por causa do surto de poliomielite. Acredito na ciência… As opiniões pessoais de alguns, baseadas certamente em mentiras, não contribuem para o bem da humanidade”, disse a democrata Deborah Glick, representante de Manhattan, e Andrew M. Cuomo, o governador de Nova Iorque, sublinhou que a saúde pública é bem mais importante do que quaisquer preocupações que tenham que ver com a liberdade religiosa. “Eu entendo isso, estou a par das preocupações de quem é contra as vacinas, mas a saúde pública, e os riscos que se correm atualmente, são superiores a tudo isso.”
Voltando aos estados norte-americanos onde não há quaisquer exceções à vacinação — salvo por questões de saúde, como ter um sistema imunitário débil —, refira-se o exemplo da Califórnia, que tornou a vacinação obrigatória para crianças da escola pública e privada depois de um surto de sarampo ter afetado 147 pessoas na Disneylândia e outras tantas nos EUA e Canadá, e do Maine, que acabou com essas exceções religiosas no início deste ano.