O triângulo rosa identificava os presos como “bichas” (Foto: USHMM) |
Destinado ao público jovem, “Marcados pelo Triângulo Rosa”, de Ken Setterington, relata a tortura de homossexuais durante o Holocausto.
Ao longo dos anos 20 e no início dos 30, a vida era muito mais fácil para os homossexuais na Alemanha do que em qualquer outro lugar da Europa — o que levava pessoas de vários cantos do mundo a Berlim em busca da liberdade sexual exalada na cidade. Por lá, as leis que proibiam relações entre homens eram raramente aplicadas, e a cultura LGBT prosperava naquela que era conhecida como a “capital gay”.
Logo após esses tempos áureos, contudo, veio o regime nazista, e os gays passaram a ser caçados como animais pelos soldados de Hitler. Levados para os campos de concentração, tinham que se despir e entrar numa piscina cheia de desinfetante; em seguida, recebiam seus uniformes de prisioneiros junto com um enorme triângulo rosa, que deveria ser costurado na roupa, no lado esquerdo do peito. Isso os identificava como “bichas” para todos os outros prisioneiros. Os presos homossexuais eram designados para o trabalho braçal nas pedreiras. Poucos conseguiam sobreviver. Alguns arrancavam os próprios olhos a fim de serem mandados para a enfermaria e não para a pedreira.
Seus cabelos eram raspados pelos soldados, deixando apenas o desenho de uma suástica. Eram alimentados com pães mofados e dormiam em sacos de palha sobre catres de madeira. Com frequência eram convocados a participar de experimentos médicos, nos quais ficavam enfileirados contra uma parede e tinham agulhas injetadas em seus mamilos — alguns não resistiam quando as agulhas atingiam o coração. Outros eram comidos vivos por cães de caça. Os que sobreviviam eram estuprados, castrados, espancados e atirados sem roupas na neve e em valas com fezes, ou suspensos em postes pelos punhos, com os braços amarrados nas costas. Entre 1933 e 1945, mais de 100 mil homens foram registrados pela polícia como homossexuais e passaram por tais torturas.
É esse período macabro da história que o canadense Ken Setterington descreve no livro Marcados pelo Triângulo Rosa, que chega agora ao Brasil. Ao contrário de outros autores que escrevem sobre o Holocausto, Setterington abre mão da linguagem mais rebuscada e usa um vocabulário acessível. Em alguns momentos, soa didático demais — justificável, tratando-se de um registro histórico destinado a um público juvenil, concebido por um educador acostumado ao engajamento com o público adolescente. Resta saber se as escolas do país indicariam o livro para os alunos, já que recentemente o Ministério da Educação cortou a homofobia da lista de preconceitos que devem ser combatidos com o ensino em sala de aula.
De qualquer forma, Setterington não subestima a inteligência dos seus leitores. Ao contrário: em certas passagens, causa extremo desconforto e inquietude, como há de ser em qualquer pessoa de sangue nas veias que tenha contato com relatos tão viscerais do maior genocídio do século 20.
It Gets Better
Muito mais do que um livro sobre a Segunda Guerra Mundial, Marcados pelo Triângulo Rosa é um diário de resistência, tanto nas páginas finais, em que conhecemos o destino dos sobreviventes do massacre, quanto nos fatos históricos que mostram o que foi feito no mundo durante e após a perseguição nazista aos homossexuais. Exemplo disso é a inscrição no Memorial do Holocausto de Gays e Lésbicas, em frente ao Museu Judaico de Sydney: “Lembramos vocês, que sofreram ou morreram nas mãos de outros. Mulheres que amaram mulheres, homens que amaram homens e todos aqueles que recusaram os papéis que outros esperavam que tivéssemos. Nada deve expurgar sua morte de nossa memória”.
Em 2011, o escritor e jornalista Dan Savage e seu marido, Terry Miller, criaram a campanha conhecida como It Gets Better(“Melhora”), a fim de ajudar a juventude gay nos Estados Unidos. Logo se tornou uma ação internacional, apoiada por celebridades como Ellen DeGeneres, Neil Patrick Harris e o ex-primeiro-ministro britânico David Cameron.
No livro de Setterington, é destacado o fato de que nunca houve tanto apoio à comunidade LGBT, como visto atualmente. O que não quer dizer que não haja ainda intimidação e intolerância.
É só prestar atenção ao que falam a respeito das paradas de Orgulho LGBT ao redor do mundo: “é um Carnaval fora de época”, “não há fundamento político”, “só tem sexo explícito” — entre outros argumentos à base de moralismo, o mesmo que, no fundo, se incomoda ao enxergar os homossexuais com igualdade de direitos. O mesmo moralismo que coloca no poder ditadores que mantêm “campos de concentração” para torturar gays na Chechênia. Ou que, no comando da maior nação do mundo, proíbe transgêneros nas Forças Armadas. Aliás, não precisamos ir tão longe para exemplificar, levando em conta o crescimento da popularidade de Jair Bolsonaro — uma das figuras políticas mais homofóbicas do Brasil — para as eleições presidenciais de 2018.
Marcados pelo Triângulo Rosa fala sobre homens desse tipo na época do Holocausto. E sobre homens como Ernst Röhm, oficial nazista que era gay assumido e um dos braços direitos de Hitler, além de soldados que mantinham relações com os homossexuais — fosse em forma de estupro, fosse em laços afetivos longe dos campos de concentração. Quando não matavam, quase sempre eram mortos. Não havia final feliz para qualquer casal gay naquela época.
Recorro às palavras do grande jornalista e ativista Vitor Angelo (in memoriam), para afirmar que o livro de Setterington mostra o quão cruel é viver falsas identidades sexuais e como o homem “enrustido” pode desenvolver perversidades, por não poder exercer sua plenitude. Uma mensagem para grande parte dos homofóbicos que odeiam e condenam tanto os gays porque não têm sua sexualidade bem resolvida ou minimamente aberta, livre para todos e para si.
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Marcados pelo Triângulo Rosa, de Ken Setterington. Tradução Sandra Pina. Editora Melhoramentos, 136 págs. R$ 50.
Unfortunately there is discrimination throughout the universe against LGBT
ResponderExcluirpeople hide through cruel inhuman apocryphal ones.
The world will always be the same script never changed.
Sensitivity