O problema foi colocado pela democrata Alexandria Ocasio-Cortez, aos 29 anos a mais jovem mulher a chegar ao Congresso. E parece que a comunidade dos judeus norte-americanos está com ela.
Ocasio-Cortez é tida como uma perigosa radical de esquerda. Não é portanto de estranhar que a direita conservadora lhe caia em cima sem piedade sempre que diz alguma coisa. Se o assunto for uma mistura de imigrantes e de questões judaicas, está montado o cenário perfeito para uma boa polémica.
Foi o que fez ao comparar a caravana de latino-americanos a caminho da fronteira dos Estados Unidos com os judeus que antes e durante a segunda Guerra mundial fugiram do nazismo e do Holocausto.
A questão semita ou anti-semita é um ponto por resolver na ala oeste da Casa Branca.
Quase dois anos depois e a Administração ainda não apaziguou os ânimos levantados com as primeiras acusações contra o alegado anti-semitismo da equipa de Donald Trump. A questão remonta às rivalidades entre Steve Bannon – o ideólogo que lançou o programa político do candidato Donald Trump, num primeiro momento, e que fundou as ideias políticas da Administração após a vitória das presidenciais, depois – e Jared Kushner, marido de Ivanka Trump e genro do presidente, um judeu nomeado para as questões do Médio Oriente sem que o mundo alguma vez lhe tivesse ouvido uma palavra a sair da boca, quanto mais uma linha de pensamento político.
Rezam as crónicas dos críticos de Donald Trump que Bannon e Kushner não se podiam ver e só não se apunhalaram pelas costas porque não tinham autorização superior.
Donald Trump veio a fazer uma visita a Israel levando um presente há muito aguardado por Tel Aviv: a embaixada norte-americana é para ser instalada em Jerusalém.
Um gesto que devia reconciliar definitivamente Donald Trump com a facção judia norte-americana, não fosse o seu apoio muitas das vezes nada discreto à Alt right, o movimento de extrema-direita tão querido a Steve Bannon, mesmo que este há muito tenha sido despedido.
Alexandria Ocasio-Cortez deixou um tweet esta semana que mais não fez que reavivar este fogo da questão judaica que por vezes parece estar a extinguir-se, mas que qualquer fagulha faz voltar a vibrar contra a Casa Branca.
“Ser considerado um refugiado e requerer um estatuto [applying for a status] não é um crime”, escreve Ocasio-Cortez este domingo, para acrescentar “como o não foi para os judeus que fugiam da Alemanha” numa altura em que vários grupos eram gaseados pela agentes norte-americanos quando tentavam forçar a entrada nos Estados Unidos.
“Eu recomendo que ela [Alexandria Ocasio-Cortez] faça uma visita ao Museu do Holocausto em [Washington] DC. Poderá ajudá-la a perceber as diferenças entre o Holocausto e a caravana em Tijuana”, respondeu de pronto o senador Lindsey Graham, um republicano próximo de Trump.
O problema para os detratores de Ocasio é que o próprio museu veio fazer-se eco das declarações da democrata, vendo toda a legitimidade nas suas posições.
“É imperativo ouvir os pedidos de asilo”
Questionado sobre esta polémica, a comparação entre judeus em fuga dos nazis e latino-americanos na demanda de asilo nos Estados Unidos, um porta-voz do Museu do Holocausto remeteu para declarações suas de 2017, quando o Presidente Trump anunciou as primeiras medidas para restringir o acesso de refugiados e imigrantes a cidadania e solo norte-americanos.
“O Memorial do Holocausto dos Estados Unidos está consciente das consequências para os milhões de judeus que foram incapazes de fugir do nazismo, como observado na nossa declaração de novembro de 2015 sobre a crise de refugiados na Síria. O Museu continua a ter uma séria preocupação com a crise global de refugiados e com a nossa resposta a esse problema. Durante os anos 1930 e 1940, os Estados Unidos, juntamente com o resto do mundo, recusaram de uma forma geral admitir refugiados judeus do nazismo devido a atitudes anti-semitas e xenófobas, condições económicas duras e medos relacionados com a segurança nacional”, refere a nota de 2017.
Um dos casos mais conhecidos é o St. Louis, navio cheio de refugiados alemães que chegou às costas dos Estados Unidos e do Canadá e foi impedido de entrar por ambos os países, sendo devolvido à Alemanha onde um terço dos 900 passageiros terá morrido às mãos dos programas de Adolf Hitler. Recentemente, Justin Trudeau, o primeiro-ministro canadiano, pediu perdão por essa decisão de 1939. Um gesto que não teve nenhum presidente norte-americano.
Melanie Nezer, vice-presidente da HIAS, principal organização para os refugiados judeus, lembra que as actuais leis nacionais para lidarem com a questão dos pedidos de asilo assentam muito no que foi a reflexão da questão dos judeus em fuga há setenta anos: “As leis que temos hoje neste país [Estados Unidos] são baseadas na convenção de 1951 das Nações Unidas, por sua vez reflectiu essa circunstância dos judeus serem repudiados durante a Segunda Guerra Mundial”.
E, nesse sentido, sublinha Melanie Nezer, faz todo o sentido a evocação de Ocasio-Cortez, não só aos judeus ostracizados em 1930 e 1940, como todas as subsequentes crises de refugiados: “O ponto para que [Ocasio-Cortez] quis chamar a atenção, e eu concordo com ela, foi da necessidade de ouvir os pedidos de asilo”.