José Cabrita Saraiva
‘Conheci antigos nazistas que eram pessoas encantadoras’
Laurence Rees, autor de Holocausto – uma nova história, ficou chocado da
primeira vez que viu imagens dos campos de concentração. E diz que esse choque
se agravou quando conheceu antigos nazis: imaginava que seriam «bandidos
violentos», mas afinal revelaram-se pessoas cultas, inteligentes e até
encantadoras. A aparente contradição espicaçou-lhe a curiosidade.
Os números são bem conhecidos: seis milhões de judeus, 1,5 milhões de
ciganos (roma e sinti), e ainda dissidentes políticos, deficientes,
homossexuais e Testemunhas de Jeová – todos assassinados. Quais as motivações
dos nazis para levarem a cabo o Holocausto?
Autor de documentários premiados, vencedor de dois Emmys, Laurence Rees
tem tentado responder a essa pergunta ao longo dos últimos 25 anos. O seu mais
recente livro, Holocausto – Uma Nova História (ed. Vogais) propõe uma longa
resposta, combinando a análise da evolução do antissemitismo, a história do
Terceiro Reich e os poderosos testemunhos tanto de vítimas como de
perpetradores do «crime mais infame da história do mundo».
Permita-me começar por fazer-lhe uma pergunta óbvia. Havendo tantos
livros sobre este tema, por que sentiu necessidade de escrever mais um? Não
estava satisfeito com os livros disponíveis?
Nos últimos 25 anos eu e as diferentes equipas de jornalistas que tive o
privilégio de liderar reunimos uma quantidade enorme de material em primeira
mão tanto de perpetradores como de sobreviventes do Holocausto. Muitas dessas
pessoas já morreram e a maior parte deste material nunca tinha sido publicado,
portanto são coisas que não se encontram em mais lado nenhum. Mas, e esse é o
segundo ponto, não quis escrever apenas uma história oral do Holocausto. Queria
fazer algo que nunca vi antes.
E o que é isso?
Essencialmente ligar duas correntes na historiografia. Por um lado, há
livros académicos muito detalhados – por exemplo o brilhante As Origens da
Solução Final, de Christopher Browning, um historiador que admiro muito. Mas
esse livro é muito acadêmico, penso que só um especialista lá chegaria; por
outro lado tem os poderosos testemunhos, nomeadamente os célebres livros de
Primo Levi e Anne Frank. Mas nunca li nada que tentasse fazer uma ponte entre
as duas variantes. Por isso propus-me a escrever [um livro de] História que
tivesse um ‘esqueleto’ intelectual que era ‘como e por que isto pôde acontecer’
mas sem abdicar do poder emocional dos testemunhos.
No início do seu livro fala dos teóricos do antissemitismo, alguns dos
quais fizeram bastante sucesso naquela época. Mas ler livros parece-me algo
muito diferente de atacar pessoas, especialmente porque estamos a falar de um
país civilizado. Quando foi dado esse primeiro passo da teoria para a ação? Na
Noite de Cristal [em que lojas de judeus, sinagogas foram vandalizadas e judeus
foram atacados e muitos mortos] ou antes disso?
Não, não, não... Muito antes! Imediatamente a seguir à Primeira Guerra
há uma revolução violenta, que provoca mortos, em que os comunistas tomam o
governo de Munique. Segue-se uma contrarrevolução de direita que mata pessoas,
com tiroteios no centro da cidade. A ideia de que a violência política só
apareceu dirigida aos judeus, perto da Noite de Cristal, não é verdadeira.
Houve grande violência política no rescaldo da Grande Guerra, houve uma
revolução em Berlim em 1919, a revolução de Espártaco [greve geral e lutas armadas
em janeiro de 1919]. Desde o fim da Primeira Guerra, a Alemanha é um lugar
violento e instável, e muitas pessoas ficaram convencidas de que os judeus eram
um problema que só podia ser resolvido com força bruta. Em 1921 Hitler disse
isso: ‘Só se pode lidar com a questão judaica usando força bruta’. Isto
acontece, em parte, porque se culpava os judeus das revoluções que tinham
acontecido em Berlim e Munique. É preciso perceber que a Alemanha não era um
país pacífico que de repente, no final dos anos 30, entrou numa espiral de
violência. Não, isso vem desde o rescaldo da Primeira Guerra.
Em 1938 realiza-se a Conferência de Evian, promovida por Roosevelt para
debater a questão da perseguição aos judeus na Alemanha. Os países ocidentais
podiam ter feito mais para evitar a tragédia?
À época da conferência de Evian ainda não havia ainda muitos judeus em
campos de concentração. A primeira grande afluência dá-se em novembro de 1938,
na sequência da Noite de Cristal. Quem estava presente na Conferência de Evian
teria consciência de que os nazistas perseguiam injusta e horrivelmente os
judeus, mas não os veria como um regime empenhado em assassinar judeus em larga
escala. Sabiam que Hitler queria perseguir os judeus, tratá-los de forma
hedionda, roubá-los e expulsá-los. Se tivessem dito a Hitler a seguir à
Conferência de Evian ‘Ouça, nós ficamos com todo e qualquer judeu que viva na
Alemanha e na Áustria’, Hitler teria ficado encantado e diria ‘Eu trato já dos
barcos para o transporte. Obrigado’. Claro que os outros estados podiam ter
feito mais. Mas, quanto mais analiso a Conferência de Evian, mais percebo que é
simplista culpar os aliados ocidentais. Em primeiro lugar, eles não sabiam o
que ia acontecer – ninguém sabia. Segundo, havia uma preocupação genuína de que
se aceitassem os refugiados – eles recusavam chamar-lhes ‘judeus’ – da Alemanha
e da Áustria, outros países da Europa de Leste poderiam dizer: ‘Excelente,
fiquem com os 3 milhões de judeus da Polônia, porque temos problemas com eles’.
A questão era até onde podiam ir e, obviamente, como vender a ideia aos seus
cidadãos. E há ainda outro aspeto que não pode ser desvalorizado, é que algumas
destes governantes eram eles próprios antissemitas, ou pelo menos não lhe
agradava que fossem judeus para os seus países.
No seu livro há uma fotografia impressionante [reproduzida na página
seguinte] dos funcionários do campo de concentração de Auschwitz-Birkenau num
momento de descontração. Estas pessoas sabiam o que lá se passava...
Claro.
Como podiam rir-se, estar alegres durante a pausa do trabalho?
Bom…
Eram todos sádicos ou apenas pessoas normais que se tinham habituado
àquilo?
Esse é um tema enorme e fascinante, uma questão em que tenho pensado
muito ao longo destes anos. Para mim essa é a grande mais-valia de conhecer as
pessoas e foi esse o grande privilégio da minha vida: ter a oportunidade,
graças à BBC, de dedicar muito tempo a descobrir e a conhecer tanto vítimas
como carrascos. No contexto da sua pergunta, a coisa mais importante em que
posso pensar é a entrevista que fizemos a Oskar Gröning, que trabalhou em
Auschwitz nas SS. E foi uma entrevista verdadeiramente espantosa porque ele
disse coisas que iam completamente ao arrepio daquilo que eu imaginava. Falou,
por exemplo, nas ‘maravilhosas amizades que se faz num sítio daqueles’ – e
referia-se a Auschwitz! Descreveu uma vida que, até certo grau, era muito
agradável. Explicou que se embebedavam, porque tinham acesso a bebidas
alcoólicas roubadas aos judeus que estavam a chegar. Aliás, disse que até
sabiam que judeus tinham chegado pelo tipo de bebida que estavam a beber
naquela noite. ‘Se bebíamos um brandy húngaro, ou um vinho francês, sabíamos
que era porque os judeus franceses ou húngaros tinham chegado naquele dia’. Era
horrendo. Havia um clube desportivo e um clube de teatro muito animado. É
contrário ao que imaginaríamos. Pensaríamos que Auschwitz era um sítio horrível
para trabalhar, mas para estas pessoas era seguramente um sítio muito melhor do
que a Frente Leste. E tinham acesso a material que podiam roubar.
Mas não os incomodava lidarem tão de perto com a morte de seres humanos?
Apenas um número muito, muito reduzido dos milhares das SS em Auschwitz
estavam diretamente envolvidos na matança. Apenas um punhado de SS eram responsáveis
por operar as câmaras de gás e crematórios. Oskar Gröning, de quem lhe falei,
trabalhava no campo principal de Auschwitz a contar o dinheiro dos judeus
assassinados. Era um empregado de escritório, uma espécie de contabilista. O
que se passa é que o grosso das matanças acontecia nas câmaras de gás e muitas
das pessoas que trabalhavam no campo não enfrentavam o horror repugnante
daquilo. Mas todos sabiam, claro, o que se passava. E muitos deles tinham sido
educados para acreditar que os judeus representavam um perigo terrível, por
isso pensavam: ‘O Governo decidiu isto, logo tem de ser legal e correto’.
E dormiam descansados?
Sem dúvida! Nós tendemos a acreditar que os sobreviventes, depois da
Guerra, deitaram tudo para trás das costas e tiveram uma vida excelente, e que
os carrascos viveram para sempre atormentados pela culpa. A experiência diz-me
que não é assim.
A norte-americana Susan Sontag escreveu sobre a primeira vez que viu
fotografias de amontoados de cadáveres nos campos da morte e chamou a essa
experiência uma ‘epifania negativa’. Lembra-se da primeira vez que viu estas
imagens arrepiantes?
Uma das grandes fontes de inspiração da minha carreira foi uma série
brilhante transmitida quando eu era adolescente, na década de 70, chamada O Mundo
em Guerra. Lembro-me de estar a ver isso e de ficar absolutamente em choque. De
certa forma, esse choque nunca passou, porque tem muitas componentes. Em parte,
deve-se ao fato de isto ter sido cometido por uma nação culta no coração da
Europa. Não estamos a pensar naquilo a que convencionamos chamar selvagens.
Quando comecei a encontrar-me com antigos nazistas, apercebi-me que muitos
deles eram pessoas inteligentes e encantadoras, e aí o choque agravou-se.
Porque antes de me encontrar com estas pessoas sempre tinha imaginado não que
fossem literalmente diabos com cornos, mas ainda assim pensamos que iam ser
bandidos violentos. Claro que havia bandidos violentos entre eles, mas muitos
dos oficiais superiores eram pessoas cultas. Há dois anos fiz um filme para a
BBC chamado Touched by Auschwitz, em que seguia um conjunto de pessoas que
tinham estado em Auschwitz para perceber o que lhes tinha acontecido depois da
guerra, porque este assunto, como se vive depois de se ter passado por isto,
interessa-me muito. Uma das pessoas com quem falei foi um intelectual que
depois da guerra se tornou um médico importante na Polônia. Ele não era judeu,
era preso político polaco, e viu em Birkenau como os SS se sentavam a ouvir a
orquestra do campo a tocar Mozart enquanto nos crematórios, mesmo atrás deles,
eram queimados os cadáveres. Eles não viam qualquer conflito entre apreciar a
alta cultura e fazer parte da maior máquina de assassínio em massa do mundo.
Disse que continua a ficar chocado, mas não corre o risco de se tornar
insensível por lidar com estes assuntos por tantos anos?
Penso que isso não acontece se continuar a conhecer pessoas envolvidas.
Se me limitar a ler documentos, é possível que isso aconteça, mas quem recorda
as pessoas e toma contacto com as experiências em primeira mão envolve-se a
nível humano. Mas também há uma relação diferente com a História ou com algo
que se esteja a passar agora. Sei isso porque participei no júri de um premio
BAFTA para documentário e tive de ver um filme sobre órfãos da SIDA em África,
crianças de sete ou oito anos que sobrevivem de catar lixo nas lixeiras. Chorei
durante o filme, chorei quando estava a voltar para casa, fiquei imensamente
perturbado. E pensei: ‘Por que fiquei agora tão perturbado, de uma forma que só
muito raramente fico com o trabalho que tenho de fazer todos os dias?’. E
percebi que me sentia pessimamente porque o sofrimento destas crianças estava a
acontecer agora, à medida que estou a falar está a acontecer. E não estou a
fazer nada para ajudar, o que me faz ficar absolutamente desesperado. Enquanto
com a História, embora seja horrível e perturbadora, não há nada que eu possa
fazer para mudar o curso dos eventos, não posso fazer nada para impedir que
aconteça. Nessa medida, há um elemento de distância no estudo da História, não
se tem o mesmo envolvimento imediato que se tem quando uma criança vem à porta
de nossa casa pedir dinheiro.
Nunca sentiu que devia ter escolhido um tema de estudo talvez menos
pesado, menos negro?
Aconteceu tudo um pouco por acaso. Nunca quis ser um acadêmico, queria
fazer documentários de História. Fiz um filme sobre Rasputine – até fomos à
Sibéria –, fizemos outro filme sobre Noël Coward, o dramaturgo, e gostei. Só
depois disso, há uns 27 anos, comecei a fazer uma série de documentários sobre
propaganda, e um dos episódios foi sobre Goebbels. Conheci pessoas que tinham
sido próximas de Goebbels, que tinham sido nazistas, e fiquei muito
surpreendido – não eram nada como eu imaginava. Fiquei curioso e isso levou-me
para este caminho. Estudei jornalismo, e como jornalistas o que fazemos? Usamos
a nossa curiosidade. Quando descobrimos uma coisa que não é o que pensaríamos,
ficamos ainda mais curiosos. Vou dar um exemplo. Sempre me interessou muito
estudar os japoneses durante a II Guerra, e consegui uma encomenda para fazer
uma série sobre isso. Quando regressei da viagem preparatória de pesquisa,
disse ao meu chefe: ‘Afinal não quero fazer isto’. E ele: ‘Azar, foram pedidos
seis episódios, tens de os fazer, queiras ou não queiras’. Felizmente cortaram
para dois episódios.
Por que perdeu o interesse?
Porque assim que comecei a conhecer veteranos japoneses que tinham
cometido atrocidades pareceu-me relativamente fácil perceber como aquilo tinha
acontecido. Sempre me perguntei: ‘Como pode alguém voluntariar-se para ser
kamikaze?’. E depois conheci este piloto que só sobreviveu porque o avião se
avariou quando ia a caminho de se matar.
O que lhe disse ele?
Disse-me isto: ‘Sabíamos que se não nos voluntariássemos seríamos de
imediato colocados na linha da frente e morreríamos de qualquer maneira. Mas,
além disso, o nosso nome cairia em desgraça e as nossas famílias seriam
perseguidas nas aldeias porque se saberia que o seu filho tinha sido cobarde’.
Também explicou que, se se voluntariasse, depois de morrer seria promovido e a
sua família receberia mais dinheiro. Isto permitiu-me compreender o fenômeno
kamikaze.
O mistério estava resolvido, é isso?
Sim, e como tal deixei de achar interessante. Quando conhecemos o treino
chocante dos soldados japoneses – que era, penso eu, de uma brutalidade sem
rival –, torna-se mais fácil perceber por que começaram a cometer atrocidades
na China. Não estou a dizer que desculpe este horror. Apenas digo que percebo
melhor os motivos e, intelectualmente, acho um desafio menos interessante.
Foi o enigma do Holocausto que o levou a querer continuar a estudá-lo
sempre?
Sim. Sempre quis encontrar resposta para esta pergunta: como foi
possível que tanta gente achasse que aquilo estava certo? O que nos diz isso
sobre o ser humano? Se toda a gente me dissesse: ‘Apontaram-me uma arma à
cabeça, se eu não matasse matavam-me a mim’, seria horrível na mesma, mas eu
compreenderia. Quando alguém nos diz – e não são pessoas ignorantes: ‘Isto
aconteceu porque era o correto’, estamos a lidar com uma coisa tão horrível que
temos de tentar compreendê-la. Como é possível que as pessoas embarcassem nisto
e ainda acreditassem que estava certo? Como é possível?
E encontrou resposta para essa pergunta?
Todo este meu livro é sobre isso, todo ele é uma resposta. Um dia
destes, estava a falar com um amigo sobre isto e às tantas acabei por lhe
dizer: ‘É complicado’. E ele respondeu-me: ‘Já está. Finalmente tornaste-te um acadêmico!’.
[risos] Mas é mesmo complicado – claro que é, ou não passaríamos tanto tempo às
voltas com isto. Não há uma resposta simples. Para mim, tudo isto revela não o
que era ser alemão naquela época mas o que é ser humano – e é por isso que se
torna tão assustador.
Muitas pessoas que visitam campos de concentração, particularmente o de
Auschwitz, na Polônia, dizem que sentem uma energia esquisita. Também sentiu
isso?
Lembro-me de me sentir muito desconfortável na cave do Bloco 11 do campo
principal, onde começaram as experiências [de gaseamento] com o Zyklon-B. Mas
nunca sabemos se temos essas sensações porque sabemos o que aconteceu lá. Se
você viver, como eu vivo, numa casa antiga – já lá morreram pessoas, de
certeza, mas não sei de nada. Mas se alguém me viesse bater à porta e dissesse:
‘Sabia que houve aqui um crime horrível, o assassínio de uma família por um
grupo satânico?’ – eu ia para a cama nessa noite e pensaria ‘este lugar tem
qualquer coisa estranha’. Acho que essa sensação vem do conhecimento do que
aconteceu.
Num livro chamado A Viena de Freud, o psicanalista norte-americano Bruno
Bettelheim escreveu que os judeus – e ele próprio era judeu – constituíam um
alvo fácil por serem demasiado submissos, por acatarem o que lhes impunham. E
que alguns, mesmo quando tiveram oportunidade de escapar de um campo de
concentração, não o fizeram. Acha que, neste aspeto, a mentalidade dos judeus
fez com que fosse mais fácil para os nazistas levarem a cabo o Holocausto?
Há vários elementos que têm de ser tidos em conta quando se pensa sobre
isso. O primeiro é que falamos de judeus, certo? Mas muitas destas pessoas não
se viam como judeus, viam-se como alemães, polacos, eslovacos, e há uma coisa
de que às vezes nos esquecemos – o Estado de Israel ainda não existia. Os
judeus eram cidadãos do país onde viviam. Você é português. Imagine que alguém
vai ter consigo e lhe diz: ‘O novo Governo diz que você não é português. Tem de
se ir embora’. E você responde: ‘Mas vou para onde? Sou português! Não tenho
para onde ir’. E eles: ‘Saia, você não é de cá’. Como se pode combater isso?
Eram pessoas que falavam alemão, muitos faziam parte do círculo da alta cultura
na Alemanha. Essa é a primeira coisa que temos de nos lembrar. A segunda é que,
sobretudo em Israel, conheci judeus mais velhos que me disseram: ‘Não nos
confunda com esses judeus polacos, que foram como carneiros para o matadouro’.
E entrevistei, para o meu último filme, uma mulher que tinha estado em
Auschwitz e que foi para um kibutz de Israel depois da guerra e disseram-lhe o
mesmo: ‘Tu és uma má influência, foste como um cordeiro’. Acho que é um
escândalo dizer isto. E a razão por que acho um escândalo é que, primeiro,
houve algumas revoltas armadas. A única razão por que pude falar com pessoas
que tinham estado em Treblinka ou em Sobibór [ambos campos de extermínio] é
porque tinham feito parte das revoltas de Sobibór e Trblinka em 1943. Foi
preciso uma coragem inacreditável para formar essas revoltas, romper a vedação
e fugir do campo. Houve uma revolta semelhante em Auschwitz e os revoltosos
foram todos mortos. Conheci outra mulher judia na Lituânia que me contou que
quando foi levada da sua aldeia, numa marcha com outras pessoas para serem
mortos, estavam a ser escoltados por poucos soldados e percebeu que podia
correr e fugir quando eles não estivessem a olhar. Ao lado dela estava uma
mulher de vinte e tal anos e ela disse-lhe: ‘Vou tentar correr através dos
campos e esconder-me na floresta. Queres vir comigo?’. E reparou que a mulher
estava a segurar em dois bebes. O que podia fazer? Esta mulher com quem eu
falei fugiu e foi muitíssimo duro sobreviver. Essa noção de ‘Eles foram tão
submissos’... julgo que já ficou claro o que penso sobre isso.
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