Professora é vítima de preconceito racial: 'Você faz faxina?'
A historiadora e professora Luana Tolentino, de 33
anos, foi mais uma vítima do preconceito racial. Na última terça-feira, ela
seguia para o trabalho, em Belo Horizonte, Minas Gerais, por volta das 6h30,
quando foi surpreendida por uma mulher e uma pergunta: "Você faz
faxina?". Espantada com a abordagem, Luana respondeu: "Não. Faço
mestrado. Sou professora". Com a resposta, a mulher, que a historiadora
jamais tinha visto, seguiu adiante.
-
Primeiro eu tive um impacto, mas infelizmente é algo recorrente. É como se
fosse um soco no estômago e você perde o ar, sabe? Mas aí, como a gente passa
por um longo processo de afirmação, eu consegui responder. Ela não respondeu
mais e ficou impactada pela minha resposta. Ela foi andando pra trás e ficou me
olhando e eu segui. A linguagem corporal dela disse muito. Acho que o
constrangimento dela impediu que ela dissesse qualquer coisa - falou Luana.
Luana,
que já foi faxineira e há nove anos é professora, afirmou não ter ficado
ofendida pela pergunta da mulher.
-
Eu já fui faxineira e acho uma profissão muito digna. Não fiquei ofendida.
Algumas pessoas falaram para mim, "ah, mas só porque ela achou que era
faxina?" Não é isso. É um sentimento de "poxa vida, por que ela tem
que achar que eu só posso ser faxineira?". É um descontentamento. Por que
me abordar e falar isso? ÉO que me dói é as pessoas me lerem dessa forma, por
ser negra. Foi muito invasivo - disse.
Luana
fez uma publicação nas redes sociais contando a história, ocorrida na última
terça-feira. O post teve mais de 2 mil compartilhamentos. No texto, ela fala
sobre como o preconceito contra negros é enraizado na sociedade.
"No
imaginário social está arraigada a ideia de que nós negros devemos ocupar
somente funções de baixa remuneração e que exigem pouca escolaridade. Quando se
trata das mulheres negras, espera-se que o nosso lugar seja o da empregada
doméstica, da faxineira, dos serviços gerais, da babá, da catadora de
papel", escreveu.
Essa
não foi a primeira vez que Luana foi vítima de preconceito. Segundo ela, casos
como esses são comuns.
"É
esse olhar que fez com que o porteiro perguntasse no meu primeiro dia de
trabalho se eu estava procurando vaga para serviços gerais. É essa mentalidade
que levou um porteiro a perguntar se eu era a faxineira de uma amiga que fui
visitar. É essa construção racista que induziu uma recepcionista da cerimônia
de entrega da Medalha da Inconfidência, a maior honraria concedida pelo Governo
do Estado de Minas Gerais, a questionar se fui convidada por alguém, quando na
verdade, eu era uma das homenageadas", disse.
Se
encontrasse com a mulher de novo, Luana diz que faria um pedido.
-
Eu acho que já disse tudo para ela e o recado foi bem dado. Mas acho que também
falaria que eu posso ser o que eu quiser e pediria para que ela não julgue as
pessoas pela aparência - disse.
Leia
na íntegra o texto de Luana
"Hoje uma senhora me parou na rua e perguntou se eu
Altiva e segura, respondi:
- Não. Faço mestrado. Sou
professora.
Da boca dela não ouvi mais
nenhuma palavra. Acho que a incredulidade e o constrangimento impediram que ela
dissesse qualquer coisa.
Não me senti ofendida com a
pergunta. Durante uma passagem da minha vida arrumei casas, lavei banheiros e
limpei quintais. Foi com o dinheiro que recebia que por diversas vezes ajudei
minha mãe a comprar comida e consegui pagar o primeiro período da faculdade.
O que me deixa indignada e
entristecida é perceber o quanto as pessoas são entorpecidas pela ideologia
racista. Sim. A senhora só perguntou se eu faço faxina porque carrego no corpo
a pele escura.
No imaginário social está
arraigada a ideia de que nós negros devemos ocupar somente funções de baixa
remuneração e que exigem pouca escolaridade. Quando se trata das mulheres
negras, espera-se que o nosso lugar seja o da empregada doméstica, da
faxineira, dos serviços gerais, da babá, da catadora de papel.
É esse olhar que fez com que o
porteiro perguntasse no meu primeiro dia de trabalho se eu estava procurando
vaga para serviços gerais. É essa mentalidade que levou um porteiro a perguntar
se eu era a faxineira de uma amiga que fui visitar. É essa construção racista
que induziu uma recepcionista da cerimônia de entrega da Medalha da
Inconfidência, a maior honraria concedida pelo Governo do Estado de Minas
Gerais, a questionar se fui convidada por alguém, quando na verdade, eu era uma
das homenageadas.
Não importa os caminhos que a
vida me leve, os espaços que eu transite, os títulos que eu venha a ter, os
prêmios que eu receba. Perguntas como a feita pela senhora que nem sequer sei o
nome em algum momento ecoarão nos meus ouvidos. É o que nos lembra o grande
Mestre Milton Santos:
"Quando se é negro, é
evidente que não se pode ser outra coisa, só excepcionalmente não se será o
pobre, (...) não será humilhado, porque a questão central é a humilhação
cotidiana. Ninguém escapa, não importa que fique rico."
É o que também afirma Ângela
Davis. E ela vai além. Segundo a intelectual negra norte-americana, sempre
haverá alguém para nos chamar de "macaca/o". Desde a tenra idade os
brancos sabem que nenhum outro xingamento fere de maneira tão profunda a nossa
alma e a nossa dignidade.
O racismo é uma chaga da
humanidade. Dificilmente as manifestações racistas serão extirpadas por
completo. Em função disso, Ângela Davis nos encoraja a concentrar todos os
nossos esforços no combate ao racismo institucional.
É o racismo institucional que
cria mecanismos para a construção de imagens que nos depreciam e inferiorizam.
É ele que empurra a população
negra para a pobreza e para a miséria. No Brasil, "a pobreza tem cor. A
pobreza é negra."
É o racismo institucional que
impede que os crimes de racismo sejam punidos.
É ele também que impõe à população
negra os maiores índices de analfabetismo e evasão escolar.
É o racismo institucional que
"autoriza" a polícia a executar jovens negros com tiros de fuzil na
cabeça, na nuca e nas costas.
É o racismo institucional que
faz com que as mulheres negras sejam as maiores vítimas da mortalidade materna.
É o racismo institucional que
alija os negros dos espaços de poder.
O racismo institucional é o
nosso maior inimigo. É contra ele que devemos lutar.
A recente aprovação da política
de cotas na UNICAMP e na USP evidencia que estamos no caminho certo"