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O resgate dos Bnei Anussim


Profª Drª Anita Waingort Novinsky




Nos últimos anos do século XV, as prósperas e florescentes comunidades judaicas da Espanha e de Portugal sofreram uma enorme catástrofe, que culminou com a conversão forçada de todos os judeus ao catolicismo. Foi o fim do brilhante judaísmo ibérico e o início de uma nova era, na qual a Península Ibérica ficou totalmente sem judeus.
Os judeus, que viviam na Península Ibérica há mais de quinze séculos, viram-se despidos das suas mais ricas tradições. Tiraram-lhes os livros, os costumes; fecharam-lhes as escolas, as sinagogas; proibiram-lhes a religião, o idioma, e os nomes foram substituídos por nomes cristãos.
Um tribunal foi criado especificamente para os judeus convertidos, que vigorou durante 3 séculos, encerrando suas atividades no ano de 1821, quando novos ventos começaram a soprar em Portugal. Um silêncio caiu então sobre os cristãos novos, e estes foram esquecidos. Os decendentes dos milhões que haviam sido sacrificados constituem hoje grande parte do povo português e brasileiro.
Em 1965, iniciei minhas pesquisas nos arquivos do Santo Ofício da Inquisição de Portugal, que ficavam localizados no Largo de São Bento e era conhecido como a Torre do Tombo. Atualmente existe um belíssimo edifício. O velho arquivo não tinha luz nem aquecimento e às quatro horas da tarde tínhamos de abandonar o recinto. Eu gostava muito mais deste velho edifício do que do novo monumento luxuoso.
Trabalhei no velho arquivo por mais de 30 anos, e foi aí que encontrei documentos que me contaram uma “outra” história. Uma história do Brasil e uma história dos judeus, jamais escrita pela historiografia clássica.
Estando no Porto e trabalhando no arquivo da biblioteca pública, conheci a figura inesquecível de Amilear Paulo, um Ben-Anussim, português apaixonado pelo judaísmo que se tornou judeu por livre e espontânea vontade, e por curiosidade começou a estudar a história dos cristãos novos. Escreveu alguns pequenos trabalhos de grande valor por trazerem pesquisas novas e explorarem registros desconhecidos.
Graças ao meu conhecimento de Amilear Paulo, pude chegar a Belmonte, onde encontrei a primeira comunidade de Bnei Anussim numa pequena vila da Serra da Estrela.
Chegamos até a cidade de Guarda, após termos atravessado, de trem, os precipícios, que eram ame-drontadores.
Belmonte não tinha hotel. Ficamos hospedados na Guarda, e todas as manhãs íamos para Belmonte onde passávamos o dia.
Foi uma experiência única encontrar uma pequena comunidade seguindo a religião judaica em segredo.
Os homens, contaram-me, que paravam de trabalhar muito cedo às sextas-feiras, lá pelas 3 horas da tarde, e as mulheres se punham a limpar a casa e a preparar o jantar do Shabat.
Praticamente todos na Vila eram feirantes e, pela manhã, saíam em seus burrinhos, carregados de mercadorias que vendiam na feira. Muito pobres, todos, as casas eram velhas, mas limpas.
Uma jovem que carregava um menino no colo disse-me que ele tinha uma doença sem cura, e que não andava. Olhando os meus olhos, a mãe perguntou:
– Não parece o Moisesinho salvo pelas águas?
Mostraram-nos a vila, as ruas estreitinhas, sem asfalto; levaram-me a uma velha casa onde estavam alojados um grande número de idosos, todos doentes. Pediram-me que lhes mandasse remédios, e foi doloroso ver aqueles velhinhos mal acomodados, em camas improvisadas... de olhos tristes, guardando o Shabat...
Depois de uma semana voltamos para Lisboa, e durante algum tempo, recebi cartas de Belmonte, de um jovem que tinha ido para guerra em Angola. Guardo sua carta, que era dos poucos da vila que sabiam escrever. A maioria era analfabeta. A carta era cheia de memórias, e ele conta como era a vida durante a guerra.
O jovem deve ter morrido, pois os pobres íam para as primeiras fileiras mais perigosas.
Quinhentos anos sem deixar sua fé, trezentos anos de Inquisição e de perseguições, e esse grupo continuava fiel ao judaísmo. Talvez não exista uma história igual.
A comunidade de Lisboa não queria ouvir fala dos “judeus secretos” de Belmonte. Estávamos nos tempos de Salazar e todos tomavam cuidado para não falar em judeus, mesmo na Guarda.
Quando chegamos, perguntei a um barman se ele sabia onde iríamos encontrar cristãos novos e, virando-se para seu companheiro, ele disse:
– Ah! Eles querem saber do Jota. – Não pronunciou a palavra judeu.
Voltando ao Brasil, estava tão impressionada com o que tinha encontrado, que escrevi um artigo em 1967 com minhas impressões, o qual foi publicado em Nova York, na revista Commentary.
Foi o primeiro grande alarde que o fenômeno Bnei Anussim gerou! Vários jornalistas comentaram o artigo. As revistas Time e Veja escreveram reportagens sobre o assunto! Mas minha experiência não terminou aí.
Num dia recebo uma carta curiosa de um padre que me convida para eu conhecer Caicó, no Rio Grande do Norte, que fica no meio do sertão do Seridó, onde dizia ele, todos eram judeus.
Ainda com o espírito aventureiro da juventude, cheguei em Caicó, onde me esperava um homem elegante, vestido de branco, conforme alguns religiosos, e de harmoniosas feições.
Fomos ao seu escritório, bem decorado, com sofás e almofadas de veludo, e quando lhe entreguei a “encomenda” que havia me pedido na carta, um Talit (xale) abençoado em Israel e um livro de rezas em hebraico, enxugou furtivamente uma lágrima que lhe correu pelo rosto:
– “O destino me fez padre, mas eu sou judeu!” – falou ele numa voz mansa.
Contou-me ainda histórias e lembranças de sua vida e convidou-me para ir no dia seguinte à catedral onde iria oficiar um batizado.
Quando entrei na catedral, ele estava rezando. Num dos braços carregava a criança, e no outro, trazia um livro de rezas em hebraico e, nos ombros, o Talit que eu lhe trouxera abençoado de Israel.
E quando entrei na catedral, interrompeu a oração e disse:
 – Esta é minha amiga judia, como todos nós.
O vigário contou-nos ainda que sabia que seus antepassados foram queimados e morreram na fogueira. Ele era um sentimental, tinha uma alma feminina, transbordavam as emoções.
Convidou-me na manhã seguinte para ir conhecer o castelo que tinha construído no meio do deserto, em pleno sertão. Chamava-se Castelo de Ein-Guédi, que tinha num lado da porta uma grande estrela de David e, do outro lado, uma pequena cruz. Fiquei empolgada em ver aquele monumento em pleno deserto – o Jardim do Néguev. Esta é uma história real de um Ben Anussim, que era dividido em dois: de um lado, vigário, e de outro lado, judeu.
Esta história é parecida com a de muitos religiosos católicos. Enquanto me levava para conhecer o Bispo, dizia, “este bispo é judeu”. Não sei se fatos como esse se encontram fora do Brasil... Voltei várias vezes ao Nordeste em visita e acabei me convencendo de que os nordestinos eram todos judeus.
O nordestino é um romântico e um melancólico, e todas as músicas que cantam são tristes, saudosas, falam sempre da mãe, do amor perdido, das donzelas, dos traídos, e sempre me recordavam as melodias judaicas. Em Campina Grande, Recife, Paraíba, Natal, Santa Rita, Ceará – em todas essas localidades encontrei os Bnei Anussim.
*  *  *
Não são muitas as pessoas da comunidade judaica que se interessam pelos cristãos novos que querem voltar aos tempos em que eram judeus. Os Bnei Anussim sentem-se isolados, não se integram em nenhum grupo, vivem entre si e comemoram as festas judaicas em pequenos grupos.
Mas há um jovem judeu, que se formou rabino em Israel, que é a única pessoa que eu conheço que resolveu ajudar os Bnei Anussim  - o Rabino Ventura. Como ele apoiou os Bnei Anussim desde que tomou conhecimento de sua existência aqui no Brasil, o grupo também se apoiou nele e criaram confiança, e ouviam seus ensinamentos com avides e curiosidade.
O Moré Ventura, como é chamado, acompanhado de sua esposa Jacqueline, apoiou a causa dos Bnei Anussim, compreendendo que o judaísmo era uma civilização e não apenas uma crença. Amou os Bnei Anussim, sentiu-se atraído pela sua história misteriosa. Sentiu que precisava transmitir-lhes algo mais concreto, que trouxesse sentido para suas vidas, que estavam divididas.
Viajou por muitos estados do Brasil, conheceu centenas de pessoas e diariamente responde as dezenas de perguntas que lhe são dirigidas.
Além disso, o Morá Ventura dá aulas semanais para diversos grupos e promove palestras em todo Brasil, de modo presencial e online.
O apoio e interesse que o Rabino Moré Ventura trouxe para os Bnei Anussim brasileiros através dos seus textos, poesias, apresentações musicais, vídeos e agora este livro, contando sobre sua história e sobre a sua cultura, inclusive para os que nunca haviam ouvido falar a respeito, fizeram mudar o comportamento de muitos deles, que passaram a ter mais coragem de se assumir.
Durante as festas judaicas, Ventura e sua esposa Jacqueline promovem alegres saraus em sua própria casa, aos quais são convidados Bnei Anussim e membros da comunidade judaica local, com a finalidade de trocar experiências e criar vínculos de amizade.
Há mais de 20 anos Ventura atua como professor de judaísmo na comunidade judaica de São Paulo, sempre incentivando os jovens judeus a terem orgulho de sua fé. Sempre transmitindo os reais aspectos da cultura judaica para seus alunos e seguidores!
Além desse trabalho voluntário com os Bnei Anussim, o Rabino Ventura atua no diálogo inter-religioso e em projetos sociais na periferia de São Paulo, fomentando o diálogo e a cooperação entre membros de diferentes realidades e culturas, e também apoiando projetos que beneficiam à população mais carente.
Nos últimos três anos, junto a outras lideranças do movimento, Ventura ajudou a promover as comemorações de Purim, na Rua dos Judeus, em frente à sinagoga mais antiga das Américas, em Recife, onde se reuniram cerca de 200 Bnei Anussim de diversas regiõess do Brasil.
Estas comemorações históricas, ganharam destaque em importantes programas de televisão, rádios e jornais.
Ventura tenta ao máximo difundir a causa dos descendentes dos Bnei Anussim, pois, de acordo com ele, é somente assim que acontecerá, finalmente, o grandioso e histórico encontro entre as comunidades judaicas estabelecidas e os descendentes dos judeus forçados que, após séculos de opressão, retornam com orgulho à fé de seus antepassados.
O ideal de Ventura é que os Bnei Anussim não se percam para nós, judeus, depois de sofrermos tantas perdas.
Se tivéssemos mais Venturas, talvez os Bnei Anussim já estariam conosco e já fariam parte de nossas comunidades.
O futuro dos Bnei Anussim não sabemos, mas qualquer caminho que o movimento seguir, sempre dependerá de nós, judeus, difundir essa história do Brasil.
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2 Comentários
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  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Me tornei judia por Conta própria.
    Amo tudo o que sei
    O que faço
    Amo os costumes.
    Temos uma remanescente em Tucuruí no Pará. É maravilhoso tudo obque somos e o que sabemos.
    Baruch HASHEM a todos. .
    .... pois a salvação vem do sJudeus.

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