A “Shmitá”
Iniciamos o ano sabático que, como o próprio nome diz, ocorre a cada sete anos. Com o início do ano de 5775, que aconteceu no último dia 25 de setembro de 2014, entramos no ano de Shmitá, o Ano Sabático.
O que isso quer dizer?
A diferença existe, principalmente, para aqueles que habitam a Terra da Profecia, no Estado de Israel. A Torá, no capítulo 25 do Livro de Levítico, indica que este país, a terra que havia prometido aos patriarcas e neste momento a outorgava ao povo de Israel, possui ‘condições’ especiais e, portanto, também ‘necessidades’ especiais.
Poderiamos resumir este ano em uma frase curta: a terra deve descansar de qualquer trabalho agrícola ao longo do ano. Não se pode semear e nem colher o produto do campo, ao longo deste ano, tudo que nascer na terra pertence a todos. Tanto o proprietário registrado quanto os seus vizinhos, quanto estranhos e até mesmo animais, domésticos ou selvagens, pode usufruir deste produto.
Além disso, os frutos que nascem este ano possuem “virtudes espirituais” especiais, ou seja, são frutos de uma “santidade” especial, e assim sendo, só podem servir para a alimentação humana e não para outras necessidades. Por exemplo, não podem ser exportados. E a sua venda deve ser feita em condições especiais para evitar lucros na comercialização. Esta santidade permite que aqueles que a consomem abram, ainda mais, suas almas para o verdadeiro entendimento, compreendendo o Criador em níveis sem precedentes. Não é um “arrebatamento”, em que perdemos a nossa conexão com o mundo que nos rodeia, mas justamente o contrário, se trata de uma visão extraordinária que nos permite compreender melhor a presença divina neste mundo.
O Jubileu
Com certeza não para por aí. Vamos expandir nosso conhecimento através de outro mandamento que está intimamente ligado à Shmita: o Jubileu. Conhecemos este conceito em relação a nossa vida profissional, quando, em uma certa idade nos aposentamos de nosso trabalho. Em outras culturas foi atribuído outros significados religiosos que não nos dizem respeito. O significado deste conceito na Torá é que, a cada 50 anos nossa “ficha se limpa” em relação a dois temas principais: o patrimônio e a liberdade.
Quando o povo de Israel chegou à Terra da Aliança, o país que O Criador havia prometido para Avraham, nosso Patriarca, e depois para seus filhos, Itschac (Isaac) e Ya’akov (Jacó), cada tribo e cada família de Israel recebaram sua parcela de terra, como lemos em vários capítulos da Torá e do Livro de Yehoshua (Josué). Esta porção de terra foi transmitida por herança aos seus descendentes, geração após geração. Era responsabilidade de todos preservar esta herança, cultivar a terra e, assim, nos conectar ao Criador através da Aliança que Ele fez com nossos Patriarcas.
A Perda de Herança Através da Venda
Por empecilhos da vida, nem sempre se conseguia manter a herança. Alguns agricultores não conseguiam extrair o melhor de sua terra e, com o tempo, foram forçados a vendê-la, total ou parcialmente. O comando indica que quando o ano do Jubileu chega, a herança deve ser devolvido a seus proprietários originais. Desta maneira, o comprador é, na verdade, um mero usufrutuário desde o momento da compra até o qüinquagésimo ano, o ano do Jubileu. No ano do Jubileu, tudo começa novamente. Uma nova oportunidade é dada ao herdeiro para refazer suas vidas na porção de terra da Terra Santa dada a seus ancestrais.
O Escravo
Em paralelo, haviam indivíduos que não conseguiam viver de forma independente, cultivando sua terra e fazendo o seu próprio negócio. Muitas vezes entravam em dívidas e tentando resolvê-las, poderiam, de maneira negativa, terminar roubando, acreditando que desta maneira resolveriam seus problemas econômicos. Quando o ladrão se apresentava no tribunal e alegava não ser capaz de reembolsar o montante roubado, ou quando um devedor declara não ser capaz de reembolsar os empréstimos que realizou, poderiam chegar a um acordo indicado na Torá: a escravidão. Não se trata do tipo de escravidão que existia com os africanos nas Américas, ou a atual escravidão ‘branca’. Nem mesmo era uma escravidão econômica, no sentido de que o empregado estava vinculado permanentemente ao seu trabalho, sem qualquer possibilidade real de se sair dele ao longo de sua vida. A Torá fala de um conceito do qual alguém está disposto a pagar suas dívidas através de seu serviço por seis anos. A Torá obriga o ‘mestre’ do devedor reabilitá-lo por seis anos, ensiná-lo a ser produtivo e gerir adequadamente os seus ativos, de modo que quando seja libertado ao final dos seis anos, possa saber administrar uma vida honesta, sem precisar se meter em problemas novamente.
Esta condição de “escravidão” era tão boa que a Torá prevê a possibilidade de que, após seis anos, o escravo não queira deixar seu mestre, porque está “satisfeito”. Pois não apenas resolvie todas suas dívidas, mas também vive uma vida sem responsabilidades financeiras, uma vez que o mestre lhe fornece comida e abrigo, tanto para ele quanto para sua esposa e filhos. A Torá diz, então, que o escravo pode optar por ficar neste estado até o ano do jubileu. E então no Jubileu, um novo começo toma lugar. O escravo deve sair, já não é mais uma opção, e assim, reconstruir sua vida em liberdade. O mestre fornece um fundo que lhe permite começar com o pé direito e o escravo, como pessoa livre, retorna à sua herança.
A Shmitá Atual
Vemos, portanto, que o Jubileu representa nossa ligação indiscutível com a Terra da Profecia que herdamos de nossos antepassados.
Em menor escala, a cada sete anos e em um ciclo fixo, que começou, de acordo com Maimônides (com base em textos rabínicos), no ano 2510 da criação (3.265 anos atrás), se contava sete shmitot para chegar ao Jubileu, e assim (no ano 51), recomeçava o próximo ciclo. Tudo isso quando o povo estava habitando Israel, cada um na sua terra de herança. Quando as pessoas foram exiladas por Senaqueribe de suas terras, e o resto, mais tarde, por Nabucodonosor para a Babilônia, deixaram de vigorar os mandamentos de Shmitá e o Jubileu.
Esta é, portanto, uma condição básica: o povo deve estar habitando a Terra de Israel e cada tribo e cada família em sua herança. Desta maneira, hoje, quando cumprimos o mandamento de Shmita não estamos cumprindo o preceito bíblico, mas sim o preceito rabínico que nos ordena a continuar praticando ambos mandamentos, para, assim, quando cada estiver de volta ao seu lugar, estivermos preparados.
Mesmo assim, adequar o cumprimento dos preceitos da Shmita para as condições atuais, é muito difícil. Os agricultores se envolvem em convenções internacionais para fornecer produtos agrícolas a cada ano, e os clientes nem sempre estão dispostos a aceitar que, durante o ano sabático não receberão o produto. Muitos agricultores dependem de cada dia de trabalho duro no campo para sobreviver, e se são forçados a abandonar esta fonte de renda por um ano inteiro, deixam a agricultura para buscar outros meios de subsistência.
Desta maneira, e uma vez que este comando não possui atualmente seu verdadeiro valor bíblico, se permite haláchicamente (ou seja, de acordo com a lei rabínica) muitas atividades, para que, assim, os agricultores possam cumprir as suas obrigações internacionais e também com o preceito de Shmitá. Também existe como solução haláchica, embora algo que nem todas as opiniões aceitam, as vendas dos campos para um não-judeu, para que estes trabalhem durante o ano sabático. Ainda assim, é feito em condições muito especiais de trabalho, supervisionadas pelo tribunal.
Nos mercados de Israel podem ser vistos, ao longo deste ano e do ano que se segue, as indicações de que os produtos foram produzidos sob a supervisão dos tribunais rabínicos.
Existem diferentes pontos de vista sobre quais as prioridades nas orientações que se deve seguir em relação aos alimentos este ano, e eu transmito a vocês aquela que recebi de meus professores, e a qual, uso na minha casa.
Primeiro estão os alimentos cultivados sob a supervisão dos tribunais, que possuem as virtudes espirituais que mencionamos acima.
Em segundo lugar, aquelas que cresceram em estufas ou plataformas desconectadas diretamente da terra.
Em terceiro lugar, as frutas cultivadas no sul de Israel, lugares que não estavam nos territórios de Israel na conquista de Josué e, portanto, não possuem o mesmo nível que os outros que sempre estiveram sob o domínio de Israel.
Em quarto lugar, os produtos importados, quando o produto não existe em Israel.
Em quinto lugar, os produtos de campos vendidos a não-judeus.
E, finalmente, como última opção, os produtos importados, apesar de ser possível encontrar os mesmos produzidos localmente.
Benefícios espirituais
É claro que o mandamento se aplica somente ao Ano Sabático em Israel, na Terra da Profecia. Nenhum outro país no mundo tem esse privilégio. Como já dissemos, é a Terra da Aliança, que possue suas condições especiais e seus comandos especiais. O cumprimento do mandamento de Shmitá, sendo cumprido da melhor maneira possível, traz a todo o país uma bênção especial, aumentando a produção agrícola, como nos promete a Torá no mesmo capítulo 25 de Levítico, e como vêm experimentando um número cada vez maior de agricultores em Israel.
Devidamente cuidando da nossa herança e cumprindo nossos deveres para com ela, aproximamos cada vez mais o momento que poderemos desfrutar de todas as suas vantagens, tornando a Santidade não mais uma palavra rara, exótica ou mesmo negativa, como pode significar a muitos de nossos vizinhos, mas sim algo palpável, agradável e maravilhoso.
Habituar-se ao uso correto dos frutos neste ano de Shmitá, torna os benefícios espirituais mais acessíveis. Não podemos desperdiçar esta oportunidade!!