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Kipá - Ilustração |
(Por Roberto Leon Ponczek)*
Em outubro de 1939, inicia-se a política de transferência dos 400 mil judeus de Varsóvia para o antigo bairro judeu que, em condições normais, tinha condições de abrigar 60 mil pessoas. Um muro de cerca de 3 metros de altura, ao longo de 18 quilômetros foi rapidamente levantado para isolar completamente o bairro, que se tornou um "gueto" no sentido mais exato e nefasto da palavra. Aos judeus de Varsóvia se somaram outros 100 mil, presos nos povoados vizinhos.
As imagens do gueto mostram as condições sub-humanas de vida sem a menor infraestrutura habitacional, de alimentação ou de saúde. Crianças esqueléticas pediam esmolas nas ruas, adultos desesperados sem dinheiro para poder sobreviver. A ração diária fornecida pelos nazistas de duas batatas por pessoa tinha cerca de 200 calorias, o que tornava as pessoas esquálidas em pouco tempo. Os gêneros alimentícios eram então contrabandeados e só os que tinham algum bem que pudessem trocar por alimentos, puderam sobreviver.
Em 1942, os nazistas deram início a sua política de eliminação física explícita dos judeus, cujo nome era "deportação para o Leste", cujo destino final da viagem era os campos de extermínio, notadamente Auschwitz, Majdanek e Treblinka. Até janeiro de 1943, quase 317 mil judeus foram deportados e assassinados nas câmaras de gás Ziclon B, especialmente desenvolvido pela eficiente engenharia nazista de matança em grande escala.
É neste cenário aterrador que a família Ponczek, constituída por Leib Judah Ponczek e sua mulher Betsheba Ponczek e os filhos David Tevel (meu pai) e sua irmã Nacha Ponczek, foi confinada.
Meu pai repetiu-me varias vezes, sempre com os olhos marejados de lágrimas, o episódio em que, depois de ter escapado do Gueto de Varsóvia com uma falsa identidade cristã polonesa (forjada pelo movimento underground de resistência do Gueto) voltou para lá, arriscando a própria vida, para tentar salvar seus pais, retirando-os daquele inferno. Contou-me que lhes trouxe comida e roupas novas, pedindo desesperadamente ao seu já esquálido pai Leib:
- Tatush (papai em polonês), por favor, tire essa kippah, faça a barba e vistam as roupas que lhes trouxe!
Suplicou-lhes que estavam condenados à morte e que em breve seriam levados aos campos de concentração. Foi em vão. Ouviu, como resposta de seu pai, categoricamente em alto e bom tom:
- Você está vendo milhares de pessoas aqui? Como poderão eles matar-nos todos?!
- Enviarão todos aos campos de concentração para serem gaseificados! Gritou desesperadamente meu pai.
“Não! O destino de meu povo será o meu destino. Se D-us quiser que todos morramos eu também morrerei”.
Meu avô descalço e com roupas esfarrapadas de um mendigo acompanhou meu pai ate o portão de saída e lá se despediram. Essa foi a última vez que meu pai viu seus pais. Por décadas, não soubemos como e quando eles despareceram. Recentemente soubemos que Leib Ponczek foi assassinado no-campo de concentração de Auschwitz (Oświęcim, em polonês) - e este fato pode ser provado, acessando-se o seguinte site: http://inkastelacja.home.pl/1D/16.txt
Onde seu nome foi listado como Ponczek Lejbko 457. Minha avó, Betsheba Gromb Ponczek, mãe de meu pai, não se sabe ao certo, se foi levada nos comboios ferroviários para a morte em Treblinka ou talvez tenha sido assassinada ainda no Gueto de Varsóvia.
Leib Judah Ponczek teve como compromisso final um encontro mortal com um milhão de outros judeus, dentro do macabro portão de Auschwitz cujo pórtico foi adornado com as falsas e perversas palavras Arbeit Macht Frei (“O trabalho liberta”).
Em Auschwitz jamais houve trabalho e muito menos liberdade, mas apenas morte. De lá só se saia pela chaminés... Infelizmente a profecia de Leib foi cumprida e ele pereceu como mártir em Auschwitz, listado numa interminável lista sob o codinome Lejbko Ponczek 457...
* Professor de Filosofia e Metodologia da Ciência na Universidade Federal da Bahia, Roberto Leon Ponczek é carioca, filho de sobreviventes do Holocausto e membro associado da SIB (Sociedade Israelita da Bahia)e do Beit Chabad Salvador