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A biografia de Philip Roth

Coisas Judaicas

A mais extensiva biografia de Philip Roth

Jornalista da New Yorker mostra um ficcionista eternamente disposto a suportar o barulho ao redor.
Aos 13 anos, em 1946, Philip Roth foi o astro da formatura do ensino fundamental em Weequahic, o bairro de Newark onde todos viviam em casas de madeira. Durante a festa, ele protagonizaria Deixe Falar a Liberdade!, peça sobre a união de etnias que escrevera com a colega Dorothy Brand, também atriz do espetáculo.
Ela interpretava Tolerância. Ele, Preconceito. Enquanto Tolerância ungia as famílias de diversas origens com o doce cumprimento da igualdade, o menino as insultava. “Suas cabeças estão cheias de chop suey!”, declamava ele aos chineses cultos, cujo hábito era ler Confúcio no jantar. No final do espetáculo, enquanto todos os alunos entoavam um hino de união, Preconceito esgueirava-se para fora do palco e chegava tarde para os aplausos.
Essa história real, desencavada por ele próprio, talvez simbolize à perfeição o futuro escritor no labirinto de sua carreira explosiva. Autor de obras que reviraram por décadas a autoimagem dos americanos, Philip Roth não temeu a rejeição. Os aplausos vieram tarde para alguém tão ácido e crítico, mas chegaram, talvez porque Roth tivesse escrito continuamente e melhor.
Coisas JudaicasRoth Libertado – O escritor e seus livros, a mais extensa biografia literária do romancista, atesta essa particularidade literária, mas não descuida dos inúmeros casos de sua vida criativa. A autora, Claudia Roth Pierpont (seu sobrenome não indica parentesco), teve acesso direto a entrevistas, escritos soltos e à sua memorabilia. O ensaio de leitura fácil mostra um ficcionista eternamente disposto a suportar o barulho ao redor, tão grande que nem seu Beethoven predileto pareceu calar.
A jornalista da revista The New Yorker nega que seu biografado tenha esperado que este livro o humanizasse. “Não lhe ocorreu, nem a mim, que precisasse ser humanizado”, diz em entrevista a CartaCapital. “Ele é um escritor forte, até mesmo feroz, mas escreveu muitas vezes sobre seus medos e doenças, como em The Facts, em que narra a crise que o empurrou àquele livro.”
Em certo ponto da relação cordial com o autor, iniciada quando ele lhe enviou pelo correio um comentário a um de seus escritos, Claudia achou inevitável fazer o relato. Embora negue ter humanizado Roth, admite ter desejado compartilhar, especialmente no último capítulo, o “calor de sua companhia, sua risada fácil, um senso do que significa estar com o homem atrás dos livros”.
A biografia ensaística, iniciada em 2009 e lançada há dois anos nos Estados Unidos, não foi lida por ele antes de ser publicada e, uma vez percorrida por Roth, deu-lhe prazer, conforme conta a escritora. Ele lhe pediu que corrigisse alguma coisa no texto, “como o número de acres de sua casa em Connecticut”.
É pouco se pensamos nas contínuas alterações biográficas exigidas pelo escritor aos jornais e à Wikipedia, ou no drible certa vez dado no The New York Times tão logo percebeu que o jornal solicitava entrevista para atualizar os dados de seu futuro obituário. Falar sobre si próprio, embora não pareça tê-lo incomodado até sua anunciada aposentadoria literária em 2013, aos 80 anos, tampouco constituiu ação indiscriminada.
As narrativas de sua autoria giraram entre o mal-estar da civilização, o desejo físico e a hipocrisia social. Seu animal literário começou por atacar o que conhecia por dentro. Nunca antes nas letras um judeu obcecado por mulheres se masturbara como Portnoy. O modo desabusado de mostrar as aflições judaicas tinha uma explicação. Roth não fora atingido por um drama geracional.
Na Europa, muitos de seus amigos, como o escritor Primo Levi, haviam enfrentado os campos de concentração, enquanto, no mesmo período, ele jogava beisebol em Newark. Uma vez nos Estados Unidos, livres, mas ainda temerosos, judeus como seus pais distraíam a atenção sobre si. O problema é que esse comportamento falsamente “exemplar”, como percebia o escritor, não tornava sua vida melhor. O antissemitismo nascia da cabeça dos antissemitas, não de qualquer coisa que os judeus fizessem. Nunca desafiá-los? Se você diz algo terrível sobre si mesmo antes de todos, não vai doer tanto quando sair da boca de outros.
Eis por onde ele começaria realmente sua literatura, essa que havia dado os primeiros passos à sombra elegante de Henry James em Letting Go. Pelas próprias dúvidas. Pela danação de esconder o desejo na sociedade moralista. Pelas mulheres intrigantes, loiras, ricas de fala difícil, insidiosas, os peitos perfeitos, que mentiam sua gravidez apenas para se casar, como fizera de fato sua primeira mulher, Maggie Williams. Iniciou a observação de sua etnia pelos contos de Adeus, Columbus, aprovados por aquele Saul Bellow a quem admirara, e a espetou em O Complexo de Portnoy, um sucesso de escárnio no qual os críticos judeus viram apenas antissemitismo.
E não foram somente os judeus, mas as mulheres americanas, a reclamar dele nos anos 1960. Não as de alta sociedade, como Jackie Kennedy, com quem ele teve um breve flerte em 1964, concluído quando, postos seus lábios nos da viúva de John Kennedy, sentiu-se beijando um cartaz. “Não posso falar por todas as feministas hoje”, diz Claudia Roth, “mas acho que muitas delas creem que as acusações a seus livros, tão ruidosas no início, não fazem sentido hoje. Essas reclamações passarão, do mesmo modo que a atitude dos judeus desde os anos 1950. Em 2014, durante sua premiação pelo Seminário Teológico Judaico de Nova York, Roth discursou sobre a conversão dos judeus.”
Claudia Roth lamenta no livro que, embora a sociedade aplauda a beleza na publicidade, rejeite-a em uma literatura elevada como a dele, feita do desdobramento de personalidades, com vivos personagens críticos à moda do alter ego Nathan Zuckerman. Obcecado pela reescritura, ele liberou a imaginação fantástica com técnica realista, como ensinou Franz Kafka. E tudo em Roth, como em Kafka, é crível enquanto atordoa, embora o realismo demasiado possa se voltar contra seu promotor.
No caso de Roth, que antecipa o pós-modernismo ao falar de si, o risco de incompreensão é ainda maior. “Mas não faz sentido, pensando bem, acusar de solipsismo histérico uma obra que gira em torno do solipsismo histérico”, como dissera o amigo John Updike, a quem Roth sempre admirara sem a mesma retribuição. Em Operação Shylock, ensimesmava Updike, havia dois personagens de nome Philip Roth.
Uma questão a discutir nesta biografia é o partido às vezes extremado de Claudia Roth por seu objeto de pesquisa. Para preservá-lo contra Updike, ela ressalta as excentricidades do amigo, que escrevia em cômodos diferentes contos, romances ou ensaios. Ao relatar a admiração de Roth por Henry Miller, ela escreve sem mais que seu biografado “é um romancista muito superior” do que o autor de Trópico de Câncer.
“Nunca me ocorreu escrever mais sobre Miller neste ponto, apontando comparativamente as limitações de seus livros posteriores, mas talvez devesse tê-lo feito”, ela admite. “Eu tentava manter o fluxo de meu texto sem expandir o livro em direções que poderiam distrair o leitor. Mas agora eu penso que deveria ter encarado esse trecho de um modo diferente.”
Certa vez, a jornalista perguntou a Philip Roth o que um esportista como ele, que combatia as dores nas costas com natação, tinha em lugar do álcool para mitigar o sofrimento decorrente do ofício de escritor. E ele lhe respondeu: “Aflição”. Não citou “humor”, este que talvez tivesse afastado dele os leitores ditos sérios. “Às vezes acho que uma grande comédia como Lição de Anatomia não recebeu o crédito merecido”, considera Claudia. “Mas outros, como Pastoral Americana e Teatro de Sabbath, que de forma espantosa alcançaram ser a um tempo comédia e tragédia, são corretamente percebidos como algumas de suas melhores obras.” A propósito, a biógrafa tem apenas uma palavra para responder se Roth alguma vez se interessou pelo humor de Woody Allen: “Não”.
por Rosane Pavam 

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