O Segundo Mandamento
Cinqüenta dias após a Saída do Egito, lá estavam os filhos de Israel, ao pé do Monte Sinai, escutando as Palavras do Criador, o chamado Decálogo.
Existe uma controvérsia famosa entre os anciãos de Israel se, o chamado, Primeiro Mandamento do Decálogo é realmente um mandamento ou não. Alguns acreditam que não é um mandamento, uma vez que não ordena e nem proibe nada, simplesmente diz (Êxodo 20: 2): “Eu sou o Senhor, vosso D’us que os tirou da Terra do Egito, da casa da servidão”. Servindo, então, como um prólogo para os comandos que se seguem no Decálogo e ao resto dos 613 mandamentos da Torá. Mas o Maimônides escreve que justamente deste comando aprendemos os princípios de fé na existência no Criador e no fato de que o mundo rege de acordo com Seus planos, e este é um mandamento: acreditar em Sua existência e na Sua providência.
Em seguida aparece o segundo mandamento que, na verdade, apresenta quatro proibições. Começa com o versículo 3 que diz: “Não terás outros deuses diante de mim”, o versículo 4 acrescenta: “Não faça qualquer escultura ou desenho do que está em cima nos céus, ou embaixo na terra, nem nas águas debaixo da terra”. Logo, os versículos 5 e 6 que agrega: “não se curve diante delas, nem as adore, pois Eu sou o Senhor vosso D’us, Um D’us zeloso que recorda a iniqüidade dos pais nos filhos até a terceira e quarta geração, daqueles que me odeiam; e Faço benevolência para os milhares, para aqueles que me amam e guardam os meus mandamentos.”
Na elaboração do Decálogo existem dois detalhes importantes que causam confusão em alguns intérpretes, ou melhor, têm servido como desculpa para aqueles que querem distorcer o sentido da Palavra de D’us. Existem, o que poderíamos chamar de, ‘pontos finais’ entre os mandamentos, que separam visivelmente um comando do outro, com duas exceções. O primeiro é entre os dois primeiros mandamentos e, o segundo, é que o Décimo Mandamento de, “não cobiçar” está dividido, estranhamente, em dois por um “ponto final”. Desta maneira, a tradição cristã ‘apagou’ o segundo mandamento, e, para cumprir com os ‘Dez Mandamentos’, divide o último em dois. Sem entrar na razão do porque a redação dos mandamentos na Torá ter sido feita desta maneira, nossa Tradição deixa claro que a divisão é como afirmado acima e, é claro, não como a tradição cristã. E, caso estivessem certos, que não é o caso, os versículos 3-7 ainda, proíbem, de qualquer jeito, a idolatria.
Os Ourives Judeus
Na verdade, a idolatria é um dos erros mais graves da humanidade, uma vez que ao reduzir o tamanho dos deuses a algo compatível ao desejo humano, o homem acaba por transformar a divindade em um brinquedo, do qual nem o tememos e nem prestamosr atenção às suas palavras. Os grandes profetas dedicaram muitos versos a advertir o povo de Israel a abandonar os costumes dos idólatras, assim como a se destinarem a adorações de outras forças naturais ou sobrenaturais, como se quisessem personalizar o Criador através de uma imagem palpável, como tentaram através do bezerro de ouro.
A Mishná e o Talmud dedicam vários capítulos e páginas a regulação de como se comportar em uma sociedade de idólatras. Uma sociedade em que os judeus tenham sido forçados a viver e da qual não sejam influenciados não apenas pela sua idolatria, mas também por qualquer outra coisa parecida, para assim, deixar de encorajar os idólatras em continuar com seus erros.
É verdade que a humanidade mudou muito desde os dias de nossos patriarcas. Aprendemos que, de acordo com o Talmud, Avraham tinha quatrocentos capítulos em seu tratado sobre a idolatria, ao passo que no nosso, dos dias de hoje, existem apenas cinco, o que pode significar que em nossos tempos não é mais tão grave.
O Cristianismo
O Maimônides escreve no penúltimo capítulo de sua enciclopédica Mishneh Torá, que os planos do Criador são inescrutáveis, e, que, tanto como o cristianismo quanto o islamismo, apesar de serem grandes erros dos quais os judeus não podem ignorá-los, têm servido para difundir as noções de judaísmo, universalmente. Alguns dizem que “os mandamentos estão fora de moda” e outros dizem que “são coisas profundas que não podem ser entendidas”; mas quando o verdadeiro Messias se revelar, todos entenderão seus erros e retornarão a verdade.
De qualquer forma, o próprio Maimônides escreve em suas Leis de Idolatria (cap. 9 Artigo 4) que os cristãos são idólatras. A razão é que a adoração de um ser humano venerado como “deus”, ou “filho de deus”, tanto através de uma imagem “humana” ou no formato de uma simples cruz, isto é considerado um ídolo e é proibido. Ou seja, pelo fato de adorar um ser humano deificado, estão transgredindo o Segundo Mandamento, e não é de se admirar que, este, tenha sido suprimido dos catecismos e dos livros didáticos.
Se Paga no Final
A partir daqui, passamos para um tema completamente diferente na jurisprudência hebraica, para no final, relacionarmos com as duas questões tratadas.
Tratemos de um trabalhador que trabalha para alguém, e a Torá diz que deve-se pagá-lo no mesmo dia, e assim, não transgridir o mandamento “no dia dê-lhe seu salário” (Devarim 24:15). Assim sendo, devemos nos assegurar que nem um único dia passe sem este trabalhador ser pago. E se terminou seu trabalho antes do pôr do sol, deve-se pagar antes do pôr do sol, uma vez que, o novo dia começa pela noite, como o judaísmo estipula.
A questão é que, quando se trata de um trabalho que dura vários dias, o mandamento de pagar no seu dia recai somente no último dia. Melhor dizendo, o que conta é o momento do último “golpe” (de acordo com a expressão talmúdica, que utiliza um ferreiro como exemplo) e, portanto, se trabalhou o dia todo, mas o último golpe foi após o pôr do sol, quando já começou um novo dia, o pagamento deve ser realizado até o final deste outro dia.
Isto é o que o Talmud quer dizer com a expressão “o encargo seja pago no final”, ou seja, somente quando o trabalho está terminado este torna-se propriedade daquele que fez o pedido, até então, pertencia ao trabalhador (Baba Metsía 110b).
Os Ourives Judeus
Sabemos que muitos judeus se dedicaram a profissão de ourives em toda a história da nossa diáspora, quando muitos outros tipos de comércios foram fechados para eles e, assim, precisavam de algo que pudessem praticar em qualquer lugar, mesmo quando tivessem que se mudar de um lugar para outro.
E, muitas vezes, os ourives judeus, ou conversos, depois de terem sido forçados a se converter ao cristianismo, recebiam pedidos de freguesias vizinhas para preparar as decorações das igrejas.
Era perfeitamente claro que a grande maioria destas decorações eram pura idolatria e preparar tais pedidos consistia em transgredir as leis contra a idolatria das quais vimos no início deste artigo, e, nos tempos do Templo Sagrado, inclusive, quando exisita um tribunal oficial, teria aplicado a todos aqueles que transgredissem estes mandamentos, o castigo decretado na Torá. Mesmo que o ourives não acreditava nas imagens que preparava, ou para as quais estava criando os enfeites, a prática era completamente proibida.
Mas, curiosamente, ao ter que decidir se os salários concedidos por este trabalho proibido eram lícitos ou não, Maimônides nos fornece uma resposta surpreendente. O judeu, ou o converso, que não acreditava na idolatria cristã não criava, portanto, um ídolo proibido já que este apenas se tornaria um ídolo quando chegasse nas mãos do idólatra, que o contratou. É verdade que o judeu não deveria ter se envolvido com tais práticas e mereceria uma punição por tal, mas isso não implica que tenha cometido ‘idolatria’.
Vimos antes que apenas no último “golpe”, consideramos a tarefa como terminada, e assim, a propriedade passa a pertencer a aquele que a contratou. E, este último golpe, diz Maimônides, não possui um valor mínimo que dá importância ao trabalho, e, portanto, o salário para este trabalho não é proibido.
Não estamos tratando aqui de quem prepara imagens (cruzes e etc.) para ter em sua vitrine, prontos para serem vendidos, pois, neste caso, é claro que o preço, a posteriori, é legítimo. Ainda assim, este trabalho é severamente proibido e talvez deveria ser proibido não somente produzir, mas, também vender estes itens ao colocar um “obstáculo para os cegos” que compram o produto sem entender a gravidade da idolatria. E mesmo quando podem ir para outra loja comprar os objetos e, assim, afetar os lucros do ourives judeu, este não deve se preocupar, pois o que ganhamos no próximo mundo é muito mais valioso do que as poucas perdas que este terá, neste mundo, por cumprir com seu dever de ser um judeu.