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Feminismo no Colóquio Cristão-Judaico


Balanço e Perspectivas

Ruth Ahl

Em círculos extremos do movimento de mulheres responsabilizava-se, indiferentemente, religiões em geral e a tradição judaica-cristã em particular pelo menosprezo de mulheres. De outro lado, a questão de mulheres foi bagatelizada nos círculos do diálogo judaico-cristão, sendo este amplamente conduzido por uma elite de homens. Ela ganhava, mesmo entre mulheres, incompreensão e até negação. Nos EUA, feministas judias já reagiram veementemente ao fato de que teólogas feministas, tanto cristãs como assim chamadas pós-cristãs, responsabilizaram o Judaísmo e o monoteísmo deste pelo assim chamado ‘assassínio da deusa’ e a ‘vitória do patriarcado’, estilizando para cima, no fundo dum sombriamente pintado Judaísmo misógino, Jesus como o primeiro feminista.

Essa discussão americana foi, primeiro, quase não recebida aqui. Só quando a teóloga evangélica Katharina von Kellenbach transferiu esse complexo de questões também à cena alemã, a pedra começou a rolar. Preponderantemente no âmbito evangélico, os antijudaísmos teológicos vindos à luz foram postos no debate e discutidos até o fim. Nisso verificou-se que a maioria das teólogas feministas aceitaram preconceitos antijudaicos acriticamente, tendo-os integrado nos seus próprios projetos teológicos. Em alguns casos, até publicações foram recolhidas e retocadas. 

É para ser criticamente anotado que esta discussão extraordinariamente importante, não foi aproveitada pelas sociedades para a cooperação cristã-judaica. Clemens Thoma, um ilustre representante do diálogo cristão-judaico, já apresentou, no meio dos oitenta, a tese: "A Teologia da Libertação, o movimento feminista e o encontro judaico-cristão formarão e mudarão a face espiritual do mundo de amanhã." Apontava, com isso, para a dinâmica dessas três correntes, que concordavam naquilo que criticaram injustas estruturas existentes.

Nomeadamente o movimento feminista, inclusive sua componente religiosa como teologia feminista e o diálogo judaico-cristão, poderiam estar fraternalmente próximos um ao outro. No seu livro "Auf der Seite des Todes das Leben. Auf dem Weg zu einer christlich-feministischen Theologie nach der Schoah" (‘No lado da morte a vida. A caminho a uma teologia feminista-cristã depois da Shoáh’)1, publicado em 1996, Britta Jüngst observa com pena sua que os dois nexos de discussão tentariam "vingar separadamente um do outro". Fim do seu trabalho é relacionar as duas posições do problema. Espera "que especialmente o ponto de partida, na sua referência à experiência, das teologias feministas poderia chegar a ser significante para o colóquio sacudido por crises na República Federal da Alemanha".

Também no Judaísmo alemão, o tempo das comunidades unitárias, como elas se desenvolveram nos anos após-guerra, vai ao seu fim. Uma geração mais jovem de judias começa a coicear contra o aguilhão duma imagem de mulher nessas comunidades que não lhes parece mais adequada. Tais desenvolvimentos no Judaísmo contemporâneo deveriam ser aproveitados pelas sociedades cristãs-judaicas. Deveriam criar foros, nos quais mulheres judias e cristãs, que cresceram mais além das suas atribuições de papeis nas suas denominações sem querer sair delas, pudessem trocar idéias e confortar umas às outras.

Menciono apenas um ponto: A noção de Shekina no ramo místico do Judaísmo. Assim, por exemplo, a cedo demais falecida Marianne Wallach-Faller de Zurique integrou a feminina alocução de Shekina dirigida a Deus nos seus formulários de oração. Qual é a riqueza de significado que possa entrar na imagem de Deus nomeadamente com a imagem de Shekina, não seja aqui senão aludido somente. Pnina Navè Levinson publicou três importantes livros que pertencem ao complexo de questões das que se trata aqui.2 Em "Eva e suas irmãs" ela mesma deu o passo da plena confissão a uma teologia judaica-feminista. O que surpreende é que, não só mulheres do Judaísmo liberal ou da Reforma, mas também judias ortodoxas começam a olhar a sua tradição com olhos cônscios de mulher. Pnina Navè Levinson, porém, dá também a entender quão pouco o público mais amplo se apresenta a essa problemática. Sumamente elucidativo é também o livro "Die Jüdische Mutter – das verborgene Matriarchat" (‘A mãe judia – o matriarcado escondido’) de Rachel Monika Herweg3, aluna de Pnina Navè Levinson.

Nos EUA, há uma rica literatura judaica-feminista faz 30 anos. Só muito pouco dessa é traduzido ao alemão, nem o clássico "On Being a Jewish Feminist" (‘Sendo Feminista Judaica’) de Susannah Heschel, várias vezes reeditado desde então.4 Também a importante coleção de orações judaicas de mulheres e textos espirituais de mulheres "Mirjam’s Well" (‘A Fonte de Mirjam’)5 não existe em alemão, e muito menos a revista judaica de mulher Lilith, existente desde 1979, da qual Susanna Keval disse que seria o seu pão de vida. Em "Und wieder stehen wir am Sinai - Eine jüdisch-femininistische Theologie" (‘E outra vez estamos no Sinai – Uma teologia judaica-feminista’) Judith Plasko6 postula não menos que uma volta até ao Sinai, para elaborar o quinhão de mulheres esquecido e reprimido na tradição judaica.

Finalizando, sejam lembradas ainda duas mulheres, cuja memória deveria ser um desejo da sociedades cristãs-judaicas: Regina Jonas, a primeira rabina alemã, ordenada em 1935 pelo rabino liberal de Offenbach, uma mulher com a função de exemplo e de pioneira entre entrementes numerosas rabinas. Nascida em 1902 em Berlim, Regina Jonas foi deportada a Theresienstadt em 1942 e assassinada em 1944 em Auschwitz. A outra é Charlotte Klein.7 Nasceu em Berlim em 1914, emigrou nos anos de trinta a Israel, encontrou aí o caminho ao Cristianismo, entrando na ordem das Irmãs de Sião em Jerusalém em 1945. Nunca renegou ao seu ser judaico. Quando faleceu em Londres em 1984, quatro rabinos rezaram a oração do Kadish no serviço funeral por esta freira católica. O rabino Lionel Blue fez o sermão sob a divisa "Ist schwer zu sein ein Yid" (‘É difícil ser judeu’). Charlotte Klein desenvolveu uma largamente diferenciada atividade de docente nos EUA e na Inglaterra, publicando, em 1975, um livro importante sobre os antijudaísmos na teologia cristã contemporânea, nomeadamente na alemã. Esse livro não foi aceito pela ciência teológica e passado em silêncio – até hoje.

Notas:
1] Chr. Kaiser/Gütersloher Verlagshaus 1996, vgl. Freiburger Runbrief 1/1997, 52.
2] Eva und ihre Schwestern – Perspektiven einer jüdisch-feministischen Theologie (Eva e suas Irmãs – Perspectivas duma Teologia judaica-feminista), 1992; Was wurde aus Saras Töchtern – Frauen im Judentum (O quê as Filhas de Sara Chegaram a Ser – Mulheres no Judaísmo,31993; Ester erhebt ihre Stimme – jüdische Frauen beten (Ester levanta a sua voz – Mulheres judaicas oram), 1993; Gütersloher Verlagshaus (Gerd Mohn).
3] Wissenschaftliche Buchgesellschaft, Darmstadt 1994, vgl. Freiburger Rundbrief 3/1995, 226-227.
4] Schocken Books & Knopf, Nova York 1995.
5] Subtítulo: Rituals for Jewish Women Around the Year (Rituais para Mulheres Judias ao Redor do Ano). Biblio, Nova York 1990.
6] Edition Exodus, Luzern 1992.
7] O Hedwig-Dransfeld-Haus em Bendorf publicou em 1992 um livro de lembranças dela e sobre ela: Edith Sauerbier (ed.), Charlotte Klein – "Pionierin der Verständigung" ["Pioneira de Entendimento"] (cf. Freiburger Rundbrief 2/1995,141-142).
Ruth Ahl, nascida em 1927, publicista livre e atividade de conferências, é redatora da revista ‘Frau und Mutter’ (‘Mulher e Mãe’). Em 1990, publicou o livro ‘Eure Töchter werden Prophetinnen sein’ (‘Vossas Filhas serão Profetisas’), ed. Herder. Foi decorada como o prêmio católico de jornalista por uma série de artigos referentes à teologia feminista.

Publicação com benévola permissão da Revista Freiburger Rundbrief. © 1998 Freiburger Rundbrief 1/1998,
Tradução: Pedro von Werden SJ  
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