
Por Carlos Albuquerque
Elizabeth Woolridge Grant enrolou-se com a persona artística que criou para si. No papel de Lana Del Rey, a enigmática cantora que conquistou o mundo com dois álbuns (”Born to die” e “Ultraviolence”), ela deu uma recente entrevista ao jornal britânico “Guardian”, na qual confessou sua paixão por Kurt Cobain e Amy Winehouse.
Após destacar que o que unia aquelas duas estrelas era o fato de terem morrido jovens — aos 27 anos, para ser mais preciso —, o repórter Tim Jonze perguntou a Lana se ela achava que havia algum glamour nisso, e ela surpreendeu afirmando que, estranhamente cansada do show business, “gostaria de já estar morta”. A afirmação repercutiu e fez com que Frances Bean, filha de Cobain, repreendesse a cantora publicamente, pelas redes sociais: “A morte de jovens artistas não é algo que deva ser romantizado. Não conheci meu pai porque ele morreu jovem, e pessoas como você ainda acham isso ‘cool’”. Lana, que depois alegou ter sido mal-interpretada, tem 28 anos.
— Acho que, talvez por ingenuidade, Lana tropeçou nas palavras nessa entrevista e ao tentar criar um aura de mistério perdeu o tom e se deixou levar por um dos maiores clichês do rock — afirma o escritor britânico Howard Sounes.
Sounes sabe do que está falando. Afinal, ele dedicou um bom tempo de sua vida a estudar justamente esse “clichê”. No livro “Amy e o clube dos 27”, recém-lançado no Brasil pela Leya, mergulha nesse que é um dos mais conhecidos e controvertidos mitos da música pop: o trágico destino de Amy, Cobain e também Jimi Hendrix, Janis Joplin, Jim Morrison e Brian Jones, famosas estrelas que morrreram quando tinham 27 anos.
Autor de elogiadas biografias de Bob Dylan (“Dylan — A biografia”) e do escritor Charles Bukowski (“Vida e loucuras de um velho safado”, ambas lançadas pela Conrad), Sounes tenta, em pouco mais de 400 páginas, encontrar um elo entre a vida conturbada desses superastros que dê algum real sustento ao mito, algo que seja mais forte do que o argumento de que tudo não passa de uma simples e trágica coincidência.
— Não há como negar que existe uma infeliz coincidência, ela é a verdadeira base desse clube — reconhece o autor. — Mas isso não é tudo, nunca foi.
Sabiamente descartando teorias da conspiração, superstições e crenças astrológicas envolvendo o “Clube dos 27” — expressão popularizada após ser usada pela mãe de Cobain, Wendy, durante o enterro do filho (”Falei para ele não se unir a esse clube estúpido”, afirmou) —, Sounes conta que a morte de Amy, em 2011, foi o estopim para que decidisse investigar as histórias por trás da suposta “maldição” daquela idade.
— O desabafo da mãe de Kurt foi exemplar porque mostrou que a mitologia era uma besteira que obscurecia a dureza dos fatos. Após a morte de Amy, que fortaleceu ainda mais o mito, resolvi mergulhar nas histórias dessas pessoas, para ver se elas poderiam, de alguma forma, ajudar a explicar o destino que tiveram.
Na abertura, Sounes recorre aos números para mostrar que as mortes aos 27 não são estatisticamente significativas no universo da música pop — mesmo assim chegando a uma lista de 50 artistas conhecidos que se foram com essa idade. Depois, descartou nomes como Robert Johnson (o mitológico bluesman, morto em 1938), Ronald McKernan (tecladista e fundador do Grateful Dead, morto em 1973), Alan Wilson (cantor do Canned Heat, morto em 1970), Gary Thain (baixista do Uriah Heep, morto em 1975) e Richey Edwards (guitarrista do Manic Street Preachers, dado como morto em 2008), para se concentrar nos “seis grandes”.
— Eles foram grandes músicos e têm grandes histórias, sobretudo Robert Johnson e Richey Edwards, mas nenhum foi um ícone de um período. E era preciso dar um foco ao livro. Os chamados seis grandes que deram a fama ao clube.
Em Amy, Janis, Hendrix, Morrison, Cobain e Jones, encontrou histórias de instabilidade familiar, dificuldades com a fama e tendências à autodestruição.
— Todos tiveram trajetórias desregradas e problemáticas. Todos deram a impressão de estarem cansados da vida quando a morte chegou. E, embora Cobain tenha sido o único a escolher a data de partir, todos sabiam que, se continuassem com aquelas práticas, iriam morrer. Janis continuou a usar heroína mesmo após sobreviver a overdoses. E Amy seguiu bebendo mesmo sendo alertada por sua médica que aquilo poderia tirar sua vida. Por isso, acredito que todos esses seis cometeram suicídio de alguma forma, embora apenas Cobain tenha deixado uma carta.
Ironicamente, o próximo artista que vai ser biografado por Sounes, Lou Reed, viveu excessos semelhantes aos dos “seis grandes”, mas só sucumbiu a um câncer no fígado, em 2013, aos 71 anos.
— Ele dizia ter sorte de não ter morrido aos 20 e poucos anos. Reed foi um sobrevivente, como tantos outros de sua geração, e por pouco não entrou para esse clube — reconhece o escritor. — Mas a graça da vida é essa, nos surpreender. Por isso, sua história é um outro livro.