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Marine Le Pen |
Ana Luiza Albuquerque*
Europa: especialistas relacionam ascensão da extrema-direita à crise econômica
Maior conquista dos ultradireitistas foi com a vitória da Frente Nacional francesa para o Parlamento.
As eleições parlamentares europeias, encerradas no dia 25 de maio, foram palco da vitória do conservador Partido Popular Europeu (PPE), que totalizou 212 das 751 cadeiras, e da ascensão de partidos de extrema-direita. O resultado mais impressionante foi na França, com a vitória da ultradireitista Frente Nacional. A legenda conquistou cerca de 25% dos votos e 24 cadeiras no Parlamento Europeu, um terço das 74 que o país possui. Em 2009, o partido havia alcançado 6% dos votos.
"A ascensão da extrema direita está relacionada ao contexto da crise econômica na Europa", esclarece o cientista político Valeriano Costa, docente da Unicamp. "A extrema direita perdeu espaço depois da Segunda Guerra Mundial, mas reapareceu com a formação da União Europeia. A unificação foi provocando crise de identidade dos países europeus, migração e desemprego, e foi trazendo de volta estes temas que a extrema-direita havia perdido o foco. Com a crise, tudo isso se agravou. O desemprego se tornou violento, alguns países com mais de 25%, e a temática da migração muito mais forte", explica.
"A Europa está no auge da ressaca da crise. Não está mais no fundo do poço, mas ainda está em uma situação ruim e a população percebe que isso se manterá por anos. Alguns países têm crescimento negativo, inclusive. Por isso, começam a aumentar as críticas a tudo que se relaciona com a União Europeia, já que ela é o foco aparente e virou bode expiatório. A população acredita que ela é responsável pelas mazelas, até porque o Parlamento vem ganhando importância e tem mais força nas definições de política, se tornando realmente um poder", aponta o especialista. Costa identifica uma nova tendência dos grupos de extrema-direita, que tentam ganhar espaço no Parlamento.
"A estratégia da direita mais radical sempre foi isolacionista em relação ao bloco, já que eles querem dissolver a União Europeia. Só que agora eles perceberam que precisam atuar dentro da União para dissolvê-la. Está havendo uma polarização no grupo, já que tanto a esquerda pró União Europeia quanto a direita contra o grupo estão crescendo, enquanto os líderes centrais estão na defensiva, perdendo um pouco da hegemonia", afirma.
O professor da Unicamp expõe que os impactos dessa transformação ainda são pouco visíveis. "A população está sofrendo muito, porque sempre foi acostumada com bons serviços e agora passa por uma desmontagem do sistema de proteção social. É normal que as pessoas fiquem muito céticas. Ao mesmo tempo, os países que mais estão sofrendo com a União Europeia, os do sul, são os que mais precisam da ajuda do grupo. Eles são os que teriam mais prejuízo se saíssem. Ou seja, é um paradoxo. A maioria da população não quer sair e as minorias não mostram claramente o que acontecerá depois", declara. Por outro lado, Costa garante que o crescimento da extrema-direita é um sinal para a União Europeia mudar suas atitudes. "É uma sinalização clara para as elites do grupo que eles têm que mudar. Os impactos duros na população, com as políticas de austeridade, trouxeram essa extrema-direita de volta. Apenas o líder ganha com a União Europeia, os países do norte, enquanto os dependentes das políticas do grupo se sentem perdedores", finaliza.
A cientista política Roseli Coelho, docente da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), acrescenta que, em momentos de crise, o extremismo ganha espaço. "É esperado que na crise as pessoas se voltem ao extremismo, principalmente de direita, porque a esquerda de um modo geral, devido à tradição, tem uma vocação internacionalista. Um país de centro-esquerda propor barreira de entrada para imigrantes, por exemplo, soa muito estranho, mas para um programa de direita é muito natural. Como o desemprego é alto na Europa, em função da crise, cresceu uma certa disposição xenófoba, com o medo de que os estrangeiros roubem os empregos", assegura.
De acordo com Coelho, o crescimento da extrema-direita ainda não é uma tendência. "Anos atrás houve um espasmo de crescimento da direita pelas mesmas razões. Agora, os números foram mais generalizados, mas a Le Pen já teve votação expressiva na França e depois voltou ao patamar normal", recorda, se referindo à Marine Le Pen, presidente da Frente Nacional francesa. Ela também não acredita que a União Europeia corra o risco de acabar. "A União Europeia está fazendo o que muitos Estados Nacionais não conseguiram: arrochar as contas, diminuir o número de funcionários públicos, cortar salários, estabelecer medidas mais duras para a aposentadoria... Essas medidas são de difícil implementação e temos assistido uma certa rejeição de parte da população. Mesmo assim, acredito que não existe o risco do grupo se desmontar. Se aprofundar a crise, qualquer coisa pode acontecer, mas em condições normais, com a manutenção do crescimento, ainda que medíocre, não é provável que aconteça", conclui.
No Reino Unido, o partido eurocético UKIP (Partido para a Independência do Reino Unido), defensor da saída da União Europeia, também conseguiu 24 lugares no Parlamento, com aproximadamente 27% dos votos. Em 2009, foram cerca de 16% dos votos e 13 cadeiras. Na Grécia, o neonazista Amanhecer Dourado teve cerca de 9% dos votos, conquistando três cadeiras.
A legenda é criticada por atos de racismo, xenofobia e ultranacionalismo. Outro partido neonazista, o Nacional Democrata da Alemanha, por sua vez, conseguiu pela primeira vez uma cadeira no Parlamento, com 1% dos votos. Além de xenófoba, a legenda também é acusada de querer que a fronteira da Alemanha volte a ser aquela anterior à Segunda Guerra Mundial. Na última eleição, os dois partidos neonazistas não haviam conquistado um lugar. Os ultradireitistas Partido da Liberdade da Áustria e Partido da Liberdade holandês, por sua vez, ocuparão 4 cadeiras no Parlamento cada um.
No dia 29 de maio, estudantes protestaram em diversas cidades francesas, como Paris, Lyon, Bordeaux, Marselha, Estrasburgo e Nantes, contra a ascensão da nacionalista e ultradireitista Frente Nacional de Le Pen. Foram aclamados bordões como "F de fascista, N de nazi", em referência às acusações de racismo e xenofobia contra o partido, descrito por acadêmicos como autoritário e populista.
Le Pen já afirmou em diferentes ocasiões que deseja destruir a União Europeia. Seu pai, Jean-Marie Le Pen, presidente honorário da Frente Nacional e primeiro líder do partido, foi alvo de inúmeras críticas ao declarar recentemente que o vírus fatal ebola pode ajudar a "resolver" o problema do crescimento demográfico e da imigração na França.
* Programa de Estágio Jornal do Brasil