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O brasileiro judeu que capturou nazistas

Israel Blajberg / Especial para ASA

Salli combateu em dois grandes momentos da FEB e foi ferido na arriscada posição de observador avançado.


O saudoso coronel Salli Szajnferber  já não está mais perfilado no palanque diante da tropa formada na manhã ensolarada, ostentando ao peito a Cruz de Combate de 1ª Classe, concedida  pelo presidente da República por bravura em ação na Tomada de Montese.


Quartel de Barueri-SP,  lembrança de momento de glória das armas nacionais próximo a Parma, Itália, cortando a retirada  das tropas nazi-fascistas em movimento para o Norte, que entraria para a História Militar Brasileira como a manobra de Collecchio - Fornovo di Taro: rendição da 148ª Divisão de Infantaria alemã, com remanescentes da 90ª Divisão Panzer e as divisões Italia dos Bersaglieri e Monte Rosa dos Alpinos,  confrontando dois batalhões do 11º RI-Tiradentes e 6º RI-Ypiranga.


Precisamente à 1h 45 de 29 abril de 1945, a 2ª Bateria do 3º Grupo de Obuses 105 da FEB cumpriu a última missão. Era  comandante da linha de fogo o então tenente Amerino Raposo Filho.


Vinte e cinco mil brasileiros embarcaram para a Itália. Este ano, apenas seis veteranos puderam comparecer. Eram jovens soldados, como aqueles que hoje  servem no mesmo quartel.


No pátio, apresta-se a 2ª Bateria. Exatamente como em 1945, a linha de fogo é novamente comandada pelo hoje  coronel Amerino Raposo, descendente  remoto do bandeirante Raposo Tavares, o cristão-novo que muito estendeu as fronteiras do Brasil, segundo a consagrada historiadora Anita Novinski.


A salva da poderosa artilharia estremece os ares.  Os pássaros que habitam a colina em frente revoam piando pelo aquartelamento. A fumaça branca se dispersa levada pelo vento. Os velhos artilheiros recordam os irmãos de armas que já não estão mais aqui, e os que não voltaram. Não existe consolo, mas suas almas se elevaram pela certeza de que um mundo melhor passaria a existir.


No museu da unidade, a visão do passado glorioso do Grupo.  Troféus de guerra. A bandeira com a malfadada suástica. O belíssimo monumento, de beleza singela e nobre significado,  com os nomes dos nossos Heróis inscritos no mármore. O nicho de Santa Bárbara acolhe os fiéis, artilheiros a quem a santa protege.


Bravo soldado


A cada 29 de abril Salli ia especialmente do Rio com seu colega ex-combatente coronel Amerino Raposo e o general Geraldo Nery, antigo comandante do Grupo,  comemorar a última missão de tiro da Artilharia brasileira na Itália, realizada  à 1h 45 daquela madrugada  de 1945.  Salli Szajnferber nasceu aos 4 de outubro de 1923 no Rio de Janeiro, filho de Abram e Berta, imigrantes da Polônia.


O menino Salli estudou no Instituto La-Fayette, na Rua Haddock Lobo, em seguida no Colégio Militar, após o que prestou concurso para a Escola Militar do Realengo. Classificou-se em terceiro lugar  e, aos 8 de janeiro de 1944, para orgulho dos pais, obteve o segundo lugar da turma e foi declarado aspirante a oficial.


Em 9 de março de 2010, sua alma retornou ao Criador, e um destacamento do 11° Grupo de Artilharia de Campanha da Vila Militar, o mesmo que conquistou Montese,  prestou as honras fúnebres no Cemitério Comunal Israelita do Caju, com a Banda de Música executando  a Canção da Artilharia, acompanhada pelos seus irmãos de armas presentes.


Salli combateu em dois grandes momentos da FEB, as tomadas de Monte Castelo ‒ sendo comandante de linha de fogo ‒ e de Montese, tendo sido levemente ferido nesta última, na arriscada posição de observador avançado.


Em 28 de abril de 1945, na Ofensiva da Primavera, a Bateria de Salli participou do cerco ao inimigo: a 148ª Divisão alemã, com todo seu material, canhões, tropa a cavalo e remanescentes da Divisão Panzer Grenadier e Bersaglieri Italia. O generais Otto Fretter Pico, nazista, e  Mario Carloni, fascista,  renderam-se aos brasileiros com 892 oficiais, 19.689 soldados, 80 canhões, 5 mil viaturas e 4 mil cavalos.


Na noite de 29 de abril, a Bateria de Salli capturou 900 prisioneiros, da pretensa raça superior ariana, devidamente guardados pela nossa tropa brasileira, que contava com negros, índios, nordestinos, mestiços, todos componentes do fantástico mosaico da sociedade igualitária brasileira, mas que os nazistas fanáticos classificariam como  untermentschn  ‒ sub-humanos ...  Uma enorme bandeira nazista foi trazida como troféu, estando hoje exposta no museu do Grupo Bandeirante.


É nosso dever recordar aquela epopeia, a relevante contribuição brasileira ao esforço de guerra para derrotar o nazismo, enviando à Itália 25 mil soldados ‒ tarefa ainda hoje das mais difíceis e complexas ‒, bem como mantendo  bases no Nordeste, especialmente Natal – Parnamirim Field, o Trampolim da Vitória.


Salli partiu, mas sua memória permanece viva entre nós. Filho de imigrantes que se estabeleceram em Guaratinguetá-SP, teve dificuldades em ingressar na Escola Militar, devido à política germanófila do ministro da Guerra, general Dutra. Um amigo do pai conseguiu dar o famoso jeitinho brasileiro para contornar as barreiras antissemitas da época. Assim, Salli cursou a Escola Militar do Realengo, de onde se incorporou como voluntário à FEB como bravo soldado e correligionário, cujas tradições tanto honrou ao longo de uma carreira exemplar. 


Israel Blajberg é engenheiro e historiador militar.

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