
Referindo-se às imposições de D. João II que acolheu as famílias judaicas desalojadas de Granada, em 1492, Simon Schama relata os pagamentos de somas volumosas pelo privilégio de usufruírem de um “asilo de curto prazo” durante oito meses no reino de Portugal, que acabou por reduzir à pobreza e à escravatura um número incalculável de pessoas.
“O rei guardou muitos para seu uso privado e, entre eles, contavam-se as crianças que, retiradas aos seus pais e na qualidade de escravos, podiam ser enviadas por mar para colonizar São Tomé”, escreve Schama (página 600).
Os judeus vindos de Espanha, sobretudo crianças, seriam sujeitos a uma conversão rápida e iriam cristianizar São Tomé, “acasalados com os escravos africanos” que também foram enviados para a ilha dando origem a uma “população mulata devota e com espírito de iniciativa” a quem, 20 anos depois seria concedida a liberdade.
O historiador acredita que foram de certeza algumas centenas que ficaram na ilha, criando uma sociedade colonial em miniatura, dedicada à produção de açúcar e cacau, “que é a base do melhor chocolate do mundo”.
Os relatos sobre o fim da Reconquista na Ibéria no final do século XV referem também a destruição de milhares de livros trazidos de Espanha após a expulsão decretada pelos Reis Católicos.
Todas as sinagogas foram fechadas e os livros destruídos, sobretudo em Lisboa, e, em 1497 D. Manuel II, sucessor de D. João II, ordena mesmo a captura de crianças judias que “nunca mais foram vistas”.
“Os judeus ficaram presos no que foi, na realidade, o primeiro campo de concentração, de onde não podiam fugir nem ter autorização para sair se não se convertessem”, escreve Simon Schama sobre Portugal que destaca também a passagem do astrónomo e rabi talmudista Abraão Zacuto levado para o mosteiro dos Templários em Tomar e que beneficiou de um acolhimento especial.
“A presença do famoso Zacuto pode explicar o porquê da manutenção de uma sinagoga solitária, do fim da Idade Média portuguesa, em Tomar: é uma pequena casa de oração e estudo, minúscula e única e com uma divisão modesta suportada por pilares esguios”.
Em Tomar, Zacuto prepara a nova edição do “Almanaque Perpétuo para o Movimento dos Corpos Celestes”, um tratado científico sem precedentes.
“Parece provável que o rabi Zacuto se tenha encontrado com o explorador português Vasco da Gama antes da viagem que o levou para lá do Bojador, para lá da ilha das crianças órfãs (São Tomé), rodeando o cabo e achando-se de repente a ir para norte, ao longo da costa africana”, (página 606) escreve o historiador sublinhando que o êxito do navegador fora facilitado pelo facto de ter levado a bordo o Almanaque Perpétuo do rabi, que lhe dava uma leitura segura da latitude.
Os acontecimentos em Portugal são apenas uma ínfima parte do livro “História dos Judeus – Encontrar as Palavras – 1000 A.C. – 1492 D.C.”, de Simon Schama que publica agora o primeiro volume, estando ainda a preparar a segunda parte, além do documentário em cinco partes que realizou para a BBC e transmitido no final de 2013.
A obra de Schama abrange milénios e continentes, incluiu mapas e fotografias, tendo o historiador começado a desenvolver o projeto nos anos 1970 mas que contou com inúmeras paragens.
Para Schama, nenhuma história, “pouco importando o âmbito temporal ou espacial do seu objeto de estudo”, ficaria completa sem a história dos judeus e de que nela há muito mais do que “porgroms”, perseguições e rabis mas, afirma, “é uma cultura que tem resistido sempre à aniquilação, que tem reconstruído habitações e habitats do nada, escrevendo a prosa e a poesia da vida por entre uma sucessão de desenraizamentos e de ataques”.
Simon Schama, professor de História da Arte, de origem judaica, é autor, entre outros, do livro “Cidadãos”, sobre a Revolução Francesa; “O Futuro da América” e “The Power of Art” e “History of Britain” ambos documentários da BBC.