Quarenta anos depois da Guerra do Yom Kippur, os israelenses ainda se
perguntam se o seu país pode voltar a ser surpreendido por um ataque
militar, em meio a um contexto de crescente tensão regional.
No dia 6 de outubro de 1973, às 14h00, em plena celebração do Yom
Kippur, o dia mais sagrado do judaísmo, Egito e Síria iniciaram a
ofensiva do Ramadã contra o Exército de Israel a oeste, ao longo do
Canal de Suez, e a leste das Colinas de Golã.
Os líderes israelenses se convenceram da iminência de um ataque
apenas cinco horas antes, e decretaram a mobilização geral dos
reservistas.
Esse atraso custou caro aos militares, que sofreram pesadas perdas
(mais de 2.500 mortos). As baixas acabaram com o mito da invencibilidade
de Israel, após a sua esmagadora vitória na Guerra dos Seis Dias, em
junho de 1967.
As imagens de soldados atordoados capturados nas Colinas de Golã, ou
cercados perto do Canal de Suez, além da angústia nos rostos dos líderes
políticos e militares, até hoje assombram a opinião pública.
Apesar de o ambiente atual ser menos hostil a Israel, graças à
assinatura de tratados de paz com dois de seus vizinhos, Egito e
Jordânia, e dos acordos com os palestinos, quase um terço dos
israelenses acreditam na possibilidade de uma nova ação, de acordo com
uma pesquisa divulgada por ocasião deste aniversário.
A ameaça que mais preocupa hoje o governo do primeiro-ministro
Benjamin Netanyahu e a opinião pública é o programa nuclear do Irã, que
tem mísseis capazes de atingir Israel.
Nos vizinhos Síria e Líbano estão os outros pontos de tensão,
representados pelo regime do presidente sírio, Bashar al-Assad, e pelo
grupo radical islâmico Hezbollah.
"Se Israel for forçado a agir sozinho, ele agirá sozinho" para
afastar o perigo de o Irã adquirir armas nucleares, advertiu terça-feira
Netanyahu na Assembleia Geral das Nações Unidas.
Ironicamente, há 40 anos, era Israel o acusado de pensar em usar seu arsenal nuclear, que o governo nunca admitiu existir.
Diante de um desastre que parecia inevitável, o ministro da Defesa à
época, Moshe Dayan, mencionou o uso de "armas não-convencionais", em
caso de fracasso das frentes de defesa, em uma proposta rejeitada pela
então primeira-ministra Golda Meir.
Em um documentário israelense, que será lançado em breve, o
secretário de Estado americano na época, Henry Kissinger, assegura que
os Estados Unidos não receberam "sinal algum" sobre tal projeto.
O fiasco de 1973 é atribuído principalmente à inteligência militar,
convencida de que a probabilidade de um ataque egípcio-sírio era "muito
baixa".
Israel foi surpreendido, apesar de dispor de informações em primeira
mão, fornecidas por um espião egípcio, Ashraf Marwan, filho do
ex-presidente Gamal Abdel Nasser, segundo Marius Schattner e Frédérique
Schillo, autores de um livro recente intitulado "A Guerra do Yom Kippur
não ocorrerá".
Baseado em arquivos recentemente desclassificados, o livro considera a
tese de outros especialistas, segundo a qual Ashraf Marwan teria feito
jogo duplo, avisando tarde demais Israel sobre o ataque após vários
alarmes falsos.
Mas o Exército israelense também tem sua parcela de responsabilidade, reconhece o atual ministro da Defesa, Moshe Yaalon.
"Uma das raízes de nosso fracasso no início da guerra veio do
sentimento de superioridade que prevalecia em nossas fileiras após a
vitória relâmpago de junho de 1967", considera.
"Nunca mais vamos subestimar o inimigo", acrescentou esse ex-chefe do Estado Maior.
Mas a principal questão é se os políticos não se equivocaram
grosseiramente a respeito das intenções do inimigo, rejeitando propostas
de paz iniciadas pelo ex-mandatário egípcio Anwar al-Sadat antes da
guerra, descritas como "pura propaganda" por Golda Meir.
Netanyahu expressa hoje o mesmo ceticismo quanto às propostas de
diálogo lançadas pelo presidente iraniano Hassan Rohani, a quem ele
chama de "lobo em pele de cordeiro".
Esse discurso suscitou críticas do New York Times, em um editorial
pedindo ao líder israelense para não "sabotar a diplomacia antes de o
Irã ser colocado à prova".
De acordo com o jornal de oposição Haaretz (centro-esquerda), "40
anos depois, Israel continua no mesmo caminho, confiando no poder
militar e no apoio dos Estados Unidos, ignorando o seu isolamento e os
limites de sua força".