Davi exibe a cabeça de Golias, em tela de Caravaggio |
Assim como a do povo hebreu, história da música sacra judaica é uma
trajetória entre a tradição e as rupturas. Invasão de romanos, exílio e
Holocausto provocaram mudanças cruciais e diversificação.
Segundo conta a Bíblia, armado apenas de uma atiradeira e uma
pedra, o hebreu Davi derrotou o gigante filisteu Golias, compensando com
inteligência a desvantagem de tamanho.
Mas aparentemente o futuro rei
dos judeus não era apenas esperto, como também extremamente musical. Com
o som de sua harpa, ele acalmou os ânimos do rei Saul, e a ele se devem
os salmos bíblicos.
É impossível saber como soavam na época esses cantos de louvor e de
lamentação: certo está que a música vocal e instrumental, assim como a
dança, eram componentes importantes dos cultos no Templo de Jerusalém.Instrumentos banidos, cantos exilados
Durante séculos, o louvor musical a Deus foi praticado, apesar de o
templo ter sido repetidamente destruído e de, por duas vezes, o povo de
Israel ter sido exilado ou mantido em cativeiro. Mas a derrota da
revolta dos hebreus pelas tropas invasoras romanas, por volta do ano 70
d.C., mudaria essa prática.
"Depois que o Templo de Jerusalém foi destruído, os rabinos decretaram o
banimento da música instrumental das sinagogas, em sinal de luto eterno
pela desgraça ocorrida", explica Steven Langners, ex-rabino da
comunidade israelita de Munique e da Alta Baviera.
Durante muito tempo, somente o canto era permitido nas casas religiosas
judaicas. Após a repressão da revolta, os hebreus não demoraram muito a
ser expulsos do próprio território, levando os cantos sacros para o
exílio.
Influências recíprocas
Yaakov Motzen, cantor da Sinagoga da Cracóvia, Polônia |
Alguns dos cantos escutados hoje nas sinagogas datam, de fato,
da Antiguidade, porém foram reelaborados e adaptados muitas vezes por
compositores da Alta Idade Média (a partir do século 5º d.C.).
Enquanto as comunidades judaicas do Leste Europeu e do Oriente Médio até
hoje respeitam estritamente a proibição da música instrumental no culto
religioso, a partir do fim do século 18 grande parte dos fiéis da
Europa Ocidental e Central procuraram novas formas de expressão para a
música das sinagogas.
Salomon Sulzer (1804-1890), cantor austríaco aclamado ao lado de Mendelssohn |
Órgão ou não, eis a questão
Tanto o Iluminismo do século 18 quanto o reconhecimento dos
direitos dos cidadãos reforçaram a autoestima e autoconfiança dos
israelitas europeus, o que também se refletiria na música sinagogal. Em
pouco tempo, os cantos nos templos passaram a acusar tantas influências
da linguagem musical romântica quanto as melodias corais das Igrejas
católica e luterana.
Cantores litúrgicos como Salomon Sulzer e Louis Lewandowski eram
aclamados como compositores, tanto quanto os alemães Felix Mendelssohn
Bartholdy e Giacomo Meyerbeer.
Os cidadãos israelitas também apoiavam a campanha das comunidades
liberais judaicas de instalar órgãos nas sinagogas. Tal pretensão
desencadeou crítica ferrenha por parte dos conservadores ortodoxos,
desembocando numa verdadeira "disputa organística" de fundo teológico.
"De modo geral, a música sinagogal dos europeus ocidentais encontrava
pouca apreciação na Europa Oriental, onde imperava um estilo totalmente
diverso. No entanto, para os judeus que haviam crescido no Ocidente, a
música do romantismo era a expressão natural de sua religiosidade",
caracteriza o especialista Steven Langners.
Depois do Holocausto, panorama diversificado
Na época da ascensão nacional-socialista na Alemanha, em 1933, mais de
70 sinagogas do país possuíam órgãos. Contudo, da mesma forma que a
diversificada vida musical judaica, a maioria dos instrumentos foi
destruída pela fúria antissemita do regime e de parte da população.
Órgão da sinagoga de Budapeste: instrumento polêmico no século 19 |
"Hoje há algumas sinagogas que preservam a tradição musical
alemã, como por exemplo a de Berlim, onde também se toca órgão", diz
Langners. No entanto, "a maioria das sinagogas segue a tradição europeia
oriental, uma vez que a maioria dos membros da comunidade judaica de
hoje vem do Leste, trazendo consigo seu estilo sinagogal".
Entre essas conta a sinagoga de Colônia, cujo órgão não é atualmente
utilizado. Outras comunidades, por sua vez, se engajam pelo repertório
contemporâneo de canto sacro.
No panorama geral, Steven Langners registra uma cultura musical
extremamente diversificada nas comunidades judaicas da Alemanha, indo
desde o estritamente tradicional até o moderno e liberal, passando pelo
rico repertório da música sinagogal do período romântico dos séculos 18 e
19.
Fonte: DW.DE