Jonathan Sacks
Ć o momento mais religioso do ano. Pode-se ver em qualquer cidade nos Estados Unidos ou na Inglaterra o cĆ©u iluminado por sĆmbolos religiosos, decoraƧƵes de Natal, e provavelmente tambĆ©m uma menorah gigante. A religiĆ£o no Ocidente parece estar viva e bem.
Mas Ć© isso mesmo? Ou estes sĆmbolos foram esvaziados de conteĆŗdo, e tornaram-se nada mais do que um pano de fundo brilhante para a mais nova fĆ© do Ocidente, o consumismo, sendo suas catedrais seculares os shoppings?
Ć primeira vista, a religiĆ£o parece estar em declĆnio. Na GrĆ£-Bretanha, acaba de ser publicado os resultados do censo nacional de 2011. Mostram que um quarto da populaĆ§Ć£o afirma nĆ£o ter religiĆ£o, quase o dobro de uma dĆ©cad a atrĆ”s. E, embora os Estados Unidos continue sendo o paĆs mais religioso do Ocidente, 20 por cento declaram-se sem filiaĆ§Ć£o religiosa - o dobro do nĆŗmero de uma geraĆ§Ć£o atrĆ”s.
PorĆ©m, olhando sob outra perspectiva, os nĆŗmeros contam uma histĆ³ria diferente. Desde o sĆ©culo 18, muitos intelectuais ocidentais previram o fim iminente da religiĆ£o. No entanto, e mais recentemente, apĆ³s uma sĆ©rie de ataques devastadores pelos novos ateus, incluindo Sam Harris, Richard Dawkins e o finado Christopher Hitchens, ainda na GrĆ£-Bretanha trĆŖs em cada quatro pessoas, e na AmĆ©rica quatro em cada cinco, declaram lealdade a uma fĆ© religiosa. O que, em uma era de ciĆŖncia, Ć© verdadeiramente surpreendente.
A ironia Ć© que muitos dos novos ateus sĆ£o seguidores de Charles Darwin. NĆ³s somos o que somos, dizem eles, porque nos pe rmitiram sobreviver e transmitir nossos genes para a prĆ³xima geraĆ§Ć£o. A nossa composiĆ§Ć£o biolĆ³gica e cultural constitui a nossa "aptidĆ£o adaptativa." No entanto, a maior sobrevivente de todas elas Ć© a religiĆ£o. As superpotĆŖncias tendem a durar sĆ©culos, porĆ©m as grandes religiƵes perduram por milĆŖnios.
A questĆ£o Ć© por quĆŖ?
O prĆ³prio Darwin sugeriu qual seria a resposta correta. Ele estava intrigado com um fenĆ“meno que parecia contradizer a sua tese mais bĆ”sica, que a seleĆ§Ć£o natural deveria favorecer os mais aptos. AltruĆstas, que arriscam suas vidas em beneficio de outros, deveriam, portanto, geralmente morrer antes de passarem seus genes para a prĆ³xima geraĆ§Ć£o. No entanto, todas as sociedades valorizam o altruĆsmo, e algo semelhante pode ser encontrado entre os animais sociais, como os chimpanzĆ©s, golfinhos e formigas.
Os neurocientistas tĆŖm mostrado como isso funciona. Temos os neurĆ“nios-espelho que nos fazem sentir dor quando vemos outros sofrendo. Estamos programados para sentir empatia. Somos animais morais.
As implicaƧƵes precisas desta resposta de Darwin ainda estĆ£o sendo debatidas pelos seus discĆpulos – E. O. Wilson de Harvard, por um lado e Richard Dawkins de Oxford por outro. Para colocar em uma forma mais simples, transmitimos nossos genes como indivĆduos, mas sobrevivemos como membros de grupos, e os grupos sĆ³ podem existir quando os indivĆduos nĆ£o agem somente em benefĆcio prĆ³prio, mas para o bem do grupo como um todo. Nossa Ćŗnica vantagem Ć© que formamos grupos maiores e mais complexos do que qualquer outra forma de vida.
Como resultado Ć© que temos dois padrƵes de reaĆ§Ć£o no cĆ©rebro, um foca os perigos potenciais para nĆ³s, como indivĆduos, e o outro, localizado no cĆ³rtex prĆ©-frontal, tem uma visĆ£o mais ponderada das conseqĆ¼ĆŖncias de nosso s atos, para nĆ³s e para os outros. A primeira Ć© imediata, instintiva e emotiva. A segunda Ć© reflexiva e racional. Estamos presos, na frase do psicĆ³logo Daniel Kahneman, entre o pensar rĆ”pido e o lento.
O caminho rĆ”pido nos ajuda a sobreviver, mas tambĆ©m pode nos conduzir para atos que sĆ£o impulsivos e destrutivos. O mais lento conduz a um comportamento mais ponderado, mas muitas vezes Ć© sobrepujado pelo calor do momento. NĆ³s somos pecadores e santos, egoĆstas e altruĆstas, exatamente como os profetas e filĆ³sofos tĆŖm afirmado por muito tempo.
Se assim Ć©, entĆ£o estamos em condiƧƵes de compreender porque a religiĆ£o nos ajudou a sobreviver no passado - e porque vamos precisar dela no futuro. Ela fortalece e acelera o caminho lento. Ela reconfigura os nossos caminhos neurais, transformando o altruĆsmo em instinto, atravĆ©s dos rituais que realizamos, os textos que lemos e as oraƧƵes que fazemos. Continua a ser o mais poderoso construtor de comunidades que o mundo jĆ” conheceu. A religiĆ£o une os indivĆduos em grupos atravĆ©s de hĆ”bitos de altruĆsmo, a criaĆ§Ć£o de relaƧƵes de confianƧa fortes o suficiente para derrotar as emoƧƵes destrutivas. Longe de negar a religiĆ£o, os neodarwinistas tĆŖm nos ajudado a entender por que isso Ć© importante.
NinguĆ©m mostrou isso de forma mais elegante do que o cientista polĆtico Robert D. Putnam. Na dĆ©cada de 1990 ele tornou-se famoso pela frase "Bowling Alone (Jogando Boliche Sozinho, em traduĆ§Ć£o livre)": mais pessoas estĆ£o jogando boliche, mas menos formam equipes de boliche. O individualismo foi destruindo lentamente a nossa capacidade de formar grupos. Uma dĆ©cada mais tarde, em seu livro "Am erican Grace", ele mostrou que havia um lugar onde o capital social ainda podia ser encontrado: nas comunidades religiosas.
A pesquisa do Sr. Putnam mostrou que os que iam a igrejas ou sinagogas frequentemente eram mais propensos a dar dinheiro para a caridade, fazerem trabalho voluntĆ”rio, ajudar os desabrigados, doarem sangue, ajudarem um vizinho, fazer companhia para alguĆ©m que estivesse se sentindo deprimido, oferecer o seu lugar para um desconhecido ou ajudar alguĆ©m a encontrar um emprego. A religiosidade, medida atravĆ©s da frequĆŖncia Ć igreja ou sinagoga, ele verificou, era um preditor melhor do altruĆsmo do que a educaĆ§Ć£o, idade, renda, sexo ou raƧa.
A religiĆ£o Ć© o melhor antĆdoto para o individualismo nesta era do consumismo. A idĆ©ia de que a sociedade poderia viver sem ela Ć© negada pela histĆ³ria e, agora, pela biologia evolutiva. Isso pode mostrar que D ’us tem senso de humor. Certamente mostra que as sociedades livres ocidentais nĆ£o devem nunca perder o significado de D’us.
Jonathan Sacks Ć© rabino-chefe das CongregaƧƵes Hebraicas Unidas da Comunidade Britanica e membro da CĆ¢mara dos Lordes.
http://www.nytimes.com/2012/12/24/opinion/the-moral-animal.html?_r=0
(TraduĆ§Ć£o J. Christof)
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