Uma polêmica que envolve muitas vezes a palavra verdade, mas por pontos de vista que tornam a compreensão de onde ela realmente está um pouco confusa
POR ALEXANDRE DUARTE
O estudo dos livros sagrados feitos pelos judeus etíopes segue a tradição religiosa e é a base de sua cultura |
No dia 21 de novembro de 1984, o exército israelense deu início a uma das mais incríveis operações de resgate de que se tem notícia. Denominada de Operação Moisés, o plano envolvia a retirada de milhares de negros judeus da Etiópia, país em que eles viviam em condições miseráveis. Em um determinado momento, 28 aviões israelenses estavam ao mesmo tempo no ar, carregados de afrodescendentes de origem judaica. Um desses jumbos chegou a entrar no livro dos recordes por carregar, de uma só vez, 1.087 passageiros, sendo que a lotação máxima era de 500. Essa comunidade, classificada de judeus etíopes, estava no país africano há mais de 2000 anos, preservando tradições daquela época e formando uma comunidade fechada, até que foram, aos poucos, oprimidos e perseguidos, obrigados a mudar suas tradições.
Diziam-se descendentes da tribo da Dan, fundada por um filho do rei Salomão com a rainha de Sabá. Ao chegarem a Israel, muitos deles estavam longe das leis que regem o judaísmo, e tiveram que começar a se adaptar a uma nova vida. Apesar de terem encontrado uma estrutura política e econômica como nunca tinham recebido, esses novos habitantes do Estado israelense tiveram problemas para se acostumar às novidades. "Acho que eles se sentiram um pouco magoados, pois haviam sido perseguidos já na África e, em Israel, tiveram que passar por uma nova adaptação aos costumes judaicos" diz o rabino Reuven Segal, que serviu o exército com muitos judeus etíopes.
"A nova geração já está mais adaptada, o problema maior foi com aqueles que chegaram nos anos 80. Os filhos deles já fizeram faculdade, servem exército, conhecem as leis", completa o rabino. Porém, toda essa história boa para um filme é só a ponta de uma polêmica maior, que envolve muitas vezes a palavra verdade, mas por pontos de vista que tornam a compreensão de onde ela realmente está um pouco confusa.
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De Chicago, nos EUA, para Dimona, em Israel, nos anos 70. A comunidade se desenvolveu nos últimos 40 anos e é referência para outros países africanos |
Essa confusão se dá desde a origem, já que alguns grupos se defi nem como hebreus israelitas, como explica a doutora em língua hebraica, literatura e cultura judaica, Jane Bichmacher de Glasman. "As palavras judeu, hebreu e israelita são empregadas indistintamente a um mesmo grupamento humano como sinônimos, embora cada uma traga em seu bojo ideias diferentes. Em síntese, pode-se dizer que hebreus refere-se primordialmente aos mais antigos ancestrais, Abraão, Isaac e Jacob". E é aí que entra a origem negra desses povos bíblicos. A doutora também lembra que o termo judeu se originou a partir de um dos nomes das doze tribos que correspondiam aos israelitas bíblicos e acabou virando o termo dominante nesse caso. "A palavra hebreu não aparece na Bíblia como gentílico, mas como adjetivo. Os livros bíblicos pré-babilônicos, isto é, anteriores ao exílio na Babilônia, não usam a palavra judeu, que só vai aparecer no período da Grande Sinagoga, em livros como Ester e Malaquias, e principalmente, na época dos domínios helênico e romano", completa Jane, afirmando que originalmente "os judeus têm sua origem na Mesopotâmia, e brancos eles não eram."
Dessa forma, na África, existem diversas comunidades judaicas. Tudo começou a se estruturar com a saída do Egito, sob o comando de Moisés, quando judeus e egípcios se uniram numa única fuga. O próprio líder teria se casado com uma negra, Tsipora. Tudo isso originou dois povos muito antigos, os Lembas e os Falashas (termo pejorativo para estrangeiro) ou Beta- Israel. Os Lembas mantêm as tradições judaicas em vilas do continente africano.
Os Falashas formavam uma comunidade fechada na Etiópia que só foi localizada no século 19 e reconhecida como judaica em 1947 pelos rabinos-chefes de Israel. Ainda existe, em Uganda, a comunidade Abayuadaya, fundada em 1919 e que sofreu uma conversão maciça, em 2002. Hoje em dia a comunidade conta com cerca de 1.100 pessoas, mas tinha 3.000 quando o ditador Idi Amin Dada começou os persegui-los entre os anos de 1971 e 1979. Além dessa, na Nigéria existe a comunidade dos Ibos, que conta com cerca de 40000 pessoas. "Não existe razão alguma para que uma pessoa negra não possa ser judia e, de fato, existem milhares de judeus negros.
Há pequenos grupos e congregações de autênticos judeus negros nos EUA, frequentemente descendentes de conversos, alguns descendentes de imigrantes das Índias Ocidentais", explica Jane.