Um grande drama vem ocorrendo nos últimos dias em Israel. A Polícia de
Imigração começou a prender imigrantes do sul do Sudão – homens,
mulheres e crianças – para expulsá-los imediatamente, depois que a Corte
do Distrito de Jerusalém autorizou a repatriação dessas pessoas.
Em meio a esse drama, grande parte da mídia israelense adota a
linguagem utilizada pelo governo e colabora com a manipulação das
palavras conduzida pelo ministro do Interior, Eli Ishai, do partido
ultraortodoxo Shas.
A expulsão é chamada de “Operação Volta para Casa”, os refugiados
africanos são qualificados como “infiltrados” que serão “afastados”, e,
de acordo com os documentos que são induzidos a assinar, estariam
confirmando que “voltam a seu país por sua própria vontade”.
Aqueles que assinarem o documento receberão o valor de mil euros e
terão mais alguns dias para desfazer as vidas que construíram aqui
durante anos.
Com exceção do jornal Haaretz e do Canal 10 da TV israelense,
os grandes veículos de comunicação adotaram a linha e a linguagem do
governo e jornalistas importantes escrevem artigos apoiando a “volta
para casa” dos africanos. O Haaretz e o Canal 10 – um dos três
canais abertos de televisão – são considerados os veículos mais
progressistas da grande imprensa israelense.
Desculpa esfarrapada
ONGs de direitos humanos acusam o governo de realizar uma caçada humana
nas ruas das grandes cidades, em busca dos refugiados do sul do Sudão.
De acordo com a ONG Assaf (Associação de Assistência aos Refugiados),
várias pessoas que deverão ser expulsas nos próximos dias pediram que as
autoridades israelenses lhes forneça barracas, pois não têm para onde
ir quando chegarem ao Sudão do Sul.
Durante a guerra naquele país, várias aldeias foram destruídas,
famílias se dispersaram e muitos foram mortos. Os refugiados, que
entraram a pé em Israel procurando abrigo durante a guerra no Sudão, já
se encontram no país há mais de cinco anos. Muitos deles se casaram
aqui, tiveram filhos e hoje a comunidade de sudaneses do sul é de 800
pessoas, incluindo cerca de 400 crianças.
Mais de 60 mil cidadãos africanos entraram a pé em Israel, pela
fronteira do deserto do Sinai, nos últimos anos. Cerca de 40 mil são da
Eritreia, 15 mil do norte do Sudão e os 5 mil restantes vieram de outros
países, como Costa do Marfim e Congo.
De acordo com o ministro Eli Ishai, “os infiltrados representam uma
ameaça para o caráter judaico do Estado de Israel”. O ministro, que
também qualificou os imigrantes africanos como “criminosos” e
“disseminadores de doenças”, afirmou que todos eles devem ser presos e
expulsos.
No entanto, Israel é signatário da Convenção das Nações Unidas sobre os
refugiados, que proíbe a repatriação para a Eritreia e Sudão, pois os
imigrantes correriam risco de vida se voltassem a seus países. Em
relação à pequena comunidade dos sudaneses do sul, a situação mudou
depois que, no ano passado, foi fundado o novo Estado, o Sudão do Sul.
A ministra da Agricultura do Sudão do Sul, Beti Ogwaru, pediu ao
governo israelense que permita a permanência dos refugiados no país por
mais algum tempo e afirmou que o jovem Estado ainda não tem condições
para recebê-los. Porém, a Corte do Distrito de Jerusalém aceitou a
posição do Ministério do Interior, que argumentou que, como já foi
fundado o Estado do Sudão do Sul, pessoas originárias dessa região podem
ser excluídas da chamada proteção coletiva “pois não correriam risco de
vida se retornassem a seu país”.
“Roupa molhada”
Desde a decisão da Corte, no dia 7 de junho, a Polícia de Imigração
iniciou a detenção dos refugiados, que estão sendo enviados, juntamente
com as crianças, a uma prisão no sul do país, onde aguardarão os voos
que os levarão de volta para o Sudão.
Uma delegação de diplomatas do Sudão do Sul, que veio a Israel para
verificar a situação dos refugiados, condenou a maneira violenta como
estão sendo tratados pelas autoridades israelenses.
Dezenas dos mais importantes intelectuais israelenses, muitos deles
ganhadores do Prêmio Israel, publicaram um abaixo-assinado condenando a
maneira como os refugiados africanos estão sendo tratados. “Muitos dos
fundadores de Israel eram refugiados. Suas famílias sofreram de racismo e
xenofobia”, lembra o texto, que foi publicado no Haaretz e também cita a tradição judaica que incentiva o “amor ao estrangeiro”.
No entanto, neste país, construído para dar abrigo aos refugiados
judeus que sofreram os horrores do racismo, hoje se pode ver cenas como a
descrita pela israelense Maya Michaeli, no dia 12 de junho.
“Estou voltando agora do ‘afastamento’ de uma família de amigos
sudaneses, 8 pessoas, para a prisão Saharonim e de lá, no próximo
domingo, para o Sudão do Sul... foram levados sem tempo para se
organizar, fazer as malas, se despedir dos amigos, dos vizinhos, da
escola, sem poder receber o último salário... não sei como descrever o
que senti, só posso lembrar fragmentos de cenas – um sapato caindo da
mala que justamente se rasgou naquele momento, uma tigela de cereais que
alguém estava comendo no momento em que os policiais chegaram, a roupa
molhada pendurada no varal...”
Tratamento justo
ONGs de direitos humanos exigem que as autoridades deem um prazo, de
pelo menos dois meses, para que os imigrantes possam se organizar antes
da repatriação.
As organizações também afirmam que o governo tem a obrigação, pela lei
internacional, de analisar individualmente os pedidos de asilo político
dos imigrantes, para verificar se correriam perigo de vida ao voltar a
seu país.
De acordo com Sigal Rozen, diretora da ONG Moked, que presta
assistência jurídica aos refugiados, “Israel tem o direito de limitar a
entrada de refugiados, mas deve dar um tratamento justo e digno para
aqueles que já estão aqui”.
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[Guila Flint, jornalista brasileira residente em Tel Aviv, cobre o
Oriente Médio para a imprensa brasileira desde 1995 e é autora do livro Miragem de Paz – Israel e Palestina, Processos e Retrocessos, Editora Civilização Brasileira]