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A Sinagoga Renascida

No século XIX, os prédios onde funcionou a primitiva Sinagoga Zur Israel do Recife tinham os números 12 e 14, da Rua do Bom Jesus, recebendo nova numeração no início do século XX, passaram a ostentar os números 197 e 203. Sua identificação, com base nos estudos desenvolvidos pelo Professor José Antônio Gonsalves de Mello, foi comprovada quando da confrontação com planta do início do século XX, existente no arquivo da Empresa de Urbanização do Recife URB e de sentença judicial em favor da Santa Casa de Misericórdia do Recife publicada no Diário da Justiça, de março de 1962, que identifica expressamente os dois imóveis. Comunicado neste sentido foi feito pelo Professor José Antônio Gonsalves de Mello, em sessão do Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico Pernambucano e na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. 18

A identificação logo repercutiu na comunidade científica nacional, tendo o Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano e a Prefeitura da Cidade do Recife mandado afixar uma placa em bronze assinalando o local

EM CASA QUE EXISTIU
NESTE LOCAL
FUNCIONOU DE 1636 A 1654
A PRIMEIRA SINAGOGA
ISRAELITA DAS AMÉRICAS

Homenagem da Prefeitura da Cidade do Recife e Memória do Instituto Arqueológico.

Em 1992, quando das comemorações do Ano do Sepharad, assinalando os 500 anos da expulsão dos judeus da Espanha, fizemos publicar, pela Editora Massangana da Fundação Joaquim Nabuco, o livro Izaque de Castro: o mancebo que veio preso do Brasil, de autoria do escritor Elias Lipiner, que marcava assim o início da Série Descobrimentos.19 O livro conta a saga do mártir da fé Izaque de Castro Tartas, que também se assinava por José de Lis (Processo n.º 11.550 Inquisição de Lisboa ANTT), que, chegado ao Recife em 1641, se transfere para a Bahia em 1644 onde é preso e mandado à Lisboa onde, depois de defender airosamente a fé judaica perante o Tribunal do Santo Ofício, vem a ser queimado na fogueira em dezembro de 1647.

Em novembro daquele ano, o autor destas linhas, com o consentimento do então prefeito Gilberto Marques Paulo e o apoio do presidente do Centro Israelita de Pernambuco, sr. Germano Haiut, fez afixar na primitiva Rua dos Judeus quatro placas em cerâmica assinalando a importância do local. Coube ao artista plástico Bernardo Dimenstein elaborar o desenho em cores daquelas placas, que vieram a ser confeccionadas pelo ceramista Ferreira (José Ferreira de Carvalho), transformando-se, assim, na primeira intervenção em favor da revitalização do bairro do Recife. Rua do Bom Jesus antiga Rua Dos Judeus 1636 1654.

  Na tarde de 5 de novembro de 1992, exatamente na calçada dos prédios n.º 197 e 203, da Rua do Bom Jesus, acontece a primeira solenidade que veio marcar o renascimento da antiga sinagoga: na ocasião, o escritor Elias Lipiner fez o lançamento do seu livro, Izaque de Castro: o mancebo que veio preso do Brasil, em presença dos mais expressivos nomes da comunidade judaica do Brasil, alunos do Colégio Israelita do Recife, Banda da Cidade do Recife e autoridades diversas.

  A partir de então, cresceu o interesse pelo conjunto arquitetônico da primitiva Rua dos Judeus. O casario da Rua do Bom Jesus, ainda conservando as mesmas confrontações e traçados de 1635, quando da construção das primeiras residências e lojas dos judeus sefardins no local, logo tornou-se objeto restauração dentro do Projeto Cores da Cidade, patrocinado pela Fundação Roberto Marinho, dando início a revitalização do Bairro do Recife.

  Em 1994 foi criada a Associação para a Restauração da Memória Judaica nas Américas ARMAJ, mantida por três membros da comunidade do Recife srs. Germano Haiut, Ernesto Margolis e Bóris Berenstein que solicitou ao Instituto Brasileiro do Patrimônio Histórico, o tombamento daqueles prédios em memória da Kahal Kadosh Zur Israel, em 16 de dezembro de 1997, segundo correspondência assinada por José Carlos Pinto de Azevedo.

  Em data de 14 de dezembro de 1997, sob a presidência do Ministro da Cultura, Francisco Weffort; do prefeito da Cidade do Recife, Roberto Magalhães Melo; do presidente do IPHAN, Glauco Campelo e representantes da comunidade judaica do Recife, foi assinado um protocolo de intenções visando a preservação da área onde estão localizados os dois prédios.

  Seguiu-se do Decreto Municipal n.º 18.028, de 4 de setembro de 1998, considerando de interesse social os imóveis n.º 197 e 203, da Rua do Bom Jesus, visando a "implantação de um projeto cultural de resgate da primeira Comunidade Judaica das Américas". Desapropriados os imóveis, até então na propriedade da Santa Casa de Misericórdia do Recife, foram transferidos em comodato para a Federação Israelita de Pernambuco, por força da lei municipal n.º 16.496, de 19 de julho de 1999, sancionada pelo prefeito da Cidade do Recife, Prof. Roberto Magalhães Melo.

  Passaram, assim, os prédios da antiga sinagoga para administração da Federação Israelita de Pernambuco, dirigida pelo médico Bóris Berenstein. A partir de então, foi o projeto de restauração encaminhado à Fundação Cultural Banco Safra que, por recomendação do banqueiro Joseph Safra, passou a custear os trabalhos de prospecção arqueológica, desenvolvidos pela Equipe do Prof. Marcos Albuquerque, da Universidade Federal de Pernambuco, iniciados no segundo semestre de 1999.

  Com o desenvolvimento dos trabalhos foram revelados os dois primitivos pisos do imóvel; o mais profundo do século XVII (situado a cerca de 70 cm. do atual nível da rua) em tijolos frísios, seguindo-se de outra tijoleira com peças de 20 x 20 cm., possivelmente do século XIX. Ainda no vão da esquerda de quem tem acesso ao prédio, foram encontrados os restos da micvê (piscina do banho ritual), com o seu poço redondo construído em pedra e o piso que a cerca do mesmo material, cujo acesso é feito através de sete degraus.

O encontro da micvê, foi a comprovação arqueológica que estava faltando para provar, em definitivo, que, naquele local, funcionara a primeira sinagoga das Américas, conforme direcionavam as pesquisas desenvolvidas, ao longo de quarenta anos, pelo historiador José Antônio Gonsalves de Mello.

  O projeto de restauração e ambientação foi confiado aos arquitetos José Luiz Mota Menezes e Luciana Menezes, que destinaram os dois espaços inferiores à instalação de uma Exposição da Memória Judaica e um Centro de Documentação. No andar superior foi montada uma tentativa de réplica da primitiva sinagoga da Kahal Kadosch Zur Israel, repetindo na medida do possível a localização do mobiliário do primitivo templo, com a instalação do Heckal, voltado para o leste, conservando os rolos da Torá; a tebá, estrado onde ficam os oficiantes, as cadeiras dos rabinos e hazans, estando os bancos dos assistentes dispostos à maneira da Sinagoga Portuguesa de Amsterdã.

  As obras de engenharia estiveram sob a direção dos engenheiros Bernardo e Amir Schwartz, sendo concluídas no segundo semestre de 2001.

  Nos dias atuais, conservando o seu traçado original, com as confrontações dos seus prédios obedecendo a primitiva planta holandesa e as fachadas do seu casario pintadas com cores vibrantes, ressaltando os detalhes do seu estilo eclético, a antiga Rua dos Judeus, assim chamada entre 1636 e 1654, juntamente com as demais que ficam em seu entorno, tornou-se um dos pontos de encontro da cidade.

  Com base nos estudos do historiador José Antônio Gonsalves de Mello, Gente da Nação. Cristãos-novos e Judeus em Pernambuco 1642-1654,20 o Instituto Brasileiro do Patrimônio Histórico, que sucedeu o Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional, iniciou o processo de tombamento dos dois prédios da antiga Rua dos Judeus. Da sinagoga que nele funcionou, saíram as famílias judias em busca das ilhas do Caribe e das terras Nova Amsterdã, onde constituíram a primeira comunidade judaica daquela que veio a ser a cidade de Nova Iorque. O processo de tombamento tomou o n.º 1408 T 97; encontrando-se nesta data em apreciação por parte do Conselho Consultivo.

  Por sua vez, parte o conjunto arquitetônico e paisagístico do bairro do Recife, onde estão situados os prédios da antiga sinagoga e outros bens da maior importância para a preservação da memória nacional, veio a ser considerado Monumento Nacional, nos termos do decreto-lei n.º 256, de 30 de novembro de 1937, na reunião do Conselho do IPHAN realizada em 28 de julho de 1998, acatando o parecer do conselheiro Joaquim de Arruda Falcão. A decisão veio a ser homologada pelo Ministro da Cultura, Francisco Weffort, através da Portaria n.º 263, de 28 de julho do mesmo ano.

  Em 21 de outubro de 2001, 347 anos após a expulsão dos judeus de Pernambuco, foi solenemente aberta ao público a Kahal Kadosh Zur Israel, no Recife, na mesma Rua dos Judeus, berço das comunidades judaicas das três Américas.

  Assim, "o Rei dos reis, Senhor Soberano", reaparecerá diante de todos, como se ouvisse as súplicas ali clamadas porAboab da Fonseca, trazendo-vos e oferecendo-vos as possibilidades tanto de salvação, de alimentação, de caridade e bondade, quanto de educação e ensino de vossos filhos e de aplicação nos sagrados estudos da justiça e da paz. Amém.


1 BÖHM, Günter. Los sefardíes en los dominios holandeses de América del Sur y del Caribe 1630-1750. op. cit. p. 95.


2 Existem sete cópias do manuscrito: 3 da Biblioteca Bodleiana, Oxford; 2 na Livraria Ets Haim - D. Montezinos, Amsterdã; 2 na Stats-und Universidade de Hamburgo. O mais antigo, escrito por Jehudad Machabeu datado de 5423 (1663), se encontrando na Biblioteca de Oxford.


3 WIZNITZER Arnold. Jews in colonial Brazil. New York: Columbia University Press, 1960. Traduzido para o português por Olivia KrÀhenbühl: Os judeus no Brasil colonial. São Paulo: EDUSP, 1966. p. 125-126


4 Este número inspira controvérsia, visto que no Haskamot de 1648 apenas subscreveram o documento 172 adultos do sexo masculino, deixando outros cinco de o fazer, donde se depreende que a comunidade do Recife e Maurícia estaria estimada em 354 pessoas, incluindo às mulheres e crianças. Em 1654 a população de judeus na capital do Brasil Holandês estava ao redor de 400 almas. MELLO, José Antônio Gonsalves de. Gente da Nação op. cit.282.


5 WIZNITZER, Arnoldo. The exodus from Brazil and arrival in New Amsterdã of the jews pilgrm fathers, 1654. PAJHS (Publications of the American Jewish Historical Society), LXIV (1954), p. 87 - 94.


6 MELLO, José Antônio Gonsalves de. Gente da Nação. op. cit. p. 247


7 BÖHM, Günter. Los sefardíes en los dominios holandeses de América del Sur y del Caribe 1630-1750. op. cit. p. 70.


8 Arnoldo Wiznitzer publicou o texto do Haskamot em 1953


9 Benjamin Bueno de Mesquita, cujo nome cristão poderia ter sido Diogo de Mesquita, é um dos 172 subscritores do Haskamot, firmado no Recife em 30 de novembro de 1648, transferindo-se para Nova Amsterdã vem a ser naturalizado cidadão inglês, em 1664, tendo falecido em Nova Iorque em 1683. Sobre o assunto ver o livro do Rabino David de Sola Pool, Portraits etched in stones (Retratos gravados em pedra). New York: Press University Columbia, janeiro 1953. 2ed. O Cemitério da Congregation Shearith Israel está entregue nos dias atuais ao Rabino Marc Angel. 8th. Av. & 70th St. W. New York / NY


10 Esnoga: forma popular portuguesa da palavra sinagoga, ou seja, na pronúncia holandesa atual, snoge.


11 MACHADO, Barbosa. Biblioteca Lusitana. Lisboa, 1741-58. v. 2 p. 468-469.


12 BLAKE, Sacramento. Diccionario bibliographico brasileiro. Rio de Janeiro: Typ. Nacional, 1883.


13 Carta Régia datada de 27 de setembro de 1656.


14 MELLO, José Antônio Gonsalves de. Um mascate e o Recife: a vida de Antônio Fernandes de Matos, no período de 1671-1701. 2. ed. Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife, 1981. 142 p. il. (Coleção Recife, v. 9).


15 COSTA, F. A. Pereira da. Anais Pernambucanos. 1666- 1700. Prefácio de Evaldo Cabral de Mello. Aditamento e correções de José Antônio Gonsalves de Mello. Recife: FUNDARPE, Diretoria de Assuntos Culturais, 1983-85. v. 4 p. 215-220.


16 SMITH, Robert C. Igrejas, casas e móveis - Aspectos de arte colonial brasileira. Recife: MEC, Universidade Federal de Pernambuco, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 1979. p. 125.


17 FERREZ, Gilberto. Raras e preciosas vistas e panoramas do Recife 1755-1855. Apresentação de Leonardo Dantas Silva. Recife: FUNDARPE; Rio de Janeiro: Fundação Pró-Memória, 1984. 76 p. il. (Coleção pernambucana; 2fase, v. 12). Mapas e gravuras do Recife de 1755 - 1855.


18 - HONORATO, Manoel da Costa. Dicionário topográfico, estatístico e histórico da Província de Pernambuco. Estudo introdutório de José Antônio Gonsalves de Mello. 2. ed. Recife: SEC, Departamento de Cultura, 1976. 152 p. (Coleção pernambucana; 1fase, v. 4).


19 MELLO, José Antônio Gonsalves de. "A Sinagoga do Recife holandês", in Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro op. cit.


20 MELLO, José Antônio Gonsalves de. Gente da nação: cristãos-novos e judeus em Pernambuco. 1542-1654 Recife: FUNDAJ, Ed. Massangana, 1989. 552 p. il. (Estudos e pesquisas, n. 65). Inclui dicionário biográfico dos judeus residentes no Nordeste (1630-1654) e índice onomástico. 2. ed. : MELLO, José Antônio Gonsalves de. Gente da Nação: Cristãos-novos e judeus em Pernambuco, 1542-1654. Apresentação de José E. Mindlin. 2. ed. Recife: FJN, Ed. Massangana, 1996. 552 p. (Descobrimentos, n. 6).  

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